quinta-feira, 24 de abril de 2014

PETROBRAS: A ANATOMIA DA MATÉRIA DE CAPA DA ÉPOCA (E A CPI)


O caso Época

"Luis Nassif
(...)
Em publicações respeitadas, separa-se a pauta do conteúdo publicado. A redação recebe dicas, denúncias, indícios. Aí prepara a pauta, que é o roteiro de investigações. O repórter sai a campo e procura fatos e testemunhas que comprovem ou desmintam as informações recebidas. E só publica o que é comprovável.

O jornalismo brasileiro contemporâneo desenvolveu um estilo preguiçoso. O repórter recebe as denúncias. Em vez de sair a campo e apurar, limita-se a publicar a pauta com o desmentido do acusado, sem apresentar nenhuma conclusão sobre se o fato relatado é verídico ou não.


A reportagem da Época tem 31.354 caracteres e segue esse procedimento. É bombástica. Na capa, vale-se da linguagem publicitária para vender um peixe graúdo. O leitor abre a revista e, de cara, depara-se com páginas e páginas recheada de fotos.

Quando vai a fundo na reportagem, encontra uma única informação relevante: o parecer do terceiro escalão do jurídico da Petrobras, recomendando não questionar na Justiça o resultado da câmara de arbitragem – que fixou o valor a ser pago pela Petrobras pelos 50% da Astra. Apenas isso.

É muito menos do que outras publicações vêm levantando no decorrer da semana. Uma informação que cabe em um parágrafo foi transformada em reportagem de várias páginas através dos seguintes recursos:

1.     8% do material descreve o uniforme da Petrobrás usado por Dilma Rousseff no lançamento do navio Dragão do Mar. Sobram 92%.

2.     21% é sobre a tentativa da Brasilinvest de se associar a Paulo Roberto Costa. No final do enorme calhau, fica-se sabendo que não houve associação nenhuma. Então para quê falar de algo que não aconteceu? Fica a informação falsa de que o Brasilinvest - que não tem nenhuma expressão no mercado -, é um dos maiores bancos de investimento brasileiro e que tentou fazer negócios em Cuba. Sobram 71%.

3.     5% é sobre um advogado que teria feito lobby para a Petrosul junto à Transpetro. No final do calhau tem a palavra dele, negando qualquer trabalho, e da Transpetro, negando qualquer medida. E nenhuma conclusão do repórter. Sobram 66%.

4.     11% do texto é sobre a compra da refinaria na Argentina. Joga-se no papel um amontoado de informações passadas pela Polícia Federal e recolhidas no São Google, sem uma análise, sem uma apuração adicional, sem uma conclusão sequer. Sobram 56%.

5.     6% do texto explica em linhas gerais o suposto escândalo Pasadena. É importante para contextualizar a questão, mas inteiramente feito em cima de informações públicas. Sobram 49%.

6.     15% para descrever uma lista encontrada com o doleiro Alberto Yousseff sem pescar uma informação relevante sequer. Sobram 35%.

7.     4% descreve a pendência judicial da Petrobras com a Astra, já divulgada pela mídia,  sem nenhuma informação adicional. Sobram 31%.

8.     7% é dedicado para o parecer de técnicos do jurídico recomendando não questionar a decisão da câmara de arbitragem na Justiça. É a única informação nova da matéria. O “furo” poderia ser dada usando 1% do espaço. Sobram 23%.

9.     23% para informar (com base em fontes em off) que a Astra queria a todo custo um acordo com a Petrobras. E atribui a decisão de ir para o pau ao então presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli. Mas qual o motivo? Como advogados ganharam honorários com a ação, logo o motivo foi montar uma jogada com os advogados.  Simples, não? Todas essas afirmações baseadas em suposições, ilações sem um reforço sequer em fatos ou em fontes em on. Em entrevista a veículos da Globo, o ex-Diretor de Gás Ildo Sauer – presente nas reuniões – afirmou que a diretoria executiva queria o acordo mas o Conselho recusou devido ao que se considerou arrogância dos executivos da Astra. As informações são desconsideradas, membros do CA não são ouvidos. Limitam-se (os que fazem a revista Época) a mencionar fontes em off para falar da simpatia e boa vontade dos executivos da Astra.

O leitor mais atilado fica com a sensação de ter comprado gato por lebre." (Para ler a matéria completa, clique AQUI).

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O comportamento da publicação foi, de fato, deplorável. Mas, 'preguiçoso' ou não o estilo, a revista 'vendeu' o peixe dela, a exemplo do que fizeram vários outros veículos de comunicação, à frente a TV Globo. Afinal, quem, de tanto ouvir dia após dia, não lembra de que dita TV informou que a refinaria foi comprada por 42 (quarenta e dois) milhões de dólares e vendida por mais de um bilhão de dólares? Todo dia estava lá no Jornal Nacional: 42 milhões de dólares contra mais de um bilhão!

Com um atraso revelador de baita preguiça (onde está aquela ágil Petrobras do site Fatos e Dados?), semanas depois da primeira e reprisada notícia sobre os tais 42 milhões de dólares a Petrobras se dispôs a dar conta de que o valor despendido pela empresa vendedora (Astra) na compra da refinaria Pasadena foi na verdade de 360 (trezentos e sessenta) milhões de dólares!

Qual o destaque dado pela mídia à informação correta? Que percentual da população que fixara na mente os tais 42 milhões de dólares tem ciência de que o valor a considerar é o de 360 milhões de dólares?

A Petrobras por acaso pleiteou (judicialmente ou não) direito de resposta, com o mesmo destaque dado às notícias equivocadas?

O fato novo é o seguinte: ministra Rosa Weber, do STF, acaba de determinar que a CPI a ser instalada pelo Congresso deve ser a exclusiva. Interesses eleitoreiros à parte, eis, no mínimo, a oportunidade de os valores corretos merecerem a divulgação esperada; afinal, é mais que quilométrica a distância entre 42 mi e 360 mi, e tal esclarecimento certamente será positivo para a empresa, seus dirigentes e defensores - e para a prevalência da verdade, é óbvio.

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