ENCONTRO COM O DITADOR
Por Carlos Alberto Mattos
Em mais um filme sobre o genocídio que eliminou seus pais quando ele tinha 11 anos de idade, Rithy Panh desloca a perspectiva do relato para três jornalistas franceses que chegam ao Camboja em 1978 para entrevistar Pol Pot, o líder do Khmer Vermelho. A história se baseia livremente no relato da jornalista estadunidense Elizabeth Becker, uma das poucas ocidentais autorizadas a visitar o então chamado Kampuchea Democrático.
Três anos após a tomada do poder, Pol Pot dirigia o país com mão de ferro, simplesmente eliminando qualquer um que questionasse sua utopia de um comunismo “puro”, sem moeda, sem ricos nem pobres. Desde a chegada, os três visitantes são tratados como prisioneiros. São levados a cenários de fachada, claramente preparados para esconder a realidade em que o povo vivia. Um desses locais é uma oficina de artefatos do realismo socialista, onde o retrato do “Irmão nº 1” deveria corresponder a uma imagem ideal do líder.
Cada um dos três visitantes tem um partis-pris diferente. Lise (Irène Jacob) adota conduta cautelosa, parecendo mais interessada em localizar uma amiga atingida pela perseguição aos intelectuais no país. Alain (Grégoire Colin) evita qualquer atrito, uma vez que acredita na proposta de Pol Pot, com quem militou no passado em Paris. Já o fotógrafo Paul (Cyril Gueï), inconformado com o dirigismo dos oficiais cambojanos, arrisca-se a escapar ao controle e investigar por conta própria. É através de suas buscas que o filme expõe materiais de arquivo sobre o massacre, a fome e os trabalhos forçados dos tempos do Khmer Vermelho.
Os personagens claudicam um pouco no roteiro escrito a quatro mãos por Rithy Panh e pelo francês Pierre Erwan Guillaume. Lise parece inócua na maior parte do tempo, sobressaindo-se apenas na entrevista obnubilada com Pol Pot, que ocupa os 25 minutos finais. Alain, por sua vez, não se comporta minimamente como um jornalista. Na verdade, seu personagem corresponde ao acadêmico Malcolm Caldwell, que nessa viagem teve a oportunidade de confrontar seus ideais com a situação real. O negro Paul, o personagem mais “heroico”, é comprometido por um episódio de assédio sexual a Lise que soa totalmente deslocado na dramaturgia do filme.
Didaticamente, Encontro com o Ditador (Rendez-vous avec Pol Pot) adiciona uma camada interessante ao painel histórico construído por Rithy Panh em sucessivos filmes. A retórica de uma sociedade perfeita, formada por um “novo povo”, soa sinistra como em qualquer contexto de totalitarismo. Da mesma forma, o trabalho jornalístico aparece em crise quando se submete às restrições autoritárias.
Ainda assim, é preciso reconhecer que esse filme não tem o gume de documentários como A Máquina de Morte do Khmer Vermelho e Duch, O Mestre das Forjas do Inferno. A imbricação da história ficcional com imagens de arquivo e bonecos de barro não adquire força suficiente. Enquanto em A Imagem que Falta o uso de maquetes e bonecos tinha a função de cobrir o que não pôde ser filmado, aqui se torna redundante e desnecessário, além de gerar certa confusão narrativa.
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