Por Carlos Alberto Mattos
Este é um filme excessivo, no bom e no mau sentidos. Durante duas horas e meia somos bombardeados por informações sobre o estado do colonialismo na África nos anos 1960. São dezenas de personagens políticos pululando ao ritmo da bateria de Max Roach e de outras estrelas do jazz estadunidense. A pletora de imagens e áudios de arquivo é complementada por uma infinidade de letreiros com as respectivas referências bibliográficas. Um livro em filme, eu quase diria.
O estilo adotado pelo belga Johan Grimonprez é claramente tributário da era dos memes e da nova percepção advinda com o consumo veloz e simultâneo de dados na internet. Na montagem ultradinâmica de Rik Chaubet, a relação entre as imagens busca com frequência efeitos de comicidade crítica. Com o som, o vínculo é predominantemente rítmico, muito embora o papel do jazz tenha sido historicamente importante no período.
Jazzistas como Louis Armstrong e Dizzy Gillespie eram enviados à África pelo Departamento de Estado como reforço de propaganda anticomunista no momento em que várias nações africanas conquistavam sua independência e, apoiadas pela URSS de Nikita Kruschev, formavam um bloco afro-asiático na ONU. Para os EUA e os países colonizadores, isso ameaçava sua hegemonia na exploração de recursos naturais, como o precioso urânio do então Congo Belga. A pedra no sapato atendia por Patrice Lumumba, o líder anti-imperialista e pan-africanista congolês que se tornou Primeiro-Ministro do Congo independente.
Trilha Sonora para um Golpe de Estado (Soundtrack to a Coup d’Etat) não poupa recursos para desenhar o painel que levaria Lumumba a perder o poder pelo golpe de estado de Joseph Mobutu e ser posteriormente fuzilado com a colaboração dos EUA, da ONU e da Bélgica. Ao mesmo tempo, pontua as injunções da Guerra Fria na África com o jazz.
Além das excursões e shows dos músicos – vemos Armstrong ser recebido como rei no Congo para depois ameaçar renunciar à cidadania estadunidense por se sentir usado –, testemunhamos também a indignação de gente como Nina Simone, Archie Sheep e Abbey Lincoln. Esta última, junto com a escritora e ativista Maya Angelou e mais 60 manifestantes, chegou a invadir uma assembleia da ONU em 1961 para protestar contra o assassinato de Lumumba. As cenas de luta física impressionam.
Em meio à profusão de citações e comentários contextualizantes, alguns ícones se destacam no discurso fílmico de Grimonprez: o histrionismo de Kruschev na defesa da autonomia africana, com excelente aproveitamento rítmico do hábito de esmurrar a mesa; os elefantes como signos da exploração da África; as célebres bochechas de Gillespie; os “restos” de arquivos em que grandes figuras são flagradas em instantes de relaxamento ou de absorção intimista.
Esta é uma obra de fôlego, daquelas que se costuma chamar de “uma aula de história”. A experiência de assisti-la é exaustiva e pode ser frustrante para quem se dispuser a captar todos os seus pormenores. Daí que um pouco mais de síntese e menos de textos na tela poderia levá-la ao topo da excelência. - (Carmattos - Aqui).
Nenhum comentário:
Postar um comentário