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A paz forçada num contexto em que a guerra se tornou impossível, inimaginável e indesejável força inimigos em potencial a tentar conviver.
Em meados de 2021, aqui mesmo no GGN, fiz algumas considerações sobre o Militarismo Fake de Jair Bolsonaro, assunto ao qual voltei em abril de 2022. A fakeada de 2023, que terminou com centenas de prisões e condenações, provou que eu não estava enganado. Com a prisão do general Braga Netto, apenas dois supostos arquitetos da invasão do STF, Congresso Nacional e do Palácio do Planalto em 08 de janeiro de 2023 estão soltos: o general Heleno e o capitão Jair Bolsonaro.
Mas antes de falar sobre esse assunto, farei uma longa digressão sobre outro tipo militarismo. Aquele que não é fake e que voltou a ser moda na Europa, nos EUA e na Rússia por causa da Ucrânia. Militarismo que nunca deixou de ser fashion no Oriente Médio por causa da belicosidade de Israel.
Durante quase toda história da humanidade a guerra foi simétrica, uma continuação da política por outros meios. O que significa dizer que a paz era desejada e possível porque o vitorioso ganhava algo (território, butim, tributos, escravos, etc) enquanto o derrotado podia conservar algo (parte do território tradicionalmente ocupado, a vida em outro território ou na escravidão, etc…).
O desenvolvimento tecnológico e a produção em massa de armamentos levou ao surgimento e à predominância da guerra assimétrica. Colonização, substituição da população indígena no território conquistado e extermínio total ou parcial do inimigo derrotado significam a impossibilidade de paz negociada. O vencedor leva tudo, o perdedor não fica com nada exceto se fugir quando isso for possível.
A invenção de armas de destruição em massa redefiniu os contornos da guerra e provocou o equilíbrio instável entre inimigos aterrorizados que sabem que a destruição mútua garantida irá sempre obrigá-los a evitar um conflito armado. Em caso de guerra nuclear o vencedor não ganhará nada e provavelmente perderá tudo de uma maneira ou de outra.
A paz forçada num contexto em que a guerra se tornou impossível, inimaginável e indesejável força inimigos em potencial a tentar conviver. Esse convívio das superpotências nucleares, porém, não eliminou o risco para os países mais fracos em cujo território a disputa por hegemonia provocou guerras por procuração.
Esse é o caso da Guerra da Ucrânia, que agora se encontra na fase mais perigosa. As sanções econômicas norte-americanas e europeias não provocaram o colapso da Rússia. O fornecimento de imensas quantidades de dinheiro e de armamentos ao regime de Zelensky não garantiu a vitória da Ucrânia.
A derrota iminente de Kiev é considerada um fato inexorável e está levando a Europa e os EUA a redobrar a aposta. O envio de tropas norte-americanas e europeias para defender a Ucrânia e invadir/bombardear a Rússia tem sido mais e mais cogitado e algumas vezes exigido na imprensa ocidental. Caso isso ocorra, uma guerra nuclear será inevitável e não ficará limitada ao território ucraniano (essas foram, aliás, as palavras de Vladimir Putin). (Nota Deste Blog: Corre a versão de que os cidadãos americanos, por mais que torçam por Tio Sam, não mais estariam dispostos a ver seus compatriotas se expondo em campos de batalha: os tais líderes que contratem mercenários!).
O genocídio de palestinos em Gaza e na Cisjordânia foi normalizado pela imprensa sionista. A coisa se tornou tão grotesca que, apesar do relatório de Francesca Albanese, já tem gente dizendo que os civis, jornalistas, médicos e até as crianças e bebês assassinados friamente por soldados de Israel não são inocentes. Paralisadas por causa dos interesses geopolíticos das potências internacionais (as mesmas que auferem lucro exportando armas para Israel), as instituições internacionais se tornaram incapazes de fazer algo para impedir os genocidas israelenses de continuarem a massacrar civis palestinos.
2025 começou mal, pois na virada do ano Israel voltou a matar dezenas de palestinos. Impossível dizer se 2025 terminará ainda pior. Impotentes e incapazes de interferir no desenrolar dos acontecimentos na Ucrânia e em Gaza, as pessoas comuns parecem acreditar que tudo ficará bem. Elas comemoraram o fim de 2024, fizeram planos para o ano que começa como se isso não fosse digno de espanto ou de comiseração.
A foto de Georges Blind sorrindo diante do pelotão de fuzilamento em outubro de 1944 é inesquecível. Ele sabia que aquilo era uma encenação para obrigá-lo a falar ou foi capaz de imaginar que num curto espaço de tempo o III Reich seria derrotado e os alemães punidos? O bombeiro francês não sobreviveu à guerra. Morto em dezembro de 1944 no Campo de Concentração de Dachau, ele não viu a derrota da Alemanha. Nem teve o desprezar de saber que muitos criminosos de guerra alemães ficaram impunes e que alguns deles até emigraram para os EUA e passaram a desenvolver armamentos para os norte-americanos.
Nós estamos mais ou menos na mesma posição que aquele membro da resistência francesa, mas existe uma diferença importante. Georges Blind era combatente e aceitou o risco de lutar contra a Alemanha nazista. Mas nós podemos todos ser exterminados por causa de uma guerra europeia da qual não desejamos participar.
Blind foi de encontro à morte na guerra. A morte virá ao nosso encontro caso a guerra nuclear muito desejada pela OTAN comece na Europa espalhando destruição e extermínio pelo planeta inteiro. Ao comemorar a passagem do ano nós sorrimos. Suponho que muitos ignoram o verdadeiro motivo para sorrir amarelo. Eis aqui alguns deles:
1-Donald Trump não tem e não quer ter poder para encerrar o conflito militar na Ucrânia ou impedir o surgimento de outro na África, Oriente Médio e Ásia. Na verdade a paz continuará a ser indesejada e impossível enquanto a fabricação e venda de armamentos for um excelente e lucrativo negócio para norte-americanos, russos e europeus.
2-Ninguém na Europa ou nos EUA se importa realmente com a Ucrânia. Os ucranianos são descartáveis e foram estúpidos demais ao não perceber isso antes de provocar uma guerra com a Rússia para atender aos interesses geoestratégicos dos norte-americanos, que fomentaram e financiaram o golpe de 2014 contra Victor Yanukóvich.
3-A Rússia fará o que for possível para evitar um conflito nuclear. Mas isso talvez não seja possível, porque a OTAN é comandada por lunáticos e se tornou mais agressiva por causa da adesão de países tradicionalmente neutros (Finlândia em 2023 e Suécia em 2024).
4- Caso a guerra nuclear não aconteça agora por causa da Ucrânia ela ocorrerá em algum momento futuro por algum outro motivo qualquer. Isso para não mencionar os estragos que serão causados pela mudança climática com ou sem um confronto nuclear.
Cada qual precisa encontrar um motivo para rir. Eis o meu: apesar de não poder ser fuzilado, o outrora valente e invencível Jair Bolsonaro continuará choramingando com medo de ser preso em 2025. O mito acabou, tudo o que restou dele foi um espantalho amedrontado cantando a marchinha de carnaval “Me dá, me dá, me dá, me dá uma anistia aí” que ninguém quer ouvir.
Em 2024 o mito Bolsonaro acabou, ele será enterrado em 2025? Essa é a única dúvida que resta. Há bem pouco tempo os donos no PL começaram a dizer que o ex-presidente seria mais útil para eles se fosse preso logo. Portanto, talvez seja mais útil para a esquerda sugerir ao PGR que não tenha pressa para enjaular o capitão golpista boquirroto. Quanto mais Bolsonaro sangrar melhor. - (Aqui).
O Autor, por ele mesmo:
Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.
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