quarta-feira, 1 de maio de 2019

XADREZ DA ULTRADIREITA E O PENSAMENTO MILITAR BRASILEIRO, POR LUIS NASSIF

(GGN)

Xadrez da ultradireita e o pensamento militar brasileiro 

A única dúvida que o trabalho deixa é sobre a real abrangência desse pensamento junto aos estamentos militares. Com exceção do General Villas Boas, as declarações são de militares da reserva e as posições são de Clubes Militares.
Por Luis Nassif (No GGN)

Peça 1 – a irracionalidade como ideologia

Confesso que a primeira vez que ouvi Arnaldo Jabor falar em “comunismo viral”, julguei que fosse apenas mais um roteiro teatral para atender à demanda da mídia por cronistas vociferantes. Ele citava Jean Baudrillard e voltaria a citar inúmeras vezes. Segundo Baudrillard, “o comunismo, hoje desintegrado, tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de desfuncionamento e da desestruturação da vida social” – vide o novo eixo do mal da América Latina.
Eixo do mal, ideologia viral invadindo os cérebros das pessoas, esse tipo de discurso pirado, profundamente anacrônico, no entanto, começou a ser exercitado por outros cronistas do ódio, alguns se espelhando claramente em Olavo de Carvalho.
Um paper para discussão, do professor Eduardo Costa Pinto, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), traz algumas luzes sobre as ideias que ajudaram a moldar a nova face do anticomunismo no Exército: a luta contra o marxismo cultural, do qual o principal expoente foi o General Sérgio Augusto de Avelar Coutinho, falecido em 2011. 
A principal obra do general Sérgio é “Revolução Gramcista no Ocidente", de 2002 e reeditado pela Biblioteca do Exército em 2010.

Peça 2 – as raízes da nova direita

Segundo o autor, as influências centrais, tanto do general Coutinho, como de Olavo de Carvalho, foi o pensamento  neoconservador  norte-americano  dos  anos  1980  e  1990,  “mais especificamente  o  ramo  denominado  'paleoconsertives' com raízes fincadas no coletivismo de direita americana da década de 1920 e 1930, de oposição ao New Deal”.
Sustentava-se no tripé pequeno governo (descentralização das funções de governo articulado com a auto governança/comunitarismo), anticomunismo e valores tradicionais (civilização ocidental e judaico-cristã).
Esse conservadorismo ressurge agora no movimento denominado de “alt-right”, com ênfase ainda maior na guerra cultural, “pois  a  cultura  e  a moralidade  americana  estariam  sendo  destruídas”. Os instrumentos de destruição seriam o multiculturalismo e o “marxismo cultural” sendo manobrado por acadêmicos, militantes, jornalistas.  (Nota deste Blog: Movimento 'Alt-right' = do inglês alternative right, refere-se à fração da extrema direita dos Estados Unidos e de alguns países europeus que se caracteriza pela rejeição do conservadorismo "clássico" e pela militância em defesa dos brancos, do sexismo, do antissemitismo e do conspiracionismo, sendo contra a imigração e a inclusão dos imigrados, - Veja mais na WIKIPEDIA).
Esses argumentos são desenvolvidos após o fim da União Soviética, como forma de manter alimentada a indústria do anticomunismo.
Não foi por coincidência, alguns dos ideólogos eram ligados ao pensamento militar. Foi o caso de William Lind, que, em 1989, foi o primeiro a cunhar o termo de guerra de 4a geração, que depois seria rebatizada de “guerra híbrida”, cujo objetivo era “obter  vantagens  com  as mudanças  políticas,  sociais,  econômicas  e  tecnológicas  em  virtude  do  aumento  da complexidade com adversários não estatais (terroristas, grupos revolucionários, etc.)”.
A grande ameaça, segundo Lind, seria a ideologia do multiculturalismo, “no qual o confronto ideológico-militar se dá entre os Estados Unidos da América (e de Israel) de um lado, e o MCI, Movimento Comunista Internacional  (e os países islâmicos) de outro”.

Peça 3 – a ultradireita brasileira

É por esses mares que singra o barco do general Coutinho. De acordo com Costa Pinto, para o Gal. Coutinho os socialistas e comunistas (internacionais e nacionais) estariam infiltrados no discurso do politicamente correto:
1) nos partidos como FHC (vinculado ao fabianismo que teria como importantes representantes Soros, David Rockefeller,  Bill  Clinton,  entre  outros)  e  como  o  Lula  (articulado  com  Fidel  Castro organizados do Foro de São Paulo);
2) nas ONG´s;
3) nas escolas e Universidades;
4) nos  meios  de  comunicação;
5) nas manifestações  artísticas;
6) nos movimentos  sociais (ambientalistas, movimento  negro,  LGBT,  MST,  etc..).
Nas palavras de Coutinho “os movimentos alternativos e de minorias são estimulados  ou  mesmo  criados  pelas  organizações  de  esquerda  revolucionária  como componente  auxiliar  da  luta  de  classes  (aprofundamento  das  contradições  internas)  e como  elemento  ativo  da  ‘desconstrução’  da  família  tradicional  e  dos  valores  da civilização ocidental cristã”. 
No plano internacional, além do apoio das ONGs, se valeriam da própria Organização das Nações Unidas (ONU) para favorecer regimes nacionais de esquerda e movimentos revolucionários em países do Terceiro Mundo.
É em cima dessa barafunda teórica que o movimento alt-right, e seus sucedâneos tupiniquins, conseguem transmudar movimentos pacíficos, de defesa dos direitos humanos, em ameaças revolucionárias que precisam ser combatidas no plano cultural e com repressão política.

Peça 4 – o Estado como expressão do socialismo

A visão do Estado como um instrumento de opressão – e de fortalecimento do socialismo – vem dos tempos do New Deal. Para o general Coutinho, o Estado de Bem Estar, implementado pela social-democracia, seria uma forma de sociedade socialista.
Segundo Costa Pinto, trata-se de uma adaptação da visão da extrema direita americana sobre os “pequenos governos”. A diferença é que a visão da alt-right americana é da globalização, enquanto a dos Bolsonaro é da defesa da globalização e da abertura comercial.

Peça 5 – Coutinho e o pensamento militar

Costa Pinto vai buscar em entrevistas atuais de militares brasileiros, os indícios da influência do general Coutinho.
Do General Villas Boas
“Nós vivemos um fenômeno no Brasil e também no mundo que é o advento do pensamento do politicamente correto  […]  O  que  está  acontecendo  é  que  ele  [o  politicamente  correto]  está  tão impregnado  na  nossa  sociedade,  ele  está  fazendo  com  que  todos  pensem  da  mesma maneira. […]. O pensamento politicamente correto se ideologiza e quando as questões são ideologizadas elas perdem a visão de resultado […]. Então quando mais temos de ambientalismo  mais  dano  ambiental;  […]  quanto  mais  essa  preocupação  racial  mais preconceito  temos […].  Quanto  mais  essa  questão  de  gênero  mais  preconceito homofóbico  vivemos  […]  E  mais  essa  quase  ditadura  do  relativismo  que  nós  estamos experimentando faz com se flexibilize todos os limites”. “
Do General da Reserva Luiz Eduardo Paiva
“Uma coisa é o  Haddad  aqui  em  cima  ou  o  Lula  aqui  em  cima,  mas  quem  dá  a  linha  ideológica perigosíssima do PT está aqui em baixo. É o Zé Dirceu, era o Marco Aurélio Garcia, é o Pomar.  Porque  eles  estão  implementando  no  país  uma  revolução  silenciosa  que  é  a revolução Gramscista, ocupando espaço, mobiliando todo o estado[…]”.  “
Do General Augusto Heleno, atual Ministro do Gabinete de Segurança Institucional:
“Nós beiramos [o socialismo], até tentamos com o Foro de São Paulo, alguns partidos que defendiam as teses socialistas […] Nós estivemos bem próximo disso acontecer, só que faziam uma máscara para fingir que não era, mas o caminho procurado era esse. Tanto é assim que as novas referências durante algum tempo foram Cuba e foram a própria Venezuela […]”.
“(…) Da Intentona de 1935, passando pela luta armada de 1960, até os governos de FHC e do PT, os comunistas e socialistas continuam como o mesmo objetivo: “realizar a revolução socialista”. ”

Peça 6 – o projeto de Nação

Desse modo, segundo Costa Pinto, o projeto de Nação vislumbrado por setores amplos das Forças Armadas seria pela via dos costumes, da tradição, da identidade, sob ataque comunista. Mas “no plano econômico, a identidade  e  a  nacionalidade  seriam  realizadas  pelo  mercado,  sobretudo pelos capitais estrangeiros (de preferência norte-americanos) que supostamente trariam a modernidade para o país. Seremos altivos na identidade cultural, mas subalternos no plano econômico.”
No Portal Feb, um dos muitos blogs de militares, o trabalho de Coutinho é equiparado ao de um missionário “que dedica sua vida ao resgate de almas e nações, é porque sua vocação pode levá-lo a pregar como um religioso ou discursar como um filósofo. Mas os poucos que lhes escutam e estudam suas recomendações chegarão à conclusão de que só se salva uma nação quando se estabelece no homem a consciência de sua alma e sua vinculação com o Criador. A construção de uma sociedade sadia está fundamentada na reconciliação do homem com Deus”.
No Ternuma – que junta ex-militares defensores da ação dos porões na ditadura – há os movimentos de aproximação com os blogs de ultradireita que surgiram na época.
“Aproximei-me, então, ainda mais do Gen Coutinho, até porque fiquei responsável por remeter ao Reinado Azevedo um exemplar do livro 'A Revolução Gramscista no Ocidente'. A história da maneira pela qual o General decidiu estudar Gramsci, na idade em que muitos de nós mal tem paciência para ler o jornal, dá um pouco da dimensão deste homem”.
A única dúvida que o trabalho deixa é sobre a real abrangência desse pensamento junto aos estamentos militares. Com exceção do General Villas Boas, as declarações são de militares da reserva e as posições são de Clubes Militares.
Pode ser que o autor tenha superdimensionado a influência dos militares de pijama.

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