quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

SOBRE AS DEZ MEDIDAS ANTICORRUPÇÃO E A SUPREMACIA DA CARTA MAGNA


Não há avanço democrático com assalto aos direitos e garantias
Por Leonardo Isaac Yarochewsky
O procurador-geral da República (PGR) em artigo publicado na Folha (ante)ontem, 28, intitulado “A busca pelo avanço democrático” (Tendências/Debates) defende a aprovação do projeto de lei nº 4.850/2016, que institui as chamadas “dez medidas contra a corrupção”. De acordo com o chefe do Ministério Público, o projeto “é fruto de uma longa e bem-sucedida iniciativa que angariou amplo apoio popular, já que mais de 2 milhões de brasileiros o subscreveram”.

Nada mais enganoso do que a afirmação do PGR:
i) 2 milhões de brasileiros não representam nem 5% dos cerca de 54 milhões de votos que a ex-presidenta da República Dilma Rousseff – afastada com o aval do PGR e do STF – obteve na última eleição;
ii) desses 2 milhões de brasileiros a maioria não sabe exatamente o que assinou e nem o exato teor das medidas sob o pálio de “combate a corrupção”;
iii) é sabido que muitos que subscreveram as famigeradas medidas foram ludibriados e até mesmo pressionados pelos idealizadores das “dez medidas”.
Não resta dúvida que qualquer pessoa com um mínimo de faculdade mental quando indagada se é favorável ao combate à corrupção vai responder positivamente. Em tempos sombrios, de populismo penal, do processo penal do espetáculo e de autoritarismo é preciso, primeiro, que se esclareça o verdadeiro conteúdo das medidas inicialmente propostas pelos procuradores da República da força tarefa da “Lava Jato”. Em segundo lugar, que se diga claramente com todas as letras que as “dez medidas contra a corrupção” representam acima de tudo medidas que violam e cerceiam direitos e garantias fundamentais.
Não é demais salientar que o direito penal e processual penal de garantias é inerente ao Estado de direito uma vez que as garantias penais e processuais penais constituem, no dizer sempre lúcido de Raúl Zaffaroni, “a essência da cápsula que encerra o Estado de polícia, ou seja, são o próprio Estado de direito”. Referindo-se ao que denomina “autoritarismo cool” na Argentina – mutatis mutandis se aplica em relação as dez medidas no Brasil – Zaffaroni assevera que “os políticos preferem apoiar-se no aparato  autista e sancionar leis penais e processuais autoritárias violadoras de princípios e garantias constitucionais, prever penas desproporcionais ou que não podem ser cumpridas (por) excederem a duração da vida humana, reiterar tipificações e agravantes em tramas nebulosas, sancionar atos preparatórios, desarticular os códigos penais, sancionar leis inexplicáveis obedecendo a pressões estrangeiras – vide nossa lei sobre terrorismo – , ceder às burocracias internacionais que visam mostrar eficácia, introduzir instituições inquisitoriais, regular a prisão preventiva como pena e, definitivamente, constranger os tribunais mediante a moderna legislação penal cool, sem contar muitos outros folclorismos penais, como pretender condenar, por favorecimento, parentes de vítimas de sequestro que não denunciem ou que paguem o resgate exigido”.
Não é despiciendo (desnecessário, dispensável) recordar, diante das diversas propostas de combate à corrupção, que a ditadura militar que se instalou no Brasil após derrubar o Governo João Goulart, em março de 1964, também tinha como pretexto, além de combater o comunismo, combater a corrupção.
No Estado de direito é inadmissível, intolerável e inaceitável flexibilizar direitos e garantias individuais em nome do combate deste ou daquele delito. A investigação, a acusação e o julgamento devem ser orientados pelos princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, do juiz imparcial, da proibição de prova ilícita, da proporcionalidade etc.
Por fim, ao contrário do que faz crer o procurador-geral da República, não há avanço democrático com assalto aos direitos e garantias fundamentais assegurados na Constituição da República e como corolário do Estado democrático de direito.

(Fonte: Site jurídico Justificando - aqui).
(Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Doutor em Ciências Penais pela UFMG).

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Enquanto isso...


Procuradores ameaçam abandonar a Lava Jato se pacote anticorrupção virar lei

Os procuradores que funcionam como símbolo da Lava Jato convocaram a imprensa, nesta quarta (30), para ameaçar abandonar coletivamente a operação caso as medidas anticorrupção aprovadas pela Câmara sejam ratificadas no Senado e sancionadas pelo presidente Michel Temer.
Ontem, a Câmara aprovou o pacote apresentado pelo Ministério Público Federal com uma série de mudanças que desconfiguraram a proposta original. A medida que mais confrontou a Lava Jato foi a penalização para juízes e membros do MP que cometam crime de responsabilidade.
Caberá multa e prisão por dois a seis anos para quem, seja magistrado ou procurador, comentar na imprensa casos em andamento ou decidir instaurar um inquérito sem o mínimo de indicação de crime.
Segundo informações de O Globo, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima disse que a ideia dos núcleos da Lava Jato espalhados pelo País é "renunciar coletivamente” à operação" se essa medida sair do papel.
"Fica claro com a aprovação desta lei que a continuidade de qualquer investigação sobre poderosos, sobre parlamentares, sobre políticos, cria riscos pessoal para os procuradores. Nesse sentido, nossa proposta é de renunciar coletivamente caso essa proposta seja sancionada pelo presidente", disse Carlos Fernando.
Deltan Dallagnol, coordenador do grupo de Curitiba, já havia dito que a Câmara aprovou a "lei da intimidação contra grandes investigações". Ele também classificou o texto como “um ataque”, o "golpe mais forte deferido contra a Lava-Jato em toda a sua história”.
"Nós vamos simplesmente retornar para nossas atividades habituais porque muito mais valerá a pena fazer um parecer em previdenciário do que se arriscar investigando poderosos", afirmou o procurador.
A Associação Nacional dos Procuradores da República enviou nota à imprensa repudiando o pacote aprovado pela Câmara. O informe diz que os deputados tomaram uma decisão desconectada do anseio popular, além de atender aos interesses dos poderosos que querem tolher a independência do MP e do Judiciário. (Para continuar, clique AQUI).
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Os senhores procuradores estão convictos de que conquistaram o direito supremo de pairar sobre tudo, erga omnes, coisa que, aliás, se vem constatando há um bom tempo. Ocorre que todos os cidadãos são iguais perante a lei, e a Constituição, a despeito do desprezo de muitos, é a Lei Maior, para a qual todos, inclusive os Fiscais da Lei, devem se curvar. Logo, leis velhas ou novas, desde que aprovadas com observância dos preceitos constitucionais, têm de ser obedecidas, mesmo que a contragosto. E que fique claro: Não há que se falar em comprometimento da 'independência' desse ou daquele poder, uma vez que a Constituição não estabelece diferenciação entre os poderes da República. 

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