quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

ROBERTO CARLOS DE TODOS OS FINAIS DE ANO


O Rei Roberto Carlos e eu: uma relação traumática

Por Luiz Antonio Simas

Bom, eu não vi a entrevista do Jô Soares com o Roberto Carlos. Admito: não gosto de Roberto Carlos e nem do Roberto Carlos. Faz parte. Sim; já tentei gostar. Escutei, conheço muita música, mas acho rigorosamente detestável. Faz parte (peço encarecidamente que evitem tentar me fazer gostar do rei. Acho uma bela de uma bomba).
Dito isso, quero admitir que essa minha aversão vem da infância e a culpa provavelmente é do programa natalino do rei, exibido na Globo desde os primórdios da televisão no patropi. Para que as amizades entendam o que afirmo, e deem um desconto, reproduzo um texto que escrevi, lá pelos idos de 2007, sobre um trauma que me acompanha.
O especial do Roberto me exaspera. Em todos os programas - rigorosamente todos - Roberto Carlos é surpreendido pela participação especial do parceiro Erasmo Carlos. A cena é a seguinte: a orquestra começa a tocar a introdução da música Amigo. Quando o rei inicia a canção, Erasmo entra sorrateiro pelo fundo do palco. Comovido com a inesperada aparição, Roberto chora.
Isso vem acontecendo praticamente desde Pedro Álvares Cabral - e ainda assim é uma surpresa para o rei. Pois bem, a minha falecida Tia Lita também era - todos os anos - surpreendida pela entrada do Erasmo e, emocionada, dava chilique, passava mal e ameaçava empacotar. Era ver a cena e cair em prantos:
- Ai, meu Deus, o Erasmo foi. Ai, eu não aguento. Eles estavam brigados. Fizeram as pazes. Eu vou morrer. Ano que vem não estou mais aqui com vocês (todas as velhas da família, aliás, costumavam anunciar no Natal a própria morte. No ano seguinte a coisa se repetia).
O fato é que resolvi em certa ocasião, numa daquelas cismas de garoto, impedir de todas as maneiras que o espetáculo dramático da minha queridíssima tia se repetisse no próximo especial do Roberto. Bolei uma estratégia muito simples: comecei desde agosto a falar pra velha que o Erasmo era presença certa no Natal do parceiro.
No dia do programa espalhei uns cartazes pela casa com uma frase curta e grossa: o Erasmo vai! Na hora em que a coisa ia começar, falei pra tia que o Erasmo já estava no estúdio, preparado para cantar com o rei. Não tinha como falhar.
Falhou.
Aconteceu o seguinte. Na hora em que a orquestra atacou a introdução de Amigo - pápara pápara pápara - a velha virou-se para mim e, sinceramente comovida, disse:
- Lula (apelido de infância), obrigado por querer me deixar feliz contando uma mentirinha boba. Eu sei que o Erasmo e o Roberto estão brigados e não se falam mais. Li na Amiga do mês passado.
Meu avô, que não tinha a menor paciência pro rei nem pros piripaques da cunhada, falou na hora:
- Já deixei um copo de água com açúcar na mesa da cozinha. Quando ela der chilique, é só pegar.
Foi tiro e queda. No que o Roberto começou a cantar o você meu amigo de fé, ainda joguei a última cartada:
- Tia, o Erasmo vai entrar pelo fundo do palco.
- Que é isso, garoto. Hoje ele não vai, não. Eles estão bri... ai, meu Deus. Não é possível. Erasmo!
E a cena - inédita e surpreendente - se repetia pela décima vez.
Tenho até hoje, acreditem, a firme desconfiança de que não gosto muito de dezembro em virtude daqueles melodramas provocados pelo encontro dos parceiros da Jovem Guarda e das ameaças de infartos da minha tia. Nunca superei o troço.
A coisa é tão feia que termino essas mal traçadas fazendo uma revelação forte, daquelas que só pretendia relatar depois de morto, numa carta psicografada por um médium de mesa espírita.
Recentemente tive um pesadelo natalino. Sonhei, vejam só, que estava na gravação do especial do Roberto, na primeira fila do auditório. Quando o rei começou a cantar Amigo, me levantei e gritei feito doido: o Erasmo vai aparecer! Ninguém no teatro me escutou.
Subitamente adentrou o palco, com a roupa, os medalhões e as pulseiras de pregos do Tremendão, a minha tia. Mortinha da silva, com algodões nas narinas e o escambau. Acordei aos berros, tremendo feito vara verde. Nunca durmo tranquilo no mês de dezembro e não assisto aos especiais do Roberto desde o século passado. (Fonte: aqui).

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Pois eu, curtidor de música em geral e da Jovem Guarda em particular, acompanho, ano a ano, os especiais de fim de ano do Roberto. Vi - no Youtube - e gostei da entrevista no Jô, e de quando em vez dou uma olhada no Splish Splash, "portal luso-brasileiro de âmbito generalista, dedicado à Lusofonia e ao artista Roberto Carlos e seus fãs no mundo".

Notas

1. Ao longo dos anos, houve especiais - pouquíssimos - em que o Tremendão não apareceu;

2. Roberto recebeu, via rádio, grande influência dos bambas do romantismo brasileiro dos anos 50/60 - Anísio Silva, Orlando Dias -, de astros latinos, de monstros sagrados da Bossa Nova e arredores, dos cantores norte-americanos classe média das ingênuas baladas de rock dos EUA, de monstros sagrados da Bossa Nova e arredores, tentou imitar João Gilberto, 'radicalizou' seu estilo a partir da explosão do iê iê iê, cantou versões diversas, compôs preciosidades (com o parceiro Erasmo) e, é verdade, estacionou. Mas o acervo se garante, e ele se mantém cada vez mais afinado. Além de ser um baita profissional.

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