domingo, 11 de dezembro de 2016

CINEMARDEN VAI AOS TRIBUNAIS


CINEMARDEN VAI AOS TRIBUNAIS: Um Guia de Filmes Jurídicos e Políticos

Por Eneida Desiree Salgado

Filmes "de tribunal" sempre me encantaram. Devo ter visto Testemunha de Acusação umas cem vezes. Agatha Christie + Billy Wilder + Marlene Dietrich em um drama cheio de reviravoltas e estratagemas jurídicos foram alguns dos ingredientes que me fizeram cair de amores pelo Direito. 12 Homens e Uma Sentença tornou a paixão avassaladora. Era aquilo, aquela argumentação, aquele raciocínio que eu queria pro meu cotidiano, era o que eu me via fazendo para o resto da vida. Claro, uma certa decepção tomou conta de mim quando eu descobri que o júri brasileiro não funcionava daquele jeito e que o processo não se resolve apenas pela argumentação.

Aliás, os filmes estadunidenses de tribunais (assim como as séries que flertam com o Direito) criam uma expectativa frustrada sobre o funcionamento da Justiça brasileira. Não é raro ouvir um estudante, em um julgamento simulado antes de entrar na faculdade de Direito, gritando "Protesto" ante um depoimento. Isso chega a atingir os brilhantes autores brasileiros de telenovelas que por vezes retratam julgamentos realizados no Brasil com a liturgia dos Estados Unidos. Coisas de hegemonia cultural, paciência! Além disso, os julgamentos por júri são muito mais interessantes do ponto de vista narrativo do que os advogados "falando nos autos" e o juiz decidindo por escrito. A prática judiciária brasileira se assemelha mais a O Processo de Kafka, com sua irracionalidade e imprevisibilidade. A leitura cinematográfica dessa obra clássica feita por Orson Welles é fascinante e mostra os labirintos do sistema de justiça e sua incompreensibilidade.

Com seu impressionante conhecimento sobre cinema e seu cativante jeito de escrever, Marden Machado reúne 420 filmes que levam, de uma maneira ou de outra, o Direito ao cinema. Seus comentários trazem títulos com marcantes discussões jurídicas como Amistad e O Povo Contra Larry Flynt. No primeiro, um navio aporta nos Estados Unidos e os escravos são acusados de assassinato da tripulação. O reino espanhol, no entanto, reivindica o navio e os escravos, como bens de sua propriedade e, na primeira metade do século XIX nos Estados Unidos sacudidos por debates entre o norte liberal e o sul escravocrata, coloca-se a questão se os negros seriam pessoas ou coisas. A liberdade de expressão é o tema de O Povo Contra Larry Flynt. O ponto central dos debates jurídicos e filosóficos é o alcance desta liberdade, que se reveste de caráter quase absoluto nos Estados Unidos a partir da incorporação da primeira emenda à Constituição (é só lembrar da decisão da Suprema Corte quanto ao financiamento da política como manifestação da liberdade de expressão e, portanto, refratária à limitação por lei, tomada no caso Citizen United vs, Federal Election Commision).

Outros filmes são concentrados em julgamentos como O Sol é Para Todos, As Bruxas de Salém, O Caso dos Irmãos Naves, O Veredicto, e Questão de Honra (e a inesquecível fala "You can't handle the truth!" do Coronel Nathan R. Jessep interpretado por Jack Nicholson). Um especialmente marcante para mim é Em Nome do Pai, que demonstra como a guerra ao terrorismo é capaz de sacrificar inocentes para dar conta da opinião pública. O filme é de 1993, mas a discussão é atual no mundo todo. Infelizmente, cada vez mais atual. Ainda nesta categoria, claro, The Wall, a ópera rock fabulosa do Pink Floyd que culmina no julgamento de Pink em um tribunal formado por seus algozes.

Vale ainda olhar com especial atenção Julgamento em Nuremberg, com a história do controvertido julgamento de juízes colaboradores do nazismo. No filme Hannah Arendt surge o julgamento de Eichmann, bastante criticado pela filósofa. O Homem Que Não Vendeu Sua Alma conta a história de Thomas Morus, aquele d'A Utopia, e de seu conflito com o rei Henrique VIII. Também assista Justiça, Juízo, Notícias de Uma Guerra Particular e (por que não?), O Homem da Capa Preta, Estômago e Tropa de Elite, para se chocar com a realidade brasileira e a importância (ou desídia) do Direito.

Ainda teria muito o que dizer sobre alguns de meus filmes favoritos, que você vai encontrar neste livro. Leia o comentário do Marden e corra a assistir (se já viu, veja de novo e de novo e de novo) Ricardo Darin - o argentino que todos adoramos amar - em O Segredo de Seus olhos, Tese Sobre um Homicídio, O Filho da Noiva... E não perca Hurricane: O Furacão, O Quarto Poder, JFK - A Pergunta Que Não Quer Calar, Sin City: A Cidade do Pecado, Os Últimos Passos de Um Homem, Morango e Chocolate, O Dia Em Que Meus Pais Saíram de Férias, Queime Depois de Ler, O Senhor das Armas, Germinal e tantos, tantos outros.

Enfim, leia o livro, escolha um método e elabore um planejamento para assistir todos os 420 filmes. Ver o Direito nas lentes do cinema tornou-se mais fácil com o Marden servindo de bússola. Bom divertimento e boas reflexões.

[Eneida Desiree Salgado é doutora em Direito e professora na UFPR. O texto acima é o prefácio de Cinemarden Vai Aos Tribunais].
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Convém lembrar que além das abordagens sobre 420 filmes, Cinemarden Vai Aos Tribunais: Um Guia de Filmes Jurídicos e Políticos agrega 30 séries de TV que cuidam do mesmo assunto, perfazendo um total de 450 títulos.

Trata-se do terceiro livro de Marden, cuja trajetória temos a satisfação de acompanhar desde a época em que ele, "pós-adolescente", fã dos quadrinhos de Frank Miller e encantado com a arte cinematográfica de George Lucas e Steven Spielberg, nos 'doutrinava' sobre a nova vertente. Mas, o fascínio do autor pelo cinema vem de bem antes: clique AQUI para ver o relato do próprio Marden sobre isso. 

Marden Machado é também titular do blog CINEMARDEN.

Cinemarden Vai Aos Tribunais atende plenamente à expectativa manifestada pelo autor, por representar abrangente e rico instrumento de pesquisa para acadêmicos, profissionais das áreas jurídica e política, e amantes em geral da sétima arte. 


CINEMARDEN VAI AOS TRIBUNAIS: Um Guia de Filmes Jurídicos e Políticos

Marden Machado

Arte & Letra Editora - 2016  -  460 p.

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