terça-feira, 29 de março de 2016

O GOLPE REINVENTADO E A GENIALIDADE BRASILEIRA


A reinvenção do golpe

Por Mino Carta, na Carta Capital

Cogita-se de um gênero inédito, judiciário-policial-midiático, mas os mandatários são sempre os mesmos
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Ensaia-se um novo, inédito modelo de golpe de Estado e os impávidos inovadores mostram a cara. De Sergio Moro e Gilmar Mendes a José Serra e Fernando Henrique Cardoso. Da Globo, jornalões e revistões a Eduardo Cunha. Da facção peemedebista em busca da rasteira mais eficaz nos aliados a risco ao vice-presidente Michel Temer, que já conta as favas e monta o futuro governo.
O golpe de Estado não é incomum na história brasileira. De um golpe nasceu a República. Uns não passaram do ensaio, outros deram certo. Depois do suicídio de Getúlio Vargas, houve duas tentativas fracassadas antes de 1964, e por este pagamos até hoje. A rigor, houve golpe inclusive na posse de José Sarney, o vice que foi para o trono antes que o falecido titular o ocupasse. No caso, pode-se falar em usurpação.
A origem é sempre a mesma, a casa-grande ainda de pé, o nosso establishment medieval, exemplar único no mundo contemporâneo que se apresenta como civilizado e democrático. Não cabe rotular os mandantes à luz das ideologias tradicionais, dizê-los de direita, conservadores, reacionários não exprime sua autêntica natureza. Agem como se fossem investidos pelo direito divino, embora se dignem a formular elevadas motivações para justificar sua prepotência, até anteontem amparada na convocação dos militares para executar o serviço sujo. Outrora chamavam os jagunços. O tanque, contudo, é mais moderno e impõe maior respeito.
O golpe de 64 foi desfechado para salvar a democracia e resolver a crise econômica. Agora um golpe judicial-policial-midiático sem tanques na rua arvora-se a salvar o País da praga petista e, como então, resolver a crise econômica. Trata-se de eliminar o estorvo eleitoral para atender à pesquisa de opinião que aponta o desfavor popular em relação ao governo, e talvez fosse do interesse do mundo curvar-se diante de mais uma fórmula criada pela genialidade brasileira. Com isso, igual a 64, vai a pique é a democracia. Nas barbas da lei, derruba-se Dilma, prende-se Lula e o PT soçobra natural e automaticamente.
Em lugar dos soldados, entram em cena agentes da polícia. Uma Justiça politizada e um Legislativo guiado na sagrada missão do impeachment por um notório corrupto acuam o Executivo ao sabor de uma enxurrada de acusações a serem provadas, veiculadas com o estardalhaço de declarações de guerra pela mídia do pensamento único. Em benefício da trama, de Curitiba um juiz de primeira instância cuida de ameaçar de prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao alegar razões absolutamente inconsistentes.
Neste caldo de cultura move-se a urdidura golpista, amparada em pesquisas destinadas a demonstrar a imaturidade de uma classe média (média até hoje não entendo por quê) ignorante, vulgar e arrogante, e de quantos, sonhadores de ascensão social, acreditam em uma encenação midiática nutrida de invencionices e mentiras, empenhada em transformar suposições em verdade factual. Como sempre, a casa-grande aposta na resignação da senzala. (...).  (Para continuar, clique AQUI).
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Enquanto isso, tenta-se desmoralizar o "Não Vai Ter Golpe". Articulistas, editorialistas, políticos aliados do golpe, OAB e até ministros do Supremo se apressam em questionar, na tela da pressurosa Globo: "Não vai ter golpe? Que história é essa?! O impeachment é mecanismo expressamente previsto na Constituição Federal! Golpe? Onde?!"
Os que são contrários ao golpe precisaríamos ser rematados imbecis para alegar que "Não vai ter golpe, uma vez que o impeachment não está previsto na Constituição Federal". 
Convém repetir: Seria preciso que fôssemos imbecis a ponto de não nos termos dado conta de que o impeachment está expressamente previsto na Constituição Federal!
Acontece que a Lei 1079/50, que a Constituição Federal elege como guia do impeachment, exige que o pedido de impedimento tenha como base um comprovado crime de responsabilidade praticado pelo presidente da República. Uma vez que tal exigência não resulte atendida, eventual impeachment só merece um epíteto: Golpe.
O ato praticado pelo presidente tem de estar comprovado, não pode ser, por exemplo, mera alusão a item constante de delação premiada (delação é o que é: delação; se a 'acusação' não restar provada, nada feito; e a delação não pode ser, ela própria, prova de si mesma) ou a inferência formada a partir de gravação telefônica ilegalmente interceptada e criminosamente divulgada. A OAB, inescrupulosamente, incorreu em ambos os deslizes ao listar os motivos a seu ver embasadores de sua ânsia pelos holofotes, quero dizer, do pedido formulado.
Quanto às pedaladas, como classificar de crime de responsabilidade artifício administrativo-contábil usualmente utilizado por governos federais passados e estaduais no passado e presentemente, sem que tal prática tenha sido julgada bastante para configurar crime de responsabilidade, ou será que passaria a ser, para a presidente da República, e só para ela?
A persistirem os moldes até agora vistos, o Não Vai Ter Golpe, tentem ou não os adeptos do golpe vender gato por lebre, é perfeitamente cabível: estamos, efetivamente, diante de tentativa de golpe. A tentativa pode prosperar, claro, mas persistirá a nódoa.

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