sábado, 24 de outubro de 2015

UMA LEITURA SOBRE A PONTE DE ESPIÕES


Ponte de Espiões e os espinhos da história

Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Desde que mergulharam numa “bad trip” econômica em 2008, os norte-americanos começaram a usar sua própria história como tema cinematográfico. A lista de filmes que se encaixam neste perfil é grande, por isto vou citar apenas alguns: Argo (2012), Lincoln (2012), Caça aos Gangsteres (2013), W. (2008), Sniper Americano (2014), Grande demais para quebrar (2011), O Grande Herói (2013), Inimigos Públicos (2009), J. Edgar (2011), Walt nos bastidores de Mary Poppins (2013), Frost/Nixon (2008)  etc... Ponte dos Espiões (2015) é a mais nova super-produção deste gênero.
Liberdade é uma palavra muito cara aos norte-americanos. Eles elevaram a liberdade a princípio fundador dos EUA (land of the free – como diz quatro vezes o hino nacional daquele país) e sempre a colocam em destaque quando querem fazer algo dentro e fora do país. Mas os norte-americanos não são livres o suficiente para punir os banqueiros que quebraram a economia do seu país (como ocorreu na Islândia), nem audaciosos para começar a desmantelar os fundamentos do neoliberalismo (como tem ocorrido no Brasil e em outros países).
Refletindo sobre liberdade e política, Hannah Arendt disse certa vez que:
“...a manifestação de princípios somente se dá através da ação, e eles se manifestam no mundo enquanto dura a ação e não mais. Tais princípios são a honra ou a glória, o amor à igualdade que Montesquieu chamou de virtude, ou a distinção, ou ainda a excelência – o grego aéi aristeúein (‘ambicionar fazer sempre o melhor que puder e ser o melhor de todos’), mas também o medo, a desconfiança ou o ódio. A liberdade ou seu contrário surgem no mundo sempre que tais princípios são atualizados; o surgimento da liberdade assim como a manifestação de princípios coincide sempre com o ato em realização. Os homens são livres – diferentemente de possuírem o dom da liberdade -  enquanto agem, nem antes, nem depois; pois ser livre e agir são uma mesma coisa.” (Entre o Passado e o Futuro, Hannah Arendt, Perspectiva, 6ª edição, São Paulo, 2009, p. 199).
A liberdade não é um valor abstrato, nem uma coisa tangível. Ela não existe como um princípio e só se manifesta na medida em que os homens agem de maneira livre. Por isto, só é dotada de liberdade a nação capaz de "iniciar algo novo" demonstrando autoconfiança e se libertando do passado. Toda nação que se tornou prisioneira de uma dinâmica econômica ou militar rapidamente envelhece e morre. Antes disto, porém, sua elite geralmente começa a glorificar o passado para tentar preservar os fundamentos do presente.
O gênero cinematográfico mencionado no início proporciona uma reflexão interessante. Se por um lado os filmes citados podem reforçar a coesão social nos EUA, por outro demonstra a fragilidade de uma nação que perdeu sua crença no futuro e precisa se apegar desesperadamente ao passado para seguir existindo e se recusando a agir contra os banqueiros. Dezenas de filmes históricos estão sendo produzidos exatamente no momento em que o declínio econômico e imperial dos EUA se tornou uma “verdade factual” reconhecida até dentro daquele país.
Nesse sentido, podemos dizer que o filme Ponte de Espiões é uma prova da decadência norte-americana. A queda do Império Romano foi lenta e dolorosa. A queda do Império Nazista foi rápida e explosiva. A queda do Império Soviético foi tristonha e embriagada. A julgar pelo esforço cinematográfico, a queda do Império Norte-Americano será diferente. Hollywood está, enfim, nos ensinando que não basta um império cair. É preciso que ele caia com glamour, som THX e imagens coloridas filmadas em 3D. (Fonte: aqui).

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Sem dúvida, há, nos EUA, o domínio absoluto do 1%, a desigualdade acachapante, o racismo, o esgarçamento social, mas... e o resto do mundo, qual a situação e perspectivas do resto do mundo? Como anda o escorchante modelo neoliberal? Quem controla a seu bel prazer as cotações básicas do comércio mundial? Quem mexe os pauzinhos no universo virtual? Qual a 'pátria' dos donos dos grandes conglomerados financeiros, que pairam sobre os Estados do mundo e que são "grandes demais para quebrar"? Quem detém as chaves do complexo militar-industrial?

É certo que o crítico literário, poeta e jornalista inglês Samuel Johnson (1709-1784) costumava dizer que "o patriotismo é o último refúgio do canalha", mas a fixação do cinema norte-americano na exaltação (explícita ou subliminar) de sua imagem e de seus feitos poderia ser explicada não como indicativo da "queda iminente do império", mas decorrência de seu exacerbado e secular egocentrismo. Afinal, na história do Cinema, as épicas e autolouvatórias produções norte-americanas vêm pontificando desde os primórdios.  

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