domingo, 16 de agosto de 2015

UM POUCO DE HISTÓRIA: UMA VISÃO SOBRE O MORALISMO


Os equívocos do moralismo na política

Por André Araújo

Quando o Exército americano invadiu o Iraque em 2003, os objetivos eram "limpar" o país da ditadura de Saddam Hussein e criar um novo Iraque. Para tanto, dissolveram a Guarda Republicana, um corpo de elite do Exército Iraquiano, com um efetivo de 75.000 homens divididos em dois corpos, e tentaram reformar o Exército regular do Iraque, com efetivos regulares de 800.000 homens. Os americanos dissolveram a Guarda Republicana e os comandos do Exército regular, tentando criar um novo exército sob padrões americanos, entregando a tarefa a uma empresa particular, a Vinnel Corporation.

No substrato do projeto estava a ideia de que todos os antigos comandos eram fanáticos fiéis a Saddam e eram portanto inconfiáveis. Foi um grande erro. Os comandantes da Guarda Republicana, Tenentes Generais Majid Al Dulaymi e Raad Al Hamdani,  poderiam ser os melhores aliados dos EUA, bem como o comando do Exército regular (General Talib Al Lahibi), todos oficiais profissionais que temiam Saddam, mas não tinham nenhum amor especial a ele.

Todos temiam Saddam e estavam fartos dele, até seus dois genros tentaram derrubar Saddam (e foram executados). O regime se mantinha pelo terror e os EUA foram acolhidos como libertadores. Invés disso, pelo espírito salvacionista que veio junto com a invasão, dissolveram as colunas mestras do poder no Iraque, a Guarda e o Exército, criando um caos que terminou agora com a insurgência do ISIS, o Estado Islâmico, formado na sua espinha dorsal por ex-militares iraquianos. O moralismo é inimigo frontal da Realpolitik, a política do possível, sem princípios e com a visão da realidade, fazendo o que é possível fazer com os pés no chão e não tentando salvar o mundo.

A má política americana no Iraque gerou um desgoverno que continua até hoje; os EUA despejaram no conflito do Iraque US$3 trilhões e continuam gastando US$50 bilhões por ano com essa custosa aventura pastoral.

Ao contrário dos ingleses, que governaram a Índia por dois séculos com pequenas forças militares mas fazendo acordos com os marajás e rajás, os Americanos querem purificar o mundo e não sabem operar dentro do mundo tal qual ele é, com seus defeitos, vícios, desequilíbrios e realidades, fruto da História.

Esses erros não cometeram na Alemanha ocupada após a Segunda Guerra, porque os homens então eram líderes de intelecto superior, acima do padrão principista, que é o usual nos EUA. O General Marshall era um indivíduo de intelecto especial e soube estabelecer os padrões da ocupação usando inclusive ex-nazistas para gerir a Alemanha, culminando com um General da Wehrmacht (Hans Spiedel) como Comandante da OTAN em 1954, o mesmo general alemão que comandou a ocupação nazista da França em 1941. Spiedel não era nazista, mas era um general do Terceiro Reich; foi uma proeza dos Aliados usarem o mesmo homem para o comando das forças terrestres da NATO dez anos depois dele ser o Comandante alemão de Paris.

O fundador da Realpolitik europeia, o Príncipe de Metternich, não usou critérios principistas ao se aliar no Congresso de Viena com seu antípoda, o ex-Chanceler de Napoleão, o grande inimigo das potências que Metternich representava: seu melhor companheiro de Congresso foi o inimigo de véspera, o ultra corrupto Príncipe de Talleyrand, o mesmo que negociou a independência da Polônia por 4 milhões de francos-ouro (depois devolveu porque não conseguiu fazer).

A tentativa de introdução do moralismo udenista na politica brasileira em 1954 custou a vida do Presidente Getúlio Vargas, mas o moralismo típico da UDN foi afastado por Juscelino, que governou com as mesmas forças do getulismo, considerado corrupto, que vinha da aliança PSD-PTB. JK afastou a UDN de um poder que esta considerava já seu e fez o Brasil crescer 50 anos em 5, acusado do primeiro ao último dia de corrupto ("a 7ª fortuna do mundo", diziam), a calúnia usual; dona Sarah teve que vender quadros de seu apartamento para sobreviver.

O moralismo não descansa; grupos com essa visão de mundo, que querem uma política asséptica e à prova de bactérias sempre existiram, eles simplesmente destroem a política na tentativa de reformar o mundo e causam imensos prejuízos ao País. Em circunstâncias especiais eles conseguem por vezes um poder anormal, causam o máximo de danos, para depois desaparecer no limbo da História; a política é sempre um jogo nada limpo em qualquer lugar do planeta, é da essência da política, até na política do Vaticano o jogo não é para sacristãos de novela.

O moralismo é inimigo do realismo em política e todo aquele que tenta fugir da realidade acaba trombando com ela em determinado ponto da curva mas, no caminho, causa imensos danos aos infiéis, todos nós, que não rezamos essa missa de fanáticos de uma seita perigosa. (Fonte: aqui).

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Nem tanto ao mar, nem tanto à terra: nem o moralismo míope e exacerbado, nem o 'laissez faire'. Afinal, como diz o velho ditado português: tudo o que é demais, é demasiado.

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