Médica Ana Costa, autora do texto abaixo.
É o povo que, pressionando, pode mudar a saúde pública no Brasil
O país, os governos e a classe política foram desnudados pelo povo nas ruas, que denunciou as precárias políticas públicas do Brasil, incluindo as de saúde. Impossível escamotear e, com o problema explicitado, o momento pode ser de mudanças de caminhos e rumos.
Começar por reconhecer que, de fato, as coisas estão muito mal com a saúde, o que não significa que o problema seja com o SUS, um sistema único criado pela Constituição de 88 com arquitetura e princípios adequados para ser universal e de qualidade.
É preciso identificar que, nestes 25 anos, o SUS sobrevive pela paixão e dedicação dos seus defensores e ativistas, particularmente os trabalhadores e gestores que dão conta de transformar suas deficiências orçamentárias em mecanismos de sustentação para uma sobrevivência espetacular.
Aos trancos e barrancos a atenção básica vem expandindo sua cobertura; a emergência antes inexistente é hoje realidade para grande parcela da população. E é no SUS, com toda sua carência, que são tratadas as doenças de alto custo terapêutico.
Mas ainda estamos muito distantes daquele projeto político talhado na 8ª Conferência Nacional de Saúde e que saiu dali para a Assembléia Constituinte. E, mediante a pressão popular, transformou a saúde em direitos universais sob a responsabilidade pública.
É preciso reafirmar que o pacote de medidas do governo, mesmo tangenciando velhas pendências como a formação de profissionais de saúde ou mesmo a interiorização de médicos, não tem potencial de impactar substancialmente sobre o atual caos em que a saúde se encontra.
Para mudanças radicais e definitivas, é preciso identificar, analisar e expor as razões pelas quais o projeto do SUS desandou. E mesmo com muitos problemas, não foi por má gestão, como muitos querem vaticinar.
Para que o estado brasileiro assumisse suas obrigações definidas pela Constituição, o Brasil não poderia ter caído no conto da sereia do neoliberalismo incorporado nos anos noventa e do qual até hoje não se desvencilhou.
As políticas sociais universalistas são incompatíveis com a escolha de um Estado enxuto, com poucas e restritas atribuições que é a marca do neoliberalismo. O SUS teria mais chance de ser viabilizado na sua plenitude se o Brasil tivesse pendido por se transformar em um Estado de bem-estar social.
Nessa opção, os sucessivos governos vêem assumindo cada vez mais a eleição pelo mercado, alegando que o custo da saúde é alto e que o sistema é mal gerenciado. Com isso, vem crescendo o setor privado da saúde no país, mesmo em desobediência aos preceitos Constitucionais.
Renúncia fiscal e benefícios tributários são apenas algumas das facilidades aliadas a uma regulação enviesada praticada pela ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar], que, de forma tendenciosa, favorece o mercado.
A agência reguladora das prestadoras de serviços de saúde sob a forma de planos privados tem sido sistematicamente dirigida por quadros do setor regulado.
Ao tempo em que hoje 30% da população aderiu aos planos privados, os recursos públicos destinados para o SUS mínguam a míseros 300 dólares per capita/ano, constrangendo o sistema a uma péssima avaliação e satisfação popular.
A fórmula perfeita foi encontrada para o sucesso de um projeto anti-SUS, antidireito à saúde, antidireitos sociais, e, de sobra, as empresas da saúde comparecem nos processos eleitorais com polpudas contribuições que, ao fim e ao cabo, não resultam gratuitas. Um ciclo pernicioso que somente poderá ser revertido com a força e o poder popular.
Nesta mudança, primeiro é necessário convencer a sociedade e o Estado brasileiro de que a saúde é investimento, e não gasto, como os setores da economia tradicionalmente a tratam. Hoje, o PIB setorial conta com a participação de menos de 40% dos recursos públicos e a grande parcela vem do bolso das famílias. Como assim?
O sentido ético e político dessa inversão para investimentos confere outra lógica aos governos quanto ao tratamento e às decisões destinadas ao setor público da saúde e ao SUS, que precisa de outro tratamento para ser consolidado e se transformar naquilo que a população aspira. (Fonte: aqui).
(Ana Costa, médica e presidente do Centro de Estudos Brasileiros em Saúde - Cebes).
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Enquanto não acontece a macromudança defendida pela articulista, bem que os médicos e entidades representativas poderiam atender aos apelos das populações desassistidas lotadas em centenas de municípios Brasil afora. No Piauí, por exemplo, até ontem, 31 de julho, 75% dos 224 municípios haviam aderido ao Programa Mais Médicos, segundo a APPM, Associação Piauiense de Prefeitos Municipais, que por sinal já dispõe de informações acerca dos parâmetros sobre recursos financeiros federais a serem aplicados em cada um dos municípios contemplados pelo Programa. Até a Capital do Estado deseja contar com o apoio do Mais Médicos. A APPM estima que a adesão de municípios deverá aumentar, e muito, no decorrer deste mês de agosto.
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