segunda-feira, 6 de agosto de 2012

FOCO: MARTE

Primeira visão do solo de Marte pela Curiosity.

A Curiosidade pousou

Por Carlos Orsi

Na madrugada desta segunda-feira, 6 de agosto de 2012, habitantes do planeta Terra fizeram descer um veículo do tamanho de um Fusca, movido a eletricidade produzida por um gerador nuclear, na superfície de outro planeta, a 250 milhões de quilômetros daqui. Chamado oficialmente de Laboratório Científico de Marte, o veículo, teleguiado, é mais conhecido pelo "nome de fantasia" Curiosity ("Curiosidade").

Em sua chegada a Marte, durante aproximadamente sete minutos, a sonda executou uma série de manobras -- programadas meses antes -- que incluíram o mergulho na atmosfera marciana, a liberação do escudo que a protegia do atrito com o ar rarefeito de Marte e a ativação dos retrofoguetes que a mantiveram flutuando enquanto um guindaste voador descia-a, delicadamente, na superfície do planeta, por meio de cabos: a Curiosity é pesada demais (e a atmosfera marciana, excessivamente tênue) para que o pouso pudesse ser feito simplesmente por meio de paraquedas.

Por último, mas não menos importante, o guindaste teve de ser eliminado, com um último jato de seus retrofoguetes projetando-o para longe do veículo -- afinal, não faria sentido o robô descer em segurança apenas para ser esmagado pelo equipamento de apoio, caindo do céu quando seu combustível acabasse!

Repetindo, só para deixar claro: todo esse procedimento, da entrada violenta ao pouso suave, e incluindo a partida do guindaste, ocorreu em outro planeta, e sem nenhum tipo de intervenção humana direta -- que, de resto, teria sido impossível. Dada a limitação imposta pela velocidade da luz, nenhum comando terrestre teria tido tempo de chegar à sonda, após o início da penetração na atmosfera, antes que o pouso estivesse consumado.

Tudo se deu, portanto, de modo automático, conforme programado ainda antes da partida do jipe Curiosity da Terra, no ano passado.

Agora, imagine: que meros mortais como nós, que pagam aluguel, têm hemorroidas e comem fast-food, foram capazes de prever e implementar, com precisão espantosa e meses de antecedência, todos os passos necessários para controlar exatamente o que aconteceria em outro mundo, a milhões de quilômetros de distância, quando ninguém estivesse olhando, quando ninguém poderia estar olhando.

A simples contemplação do conceito, de suas implicações,é de tirar o fôlego. Poucos poemas, pouquíssimas sinfonias, são tão chocantes, ligam de modo tão potente o cósmico ao comezinho, deixam tão claro que a transcendência está em nossas mãos, em nossa capacidade para a arte, o trabalho, a ciência.

Minha carreira jornalística tem uma curiosa ligação com a exploração de Marte. Logo depois de ter sido contratado pela Agência Estado, cuidei de acompanhar as aventuras do primeiro jipe-robô enviado ao planeta vermelho, o pequenino Sojourner, que também foi o autor das primeiras fotos de outro planeta transmitidas pela internet. Depois dele vieram Spirit, Opportunity, Phoenix; as sondas orbitais Mars Reconnaissance Orbiter, com sua fantástica câmera HiRise, fonte de algumas das mais estonteantes imagens interplanetárias, e Mars Odissey; além da europeia Mars Express.

Também acompanhei diversos fracassos, como a recente Phobos-Grunt, da Rússia, que sequer conseguiu deixar a órbita terrestre; o robô britânico Beagle, que provavelmente se espatifou em Marte, numa queda descontrolada, mesmo destino do americano Mars Polar Lander; o tragicômico caso da sonda Mars Climate Orbiter, que fracassou porque o computador de bordo havia sido programado no sistema métrico, com quilogramas, metros, etc., mas as ordens enviadas da Terra usavam os sistema anglo-americano de libras e pés.

Segui ainda os esforços heroicos do Japão para tentar salvar sua sonda Nozomi, lançada em 1998. Depois de apresentar defeito numa válvula de combustível, o satélite se viu incapaz de obter a energia necessária para chegar a Marte por meio da rota traçada originalmente, mas cientistas japoneses seguiram tentando encontrar um meio mais econômico de levar a Nozomi a seu destino. Os esforços só foram abandonados em 2003, e hoje a sonda gira, perdida, em órbita do Sol.

Vários bilhões de dólares já foram gastos na exploração de Marte, e volta e meia aparece alguém perguntando "por quê", questão que geralmente vem acompanhada por algum tipo de menção ferina às criancinhas famintas da África e ao coração duro das potências capitalistas.

Pondo de lado os fatos de que foram os soviéticos quem começaram com esse negócio de gastar dinheiro no espaço e de que todo mundo é livre para vender tudo o que tem e doar o dinheiro para o Unicef, caso se deseje, é preciso chamar atenção para o dado de que a expansão das fronteiras do conhecimento é um valor em si -- tão precioso, e em alguns momentos até mais precioso, que a arte, a literatura, o esporte. É curioso que ninguém sugira que os Jogos Olímpicos, a Fórmula 1 ou as grandes orquestras do mundo sejam suprimidos e o dinheiro, revertido para os Médicos Sem Fronteiras. Aposto que nem os Médicos Sem Fronteiras gostariam.

Além disso, e percebo que algumas pessoas têm uma profunda dificuldade em assimilar a ideia, a relação entre progresso científico e progresso tecnológico, e ente progresso tecnológico e mudança social, não é linear. A busca por uma lâmpada elétrica mais eficiente levou à Física Quântica, que por sua vez levou à bomba atômica, à radioterapia para câncer e à internet. O processo é caótico e imprevisível, e as únicas opções que temos é abraçá-lo ou voltar à Idade Média.

Exploramos Marte porque ele está à mão, porque é parte do Universo, assim como nós, e quanto mais entendermos do Universo, mais entenderemos de nós mesmos. Exploramos Marte porque podemos. Exploramos Marte porque ele está lá. Exploramos Marte, e Júpiter e Saturno e a Lua e as estrelas e tudo mais porque estão lá, e porque estamos aqui. Exploramos o Universo pelo mesmo motivo que fazemos música, escrevemos livros e pintamos quadros: porque somo humanos. (Fonte: aqui).

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Sigamos em frente.

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