quinta-feira, 25 de novembro de 2010

OS MEDOS DE CADA UM (II)


Por Artur Xexéo

Eu tinha medo de ectoplasma. Nem me lembrava mais disso. O que me fez recordar esse temor foi o filme do Jabor. Na sequência com Maria Flor, a personagem da atriz desfila por um corredor coberto de fotos de ectoplasmas emolduradas. Há quem ache que todas as cenas de Maria Flor são dispensáveis em “A suprema felicidade”. Como se qualquer cena com Maria Flor pudesse ser dispensável. Se eu fosse cineasta, nunca cortaria uma cena de filme com Maria Flor. Na verdade, eu acrescentaria mais duas ou três. Mas o importante é que, naquelas cenas, Jabor me fez lembrar de ectoplasmas. Eu sempre via fotos parecidas com as da parede do filme nas páginas de “O Cruzeiro”. Geralmente, elas precediam uma reportagem com Chico Xavier. Ah... eu tinha medo de Chico Xavier.

Eu tinha medo de edição extraordinária. Sempre que ouvia a musiquinha que anunciava o “Repórter Esso” fora de seu horário habitual, sabia que uma tragédia acontecera. Geralmente, a notícia me decepcionava. A queda de um presidente, um golpe de Estado, uma lei aprovada pelo Congresso... coisas que eu não entendia. O medo que eu tinha era o de que a edição extraordinária do telejornal noticiasse o começo da Terceira Guerra Mundial (eu já disse aqui que tinha medo da Terceira Guerra, não disse?). Nunca entendi por que meus pais, sempre tão sensatos, não tinham construído um abrigo antiaéreo no quintal lá de casa. Eu fazia listas do que precisava comprar para garantir a sobrevivência por um tempo razoável no abrigo. Lanterna, água mineral, latas de presuntada... Eu tinha medo da bomba atômica.

Eu tinha medo de ser enterrado vivo. Mais medo ainda, eu tinha de fazer algum exame médico que comprovasse minha catalepsia. Confiava no bom senso de meus familiares que, certamente, me enterrariam num caixão cheio de furos para que eu pudesse respirar após acordar e que desse para meus gritos de socorro serem ouvidos do lado de fora. Mas... se eu já estivesse num cemitério, quem estaria do lado de fora para me ouvir? Eu não tinha medo, mas não confiava em almas penadas.

Eu tinha medo de atravessar linhas de trem. Sempre morei perto de linhas de trem. E, é claro, desde criança, sabia que não havia muito perigo em atravessá-las. Bastava olhar para um lado, para o outro, certificar-se de que nenhum trem se aproximava e ir em frente. Nada muito diferente do que a gente faz quando atravessa uma rua, em cidade grande, fora do sinal. Mas e se... O problema do medo é sempre o “e se...”. Mas e se eu desmaiasse, de repente, sem aviso prévio, justamente quando ainda estivesse sobre os trilhos. E ficasse fora do ar por um tempo. E ninguém percebesse. E o trem, enfim passasse por ali?

Eu tinha medo de ventríloquos. Mais especificamente de bonecos de ventríloquos. Sempre acreditei que, mais cedo ou mais tarde, eles iriam adquirir vida, pular do colo de seu dono e cair no mundo só para me assombrar.

Um comentário:

Anônimo disse...

dodô
O xexéu tem realmente
um texto do balacobaco
parabéns pela reprodução
destes grandes articuladores,
porque em geral só se dá atenção no brasil para os humoristas do traço, esquecemos que temos cronistas e humoristas da palavra, e geniais: millõr, stanslaw, verissimo, xexéu.... E você está sempre nos lembrando disto neste seu belo blog.
ab
joão antonio
o anonimo campinense