terça-feira, 30 de maio de 2023

FICÇÃO OLFATIVA

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"Essa mescla de ficção científica, drama psicológico e terror light..." aproxima-se "do filão explorado por Jordan Peele, embora com mais parcimônia e um viés estritamente feminino".


Os Cinco Diabos

Por Carlos Alberto Mattos

Já não é mais spoiler dizer que o protagonista de O Sexto Sentido via gente morta. Em Os Cinco Diabos (Les Cinq Diables), thriller de terror psicológico da francesa Léa Mysius, temos bem o contrário: alguém é capaz de ver gente que ainda não nasceu. Essa possibilidade se dá através de buracos no tempo abertos pelo olfato.

Isso mesmo, pelo olfato. A menina Vicky (Sally Dramé) condensa e coleciona o cheiro das coisas de que gosta. Mais que isso, ela identifica qualquer coisa pelo cheiro e se guia pelo faro como um animal adestrado. Tudo era apenas uma excentricidade preocupante até o dia em que um determinado odor a transporta para o passado, quando ainda não havia nascido. É então que a menina começa a descobrir as intrincadas relações entre sua mãe (Adèle Exarchopoulos, de Azul é a Cor Mais Quente), seu pai senegalês (Moustapha Mbengue), sua tia extrassensorial (Swala Emati) e a melhor amiga da mãe (Daphne Patakia, de Benedetta).

Essa mescla de ficção científica, drama psicológico e terror light promete bem mais do que cumpre, mas ainda assim tem seu charme. Aproxima-se do filão explorado por Jordan Peele, embora com mais parcimônia e um viés estritamente feminino. Alguém pode apontar incorreção política no fato de que são os personagens negros que veiculam o sobrenatural, chegando às vezes à fronteira da bruxaria. Na paisagem impecável dos Alpes suíços, o contraste das peles coloca os três negros numa esfera de bullying, suspeita e rejeição.

Ainda assim, a pegada do roteiro – escrito pela diretora em parceria com o diretor de fotografia Paul Guilhaume – é leve e descompromissada o bastante para deixar de lado temas mais graves. Ao fim e ao cabo, depois de umas tantas revelações e pequenos sustos, o que importa mesmo é falar dos arranjos do afeto e da conformação menos convencional que as famílias vão tomando com o tempo.

Adèle Exarchopoulos encanta mais uma vez com sua espontaneidade de menina-mulher e uma sensualidade natural colocada a serviço do drama. A pequena Sally Dramé não fica atrás em matéria de vivacidade e algumas sugestões inquietantes.

O título Os Cinco Diabos não se refere às cinco personagens centrais, mas a um clube esportivo onde se passa grande parte da trama, no passado como no presente. Há fogo no filme, mas não tanto quanto fumaça – a fumaça de uma história esquisita que não se explica completamente, mas desperta interesse.  -  (Fonte: Blog Carmattos Aqui).

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