quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

IMAGENS NEGOCIADAS

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Instantâneo sombrio da colonização chilena, 'Branco no Branco' poderia ser perturbador se não fosse tão escravo de seu estilo e de sua lentidão um tanto presunçosa


Por Carlos Alberto Mattos

Mais correto seria traduzir Blanco en Blanco por "Branco sobre Branco". Afinal, é de fotografia que se trata neste filme que representou o Chile no Oscar de 2022. Pedro (Alfredo Castro) é um fotógrafo que chega à Terra do Fogo no início do século XX para registrar o casamento de um latifundiário. A boda se retarda e, enquanto espera, Pedro observa e se envolve com o sistema colonialista em vigor.

Os indígenas são alvos de caçadores de orelhas e de fêmeas para diversão da jagunçada, quando não escravizados por padres. A fotografia é um instrumento de afirmação de poder e posse de terras e almas. Imagens negociadas, como sabemos acontecer nessa relação em que o fotógrafo dirige a cena para melhor agradar ao contratante.

Por sua vez, a noiva é apenas uma menina e desperta veleidades pedófilas em Pedro, personagem ambíguo por excelência. Ele age ora como uma consciência em crise, ora como um colaborador submisso. Em contraponto, um capataz beberrão e uma preceptora abúlica circulam em torno da carniça deixada pela colonização. A decadência, aqui, nada tem que se possa admirar.

Theo Court, diretor e corroteirista, não tem nenhuma pressa para pintar esse quadro sombrio, explorando as paisagens horizontais e ermas da Terra do Fogo e de Tenerife (Ilhas Canárias). Sua câmera se instala a tal distância dos personagens e das (poucas) ações que torna às vezes difícil identificar o que se passa. A luz do dia é baça; a da noite é mortiça, fornecida por velas e tochas. Sentimento de um mundo remoto e duro, onde pouco se fala e a violência e o genocídio são praticados no silêncio e na obscuridade.

A trilha musical discreta e concreta (de Jonay Armas) se confunde com os sons da natureza e do ambiente. A voz sussurrada, aliciante de Alfredo Castro se sobressai como veículo de inquietação. O efeito, porém, acaba sendo limitado. Blanco em Blanco poderia ser mais perturbador se não fosse tão escravo de seu próprio estilo e de sua lentidão um tanto presunçosa.  -  (Fonte: Carta Maior - Aqui).

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