sexta-feira, 14 de maio de 2021

O HORROR CAPTURADO EM SILÊNCIO (MAS COM PITADAS DE SIMULACRO)

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No clima do belicoso e conflagrado universo do Oriente Médio - que amarga a vida real em permanente sobressalto, dura realidade que supera a ficção.
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A estilização faz de 'Notturno' uma pantomima do estado de guerra.


O Horror Capturado em Silêncio

Por Carlos Alberto Mattos

Do horror dos conflitos do Oriente Médio Gianfrancesco Rosi faz um apanhado impressionista de seus ecos. Filmou durante três anos nas fronteiras de Líbano, Iraque, Síria e Curdistão. Não há uma narrativa linear, mas fragmentos de observação, alguns alternando-se no formato multiplot. Um garoto tenta ser contratado para ajudar caçadores; um diretor ensaia uma peça sobre os infortúnios de sua pátria com pacientes de um hospital psiquiátrico; um grupo de soldadas patrulha no meio do nada e se aquece antes de dormir. Esses são os segmentos mais desenvolvidos em aparições distintas. De resto, são ações esparsas.

Grupos sucessivos de soldados passam marchando e rosnando como cães de guerra. Uma mulher curda chora seu filho enquanto visita a prisão turca em que ele foi torturado e morto, afaga as paredes em busca de sinais dele. Um jovem casal fuma shisha e ela o ajuda a se preparar para sair pela rua cantando e batendo o tambor em louvor a Alá. Crianças sobreviventes de massacres do Estado Islâmico relatam a uma professora as torturas, espancamentos, mortes e decapitações que presenciaram, descritos também nos seus desenhos. Uma mãe recebe mensagens da filha sequestrada pelo ISIS, que cobra em dinheiro o seu resgate.

São bem poucas as falas. Rosi valoriza o silêncio como trilha sonora da tristeza profunda que habita aqueles lugares desolados. Um acampamento na lama, batido pelo vento, um pátio de prisão coalhado de prisioneiros cabisbaixos em seus uniformes vermelhos, cidades destruídas e vazias, lagos ermos e casamatas no deserto. As pessoas não conversam em situações nas quais normalmente conversariam. Isso acaba soando como um artifício, o que não é incomum nos filmes de Rosi (Sacro Gra, Fogo no Mar).

Com muitas cenas noturnas (daí o título), a luz também é reduzida a um mínimo, embora cuidadosamente disposta. Muita coisa parece acontecer "para a câmera", segundo uma decupagem (seleção) minuciosa em que o quadro está quase sempre montado antes da ação começar. As batidas das soldadas em duas casas vazias, por exemplo, são visivelmente encenadas. Observação "dirigida". Rosi tampouco identifica os lugares. Assim, tudo se resfria numa espécie de pantomima do estado de guerra.  -  (Fonte: Aqui).

(Notturno está na plataforma Mubi). 

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