quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

SOBRE TEORIAS CONSPIRATÓRIAS, POR LUIS NASSIF

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"...a geopolítica americana não molda o mundo a seu bel prazer. Inclusive porque também é afetada pelas ondas de opinião pública do próprio país. E não derruba governos, fora dos períodos de guerra, sem contar com alianças com forças internas de cada país. O que ela faz é articular alianças com forças locais, através de suas longas mãos, e fornecer know how de conspiração."


Xadrez para entender as teorias conspiratórias
Nos dois lados, há uma dificuldade crônica incompreensível de juntar as duas pontas, como se fossem incompatíveis.

Por Luis Nassif

Peça 1 – a dificuldade de pensar fora da caixinha
No Brasil, sempre que um fenômeno exige explicações mais amplas, há uma enorme dificuldade de especialistas em juntar peças distintas. Na era do conhecimento intersetorial, das visões integradas, multidisciplinares, esbarram em duas dificuldades recorrentes: incapacidade de ir além de uma interpretação unilateral dos fatos; ignorar ou tratar como “teoria conspiratória” qualquer fato real ou explicação que não se enquadre na análise esquemática original. Qualquer análise fora do esquadro, em vez de ser estudada, incorporada e relativizada – e até rejeitada -, recebe a priori a sentença de morte de ser “teoria conspiratória”.
Retomemos a questão da geopolítica americana – e o papel da ultradireita – nas sucessivas primaveras que chacoalharam politicamente diversos países, incluindo o Brasil. E, especialmente, na Lava Jato.
O que dizem os críticos das ditas “teorias conspiratórias”?
Há um conjunto de fenômenos sociais e políticos deflagrados pelas novas tecnologias e pelas grandes mudanças provocadas pela globalização que explica todos esses episódios. Qualquer outra tentativa de explicar é “teoria conspiratória”.
O que dizem os defensores das “teorias conspiratórias”?
Esses movimentos foram planejados e construídos inteiramente pelos Estados Unidos, como se todos os atores internos não passassem de meros fantoches.
Nos dois lados, há uma dificuldade crônica incompreensível de juntar as duas pontas, como se fossem incompatíveis.

Peça 2 – geopolítica e as ondas de opinião

É evidente que a geopolítica americana não molda o mundo a seu bel prazer. Inclusive porque também é afetada pelas ondas de opinião pública do próprio país. E não derruba governos, fora dos períodos de guerra, sem contar com alianças com forças internas de cada país. O que ela faz é articular alianças com forças locais, através de suas longas mãos, e fornecer know how de conspiração.
Apoiava as ditaduras latino-americanas quando a onda da guerra fria lhe dava espaço para tal. Quando a onda democrática avançou, e a globalização exigiu novas estratégias, trocou a parceria com os militares por parcerias com a nova geração de políticos (FHC-Serra) e com o poder judiciário/ministérios públicos. Ou seja, ela atua dentro das circunstâncias do momento, potencializando as tendências dominantes, articulando as alianças internas e recorrendo, só quando necessário, ao poder de maior potência hegemônica do planeta.
Seus braços não são apenas diplomáticos, mas também as grandes corporações americanas, que sempre fizeram parte das estratégias geopolíticas americanas.

Peça 3 – as mudanças socioeconômicas

Vamos a uma relação esquemática das mudanças globais que marcam os novos tempos.
  1. Globalização da economia, concentração de renda, paralelamente ao desmonte do estado social e ao avanço da financeirização das economias.
  2. Insegurança nas empresas, com os novos movimentos, juntando novos modelos de negócio, novs tecnologias e abundância de capital de risco.
  3. Guerras e grandes movimentos migratórios que, juntamente com o avanço das novas tecnologias, geraram grandes inseguranças nas faixas médias da sociedade e nas empresas.
  4. Como resposta a essa insegurança, crescimento do radicalismo de ultradireita, da xenofobia e das seitas fundamentalistas.
  5. Redes sociais induzindo a um novo protagonismo político das massas e novas formas de organização horizontal.
  6. Questionamento do modelo político, da democracia representativa, pela dificuldade em dar respostas rápidas às novas demandas dos cidadãos e, especialmente, devido aos modelos de financiamento de campanha.
  7. Criminalização da política e crescimento do uso das bandeiras anticorrupção.
  8. Ascensão política de corporações como o Judiciário e o Ministério Público, que passam a disputar o protagonismo político com o voto direto.
  9. Telemática, ampliando enormemente as formas de controle e de espionagem sobre países, empresas e cidadãos.
Peça 4 – as estratégias geopolíticas no novo tempo
  1. Aproximação com juízes e procuradores de países emergentes, através de cursos, parcerias e cooperação informal.
Trata-se de um processo amplamente documentado, das relações do Departamento de Justiça com o Judiciário brasileiro e a montagem de parcerias com juízes e procuradores.
  1. Doutrina da anticorrupção substituindo a guerra fria.
Nesse contato, a anticorrupção foi a bandeira central para montar uma rede de alianças internacionais com Judiciário e MPs de vários países, misturando intencionalmente organizações criminosas, terrorismo internacional com movimentos sociais e partidos de esquerda. Não há diferença entre o fervor de um Joseph McCarthy e um Deltan Dallagnol. Esse movimento ganha impulso após o atentado às Torres Gêmeas.
  1. Uso recorrente da espionagem eletrônica.
A NSA foi flagrada espionando Ângela Merkel e Dilma Rousseff. Os documentos de Snowden e da Wikileaks revelaram espionagem sobre a Petrobras. A denúncia inicial da Lava Jato foi inteiramente montada em cima de informações enviadas pelo DoJ, assim como o cerco à Odebrecht e o efeito-cascata sobre outros países com governos progressistas ou de esquerda.
  1. Parceria com a mídia para a difusão da nova guerra fria.
Na longa campanha de ódio, iniciada pela mídia em 2005 e ampliada após o mensalão, há nitidamente a incorporação de novos elementos nas catilinárias iniciais. Substitui-se a adjetivação rombuda de Veja e os factoides, por métodos mais sutis – como, por exemplo, em toda menção a Lula, ou ao PT, incluir a lembrança de que são acusados de corrupção ou sofreram tal condenação. Pode ter sido uma evolução natural do discurso conspiratório.
5. Cooptação de atores políticos.
Do nada cai no colo do PMDB a Ponte para o Futuro. Senadores, como José Serra e Aloysio Nunes, são flagrados negociando a flexibilização da lei da partilha do petróleo. Acertado o impeachment, há uma corrida entre Serra e Eduardo Cunha para ver quem encaminha primeiro o projeto de lei flexibilizando a partilha.
  1. Desenvolvimento de tecnologias de comunicação para induzir a movimentações políticas através das redes sociais.
Espera-se que após o episódio Cambridge Analytics e a rede de WhatsApp de Bolsonaro, os nobres analistas do enfoque único parem de atribuir as primaveras a movimentos meramente espontâneos.
Havia o mal-estar geral, a fossilização da democracia representativa, as desconfianças com políticos, os estímulos ao novo protagonismo do Judiciário e anos de campanha sistemática de fixação da imagem do inimigo. E também a propaganda exaustiva atribuindo o mal-estar geral, os problemas na saúde, segurança e educação à corrupção.
Mas, dentro do oceano de manifestações que se seguiu, era evidente o maior profissionalismo de grupos como o MBL, treinados e financiados por grupos americanos. Na balbúrdia oceânica daqueles dias, foi o grupo que deu o tom e as bandeiras mais estridentes.
Teriam havido as manifestações sem esse impulso externo? Provavelmente. Mas registre-se que o grupo inicial, que iniciou o movimento, era de esquerda. Em poucos dias, uma ação articulada entre grupos de direita e a mídia mudou completamente o enfoque inicial e colocou o governo Dilma na linha de fogo.  -  (Fonte: GGN - Aqui).

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