sábado, 5 de outubro de 2019

AVALIANDO O CORINGA


"Hoje vi o filme Coringa. Confesso que fiquei com pena do ator Joaquin Phoenix. Ele vai ter que rebolar muito para sair do personagem em que mergulhou de maneira tão profunda. A atuação dele é simplesmente fantástica, muito acima da média.
O roteiro do filme também foi muito bem articulado. A narrativa oscila entre aquilo que leva necessariamente a um fim previsível – todo muito já conhece o Coringa – e o caminho tortuoso e, de certa maneira, imprevisível que o pagliacci socialmente e mentalmente vulnerável segue até assumir sua nova personae.
O Coringa interpretado por Joaquin Poenix é especialmente verossímil porque emerge como produto doente de uma sociedade adoecida. Ele é o lixo social que se torna “mais do que humano”, um verdadeiro anti super-homem nietzschiano. Isso ocorre quando o palhaço desempregado, humilhado e agredido finalmente resolve vomitar todo o veneno que engoliu por causa de suas relações tóxicas, superficiais, violentas.
O desprezo estatal e a segregação econômica promovidas pelo neoliberalismo são visíveis nesse bom filme. Sem eles não existe um cenário urbano/social capaz de gerar e parir um Coringa.
Em 1966, quando Cesar Romero interpretava o Coringa, Batman era um programa infantil de TV. Nos anos 1990 ele se tornou um protagonista de cinema para adultos. Nos anos 2000 as adaptações cinematográficas das Histórias em Quadrinhos se tornaram o que há de mais representativo da dramaturgia norte-americana. O novo Coringa é um marco dessa tendência de aprofundamento e aperfeiçoamento dramático de personagens originalmente caricatos e superficiais.
Prepare-se. Em alguns dos seus melhores momentos esse filme causa uma certa repugnância catártica. Depois dela, vem uma profunda empatia pelo que existe de humano em todas as vitimas esquecidas e invisíveis do mundo em que vivemos. Imperdível e vale cada centavo do ingresso."




(De Fábio de Oliveira Ribeiro, post intitulado "Coringa", publicado no GGN - Aqui.

"Sinopse:
Gotham City, 1981. Em meio a uma onda de violência e a uma greve dos lixeiros que deixou a cidade imunda, o candidato Thomas Wayne (Brett Cullen) promete limpar a cidade na campanha para ser o novo prefeito. É neste cenário que Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) trabalha como palhaço para uma agência de talentos, com um agente social o acompanhando de perto, devido aos seus conhecidos problemas mentais. Após ser demitido, Fleck reage mal à gozação de três homens de Wall Street em pleno metrô e os mata. Os assassinatos iniciam um movimento popular contra a elite de Gotham City, da qual Thomas Wayne é seu maior representante" - Aqui).
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ADENDO:


Attuch: Assista Coringa, Paulo Guedes

A história do filme Coringa se desenrola em Nova York (Gotham City), no início da década de 80, no governo de Ronald Reagan nos Estados Unidos. Reagan, como se sabe, é um dos ídolos do ministro Paulo Guedes, ao lado de Margareth Thatcher e do general Augusto Pinochet, três personagens que aplicaram choques neoliberais em seus países.

Em Gotham, programas sociais são eliminados, seres humanos são tratados como lixo e o que importa são os números – situação que lembra o Brasil atual, em que Guedes, ao saber que sua reforma da Previdência seria levemente desidradata com o pagamento de um abono salarial a quem ganha dois salários mínimos, saiu-se com essa: "quero cada bilhão de volta".
No Brasil, a desigualdade raramente se traduz em revolta social. Ela explode na forma de violência urbana. Por isso mesmo, um governo miliciano é chamado para "manter a ordem", quando direitos sociais e trabalhistas são suprimidos para que os ricos se tornem ainda mais ricos e os pobres cada vez mais pobres – o que demonstra, inclusive, a mais recente pesquisa do IBGE.
Mas talvez nem tudo seja eterno. Nos Estados Unidos, onde a pobreza também avança de forma avassaladora e a desigualdade é cada vez maior, a segurança foi reforçada nas salas de cinema diante do temor de que Coringa despertasse ondas de violência e, quem sabe, até uma revolução. Para alguns, o filme de Todd Philips, que denuncia a desigualdade e o estrago causado pelo neoliberalismo, não passa de um panfleto irresponsável. Para outros, além de uma grande obra de arte, traduz o espírito do tempo – assim como o nosso Bacurau.

No filme, há referências a movimentos libertários como o Occupy Wall Street e uma crítica clara à hipertrofia do capital financeiro. Há também um grito contra a imbecilização produzida pelos meios de comunicação, numa grande interpretação de Robert de Niro. E é por isso mesmo que a explosão de violência encarnada pelo Coringa, na atuação sublime, de Joaquin Phoenix, provoca mais empatia do que repulsa no público. A verdadeira violência não é a do Coringa, mas sim a do sistema. A violência de Paulo Guedes, Ronald Reagan, Margareth Thatcher e Augusto Pinochet.  -  (Brasil 247 - Aqui).

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