segunda-feira, 9 de setembro de 2019

NEOLIBERALISMO PARA OS OUTROS, POR ANDRÉ ARAÚJO

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O ministro da Economia Paulo Guedes teria anunciado o lançamento, para breve, do  PAP, Programa de Aceleração das Privatizações. Segundo ele, tudo é privatizável. A propósito, deputados federais estariam se articulando para propor a criação de comissão que se incumbiria do acompanhamento do processo de venda, com foco na importância estratégica das empresas. Mas há fundadas dúvidas sobre se tal iniciativa inibirá de alguma forma a sanha governamental em privatizar subsidiárias, notadamente as mais apetitosas, tendo em vista que o STF, em decisão recente, autorizou o governo federal a efetuar as vendas a seu arbítrio. E assim segue o Brasil, na contramão do resto do mundo...


Neoliberalismo para os outros
Por André Araújo

No Brasil foi recolhida uma doutrina neoliberal arcaica, gasta, repudiada no mundo inteiro, uma linha de pensamento econômico datada, que teve certo prestígio em um ciclo determinado da História, entre as décadas de 70 e 90, mesmo assim altamente discutível em seus nichos ideológicos, o Reino Unido e os EUA,  dois países hoje em momentos revisionistas de suas heranças políticas que têm raízes nas ideias neoliberais de Thatcher e Reagan.
Após Thatcher, o Reino Unido, país símbolo da industrialização no mundo, perdeu sua outrora poderosa indústria automobilística e reduziu a pouca coisa sua pioneira indústria aeronáutica, criando a crise social no interior industrial para o dilema do BREXIT. A desregulamentação do sistema bancário americano, por Reagan, permitindo a conglomeração de bancos com corretoras e seguradoras, a expansão nacional de bancos outrora só estaduais, gestou a mega crise financeira de 2008, salva pelo Estado.
A partir desses eventos a crítica às políticas de “TUDO PELO MERCADO” foi feita nos países ricos e o neoliberalismo dos anos 70 perdeu prestígio e poder de influência na política econômica, subsistindo um detrito desse neoliberalismo hoje de museu no Brasil, único entre os grandes emergentes que não opera sua política econômica dentro de um projeto nacional, que é a base da economia na Rússia, na Índia e na China.
O neoliberalismo entrou no Brasil pela porta  dos fundos, no Governo Collor, e se aninhou nos corredores da política econômica a partir dele, se infiltrou fortemente no Governo FHC através do Plano Real e conseguiu se manter no comando da economia durante os governos do PT, representado por Henrique Meirelles no controle do Banco Central. No governo Temer o poder neoliberal cresceu para chegar ao apogeu no atual governo através de um baixo clero neoliberal muito pior do que o núcleo do Plano Real, que tinha um pedigree bem mais ilustrado do que os de hoje, fanáticos de seita e não de um pensamento econômico civilizado.
O grupo do Plano Real tinha convicções neoliberais autenticas e o neoliberalismo de raiz tinha um certo verniz social para os perdedores na luta dos mercados. Milton Friedman foi o criador original do conceito de bolsa família para aqueles que NÃO CONSEGUIAM COMPETIR no mercado por não terem os instrumentos para essa competição, aí entendida uma educação de infância e condições de família. Essa preocupação os atuais “neoliberais do baixo clero carioca” não tem, para eles “snipers” para os pobres, ou é mercado ou é nada
TODOS PENDURADOS NO ESTADO
O Ministro da Economia estudou em Chicago com bolsa do Estado brasileiro, o mesmo programa que hoje ele corta para os outros. Depois fez uma carreira de banqueiro operando basicamente na economia oficial, do Estado,  primeiro na conversão de moedas podres (Sunaman, Siderbras, Cibrazem e mais 40) em Notas do Tesouro Nacional, onde um dos maiores operadores foi o Banco Bozano, ao qual o Ministro esteve legado por anos, depois em operações com fundos de pensão oficiais, tudo Estado como fonte de dinheiro. Agora são campeões do ESTADO FORA DA ECONOMIA, depois de enriquecerem com o Estado, pelo Estado e com o dinheiro do Estado, trajetória de muitos neoliberais para os outros, para eles o Estado foi bom como fonte de riqueza.
Por outro lado, a família presidencial, com o deputado de sete mandatos e os filhos também parlamentares, vive por toda sua história à custa do Estado. O Ministério é quase na sua totalidade constituído por funcionários que recebem no guichê do Estado, que neoliberalismo curioso, sustentado pelo Estado.
O CORTE DE GASTOS COM OS POBRES
Há um elo de ligação nos cortes do projeto neoliberal do Ministro da Economia: são todos contra os mais pobres e nada contra o andar de cima, especialmente o mercado financeiro e seus anexos rentistas. O projeto Guedes pretende CORTAR impostos de empresas e abolir tarifas de importação.
O primeiro projeto foi um eufemismo: PROJETO CONTRA FRAUDES NO INSS para poupar R$10 bilhões. Sob a capa de ”fraudes” foram, e serão ainda mais cortados, benefícios de auxílios doença, auxílio invalidez, pensão por morte, seguro desemprego e todos os demais tipos de apoio aos mais carentes.
Há fraudes sim, sempre houve, MAS não de R$10 bilhões. No “corte” foram de roldão benefícios legítimos de gente que sequer pode ir ao posto do INSS comprovar que está viva e inválida e, mesmo que consigam, terão que esperar meses para o restabelecimento do benefício. Na “peneira” entra fraudes reais e benefícios legítimos que, por alguma razão, caíram na malha, gerando insegurança e mais carência para os já miseráveis, uma vez que não há ricos dependentes do INSS, o alvo são exclusivamente os pobres. Todos os projetos do neoliberalismo de ocasião do Leblon têm como alvo tirar renda dos mais fracos, da reforma trabalhista à reforma da previdência, que cortou muito mais no porão do que na cobertura. Na mesma direção estão cortes na educação, na saúde, nas bolsas de estudo, já se fala em nova “peneira” no BOLSA FAMÍLIA, que garante o prato de comida de famílias sem renda.
É impressionante a falta do sentimento de generosidade, de solidariedade que até um Milton Friedman carregava. É uma noção de economia com maldade que não faz parte da ciência econômica como manifestação de humanismo e cultura. Um economista, como portador de uma parte da ciência, tem que se orientar por uma visão de mundo, de cultura geral, de aplicação da inteligência para minorar o sofrimento humano, a combinação de eficiência com civilização, a grande mensagem que Lord Keynes nos legou, economia como função de humanidade e não de materialismo bárbaro e cruel.
OS BANCOS PÚBLICOS E AS ESTATAIS
Comentaristas de imprensa tão diversos como Vera Magalhães, Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino têm os mesmos mantras “O Estado não deve ter empresas”. Tolos. Os grandes Estados do mundo TÊM empresas e tem muitas por razões de lógica econômica.  A China tem nas estatais e nos bancos públicos a BASE de sua economia. De petróleo, a China tem QUATRO grandes estatais, que estão entre as 20 maiores petroleiras do mundo, na eletricidade a China tem DOZE estatais, quatro das quais são grandes investidoras no Brasil. A riquíssima Noruega tem uma petroleira, a STATOIL que está entre as 20 maiores do setor no planeta. A França tem a maior empresa de eletricidade do mundo, a estatal Electricité de France, conhecida como EdF. Na Alemanha as estatais são de Estados federados e são muitas e em todos os setores, a Volkswagenweke foi uma criação do Estado da Baixa Saxônia, mas os Estados têm muitos bancos. A Itália tem outro grande bloco de estatais como a ENI, petroleira entre as 20 maiores do mundo. A Russia tem a mega petroleira RUSSNEFT. O Canada desenvolveu seu vasto sistema elétrico com a ONTARIO HYDRO e a HYDRO QUEBEC.
Mas o País que mais tem estatais são os Estados Unidos, onde não tem o nome na configuração de empresas e sim de Authority, Commission ou Administration, mas são negócios com faturamento e operação de empresa: são 8.500, as mais famosas são a TENESSEE VALLEY AUTHORITY, grande companhia hidroelétrica, a COMMODITY CREDIT CORPORATION, de financiamento agrícola; as duas seguradoras de hipotecas de moradia popular (já financiaram 27 milhões de casas), a FANNIE MAE e a FREDDIE MAE; o primeiro banco de exportação do mundo, o EXIMBANK; a PORT AUTHORITY OF NEW YORK AND NEW JERSEY, que opera o porto de Nova York, o Metrô, os ônibus, os aeroportos La Guardia e John Kennedy, o NEW YORK WATER DEPARTMENT (a Sabesp novaiorquina), com nove reservatórios e 4 milhões de consumidores de água e esgotos; são estatais TODOS os aeroportos comerciais dos EUA, todos os  portos, a maior empreiteira dos EUA, o Army Corps of Engineers, o maior banco de fomento para a pequena e média empresa, a SMALL BUSINESS ADMINISTRATION  mais de US$110 bilhões já financiados),  o banco do Pentágono, com US$ 60 bilhões em negócios anuais de exportação de material bélico, a DEFENSE SECURITY COOPERATION AGENCY, o banco naval MARITIME COMMISSION...
O Brasil, desde 1930, teve nos bancos públicos a LOCOMOTIVA DO CRESCIMENTO. Com a crise de 1929 o Presidente Vargas usou dos instrumentos do Estado para tirar o Brasil da Grande Depressão. Criou os institutos para organizar e dar garantias ao açúcar e álcool, o café, o mate, o cacau, fundou a CAIXA DE MOBILIZAÇÃO BANCÁRIA para comprar dos bancos imóveis e dar liquidez ao sistema bancário, a CARTEIRA DE REDESCONTOS do Banco do Brasil para redescontar títulos e produzir liquidez em bancos encalacrados com financiamentos ao setor privado. Já no segundo governo criou a CARTEIRA DE IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO - CEXIM para financiar exportadores e importadores; depois criou o BNDES, a PETROBRAS e a ELETROBRAS e foi com esse arsenal que o Brasil deixou de ser um País que vivia da exportação de café para ser uma economia agroindustrial de primeiro nível.
Então foi o ESTADO que fez o Brasil crescer às mais altas taxas do planeta entre 1930 e 1980 e NÃO O MERCADO, que estava livre para fazer e não fez, não criou toda a base industrial que foi induzida pelo Estado através de bancos públicos e estatais, estas AS MAIORES COMPRADORAS DO SETOR INDUSTRIAL, puxando o crescimento. Foi a estatal EMBRAPA, criada ao tempo do Governo militar de 1964, que expandiu o agronegócio atual.
Os tolos e ignorantes que falam “o Estado não deve ter empresas e bancos” desconhecem completamente a História Econômica do Brasil.
Sem os bancos públicos e as estatais o Brasil seria hoje uma grande Guatemala, vivendo mal e porcamente de café exportado em bruto.
Todas essas lições da História os neoliberais toscos e ignorantes de hoje ou não sabem ou fazem questão de esquecer.  E não digam que é coisa do passado. As estatais e os bancos públicos EXISTEM HOJE por todo o mundo, só a China tem DOZE mega bancos estatais e os EUA foram o pai da criação do primeiro banco de fomento do mundo, o BANCO MUNDIAL, porque achavam que o sistema privado NÃO seria suficiente para financiar o desenvolvimento dos países pobres. Hoje o mundo tem 70 bancos públicos de fomento que ninguém pensa em fechar, só o Brasil festeja a burrice.  -  (Aqui).

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