quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

SOBRE O ANARCO-RENTISMO DIGITAL


"Uma boa olhada nos textos do grupo Krisis trazidos a esse blog por Wilton (Cardoso) Moreira nos proporcionará alguma luz sob o que aparentemente é só treva!
Conhecidos pela "Crítica do Valor", rechaçados como profanadores dos cânones do marxismo, apenas por apontarem as insuficiências do pensamento marxiano, que aliás, não poderia prever tudo, tanto pelos seus limites contextuais, quanto pelas carências teóricas em si, o grupo Krisis é o que está mais avançado para nos fornecer as ferramentas teóricas para compreensão do momento atual.
Não se pode desprezar Harvey e outros.
No entanto, embora reconheçam que não se pode mais explicar o capital fictício (crédito e sistema rentista) a partir da acumulação de valor e mais-valor e sua monetização (capital produtivo), esses teóricos ainda insistem (pelo menos pelo que entendi) que a atual etapa de evolução histórica de acumulação ainda guarda relação de causa e efeito com o capital produtivo, ou como chamamos, o mundo real.
Não mais. 
A única semelhança ou ponto em comum é a acumulação (per si), mas isso sequer igualava as fases anteriores do capitalismo (mercantil ou pré-capitalista do século XV em diante, até o capitalismo industrial e suas fases - as revoluções tecnológicas).
Não é disso que trata o post de Luis Nassif, mas eu chego lá.
Nos vários textos acerca do assunto (o fim do capitalismo e o abandono de suas formas de organização social conhecidas: estado, sistemas representativos, polícia, justiça, moeda, sindicatos, e enfim, o trabalho, dentre outras instâncias), todos são unânimes em afirmar que o movimento atual empurra as chamadas empresas reminiscentes do estágio produtivo anterior, principalmente as de viés tecnológico avançado, em uma disputa fratricida na nova cadeia alimentar da acumulação sem causa, ou seja, no mundo convertido a algoritmos e alavancagem sem lastro, que gera dinheiro a partir de operações de crédito e não da produção ou da aquisição ou alienação de ativos, ou qualquer outra instância inerente aos processos conhecidos na produção capitalista (distribuição, logística, financiamento, comércio, etc).
Claro que não podemos resumir todos os problemas às facilidades oferecidas por um economicismo vulgar ou um determinismo das infraestruturas (econômicas) sobre as superestruturas (políticas).
Mas a desproporção entre os volumes de "riqueza" gerados entre o mundo real (capitalismo industrial) e o capital fictício (anarco-rentismo digital) certamente se reflete como causa e efeito, recíprocos, é verdade, na desproporção do poder de pressão política dos estados nacionais e seus representantes estatais ou não (sindicatos, partidos e outras formas de organização social) naquilo que antes já era frágil, ou seja, na capacidade de manter o monstro adormecido, a custa do permanente sacrifício de direitos de largas faixas de população ao redor do planeta.
Em outras palavras: a medida que o rentismo virou um elefante, e o capital produtivo permaneceu um rato (que pariu o elefante), as formas de representação política, as estruturas estatais burocráticas (judiciais, polícias, etc) e os mandatos parecem cada vez mais anacrônicos, e se inclinam a fragmentação comportamental, indicando que ninguém parece estar a salvo ou sob proteção de alguma regra que dure mais que a oportunidade em alterá-la, e os intreresses de quem se beneficia com isso.
Nada mais consegue alimentar esse monstro, que grosseiramente mudou a dieta, a passou a alimentar-se de si mesmo, enquanto se reproduz exponencialmente, mas ainda engole de sobremesa os "inúteis" expulsos dos esquemas de exploração anteriores.
Esse intrincado processo, como dizem os teóricos, reduz os combalidos e iminentemente mortos estados nacionais a cafetões lutando para oferecer os serviços nacionais pelo preço mais baixo, em uma reprodução global daquilo que já conhecemos internamente como guerras fiscais, fenômeno que aconteceu no Brasil "neoliberal", e tolheu a capacidade (já falida) dos orçamentos em enfrentar as desigualdades promovidas pelo capital:
- Quanto mais desigualdade, menores os orçamentos públicos, maiores as demandas, maiores desigualdades, e assim vamos explodindo em conlfitos insolúveis.
Em escala global, na busca por estabelecimento de "novas" barreira competitivas entre si, os gigantes (outrora gigantes produtivos), acossados por enormes fundos de hedge e outras modalidades de consórcios rentistas, criaram toda uma nova "teologia" do capital, adaptada a sede de espetáculo das redes sociais e dos movimentos alucinados dos algoritimos financeiros, isto é: a moralidade pública expressa mormente como luta contra a corrupção.
Esse modelo, como as empresas de hedge são transnacionais, logo, EUA prendem uma chinesa em algum país!
Uma adaptação sem precedentes das jornadas anteriores, como as Cruzadas e Inquisição, o Macartismo, e tantos outros movimentos ideológicos que criavam a base de consenso para a implantação de ideologias econômicas irracionais, e que por isso, precisavam de uma base emocional gigantesca!!!
Como ensinam os teóricos do Krisis, cada país experimenta esse fenômeno de uma forma adstrita a seu lugar relativo no tabuleiro geopolítico e de acordo com sua História.
O texto de Luis Nassif comete algumas impropriedades, dentre as quais destaco a principal:
- O sistema representativo brasileiro estava contaminado, mas o que foi alvejado foi a engenharia!
Aqui o erro comum a esquerda e aos progressistas, frequentemente revelado no texto do Krisis, onde se imagina que haveria uma realidade alternativa, ou uma forma de elaborar um capitalismo nacional e um sistema representativo que escapasse a essa "contaminação" no campo político, e bebendo na fonte keynesiana, em seus aspectos de política econômica.
Não havia.
A "contaminação" aqui não é diferente de outros sistemas representativos ao redor do mundo, e a promiscuidade entre capital e tais sistemas representativos foi (até ontem) a própria razão de ser do capitalismo e vice-versa.
Não havia capitalismo sem essa contaminação de seu poder de pressão sobre os sistema legais e representativos.
Lógico que os EUA chamam isso de lobby. Nós chamamos de crime.
Assim como a lógica (irracional, termo emprestado do último livro de Harvey) do capital não permitiria o surgimento de um competidor global sem uma boa dose de conflito e oposição.
Em tempos de fim do capitalismo produtivo, isso é improvável, sem a recuperação ou a criação de uma forte consciência política que abandone a luta pelos escombros do capitalismo produtivo e passe a imaginar e pensar formas de intervir na nova realidade que se apresenta."



(De Felipe Silve, em COMENTÁRIO sob o título "O anarco-cyber-rentismo ou anarco-rentismo digital" - AQUI -, a propósito do post 'Xadrez da geopolítica, do caso Huawei e da Lava Jato, por Luis Nassif', reproduzido neste blog - aqui.
É preciso, não obstante, ter em mente que não é conveniente 'radicalizar'. É o que pondera o leitor José Américo de Lacerda Júnior: 
"Há aspectos e processos que, a meu ver, passam despercebidos: a infraestrutura tecnológica. Pensemos na energia elétrica necessária para rodar os poderosos servidores de big data. Pensemos também em todos os equipamentos necessários, o cabeamento, os satélites, as antenas, os dispositivos móveis, os terminais... Toda essa infraestrutura provém do capital produtivo.").

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