quinta-feira, 22 de novembro de 2018

SOBRE A ESTATAL PETROBRÁS


"Eu fazia xixi na cama. Eu sei, eu sei: nada menos importante neste grave momento da vida nacional do que memórias da minha incontinência urinária. Mas espere, o assunto é sério. Eu tinha uns 4 anos e acordava todos os dias boiando num lago que eu mesmo produzira. Era preciso tomar uma providência, nem que fosse só para poupar os lençóis. Decidiram que eu deveria fazer xixi antes de dormir para não fazer dormindo. Simples, mas não funcionava. Me lembro de estar de pé na frente da privada, com sono, tentando cooperar e não conseguindo. Meu pai, ao meu lado, me incentivando.

Vamos, meu filho.

Nada. Nem um pingo.

Pelo Brasil, meu filho.

Nada.

Pelo doutor Getúlio!

O Getúlio também não adiantava. Eu fazia xixi na cama.

Por que pensei nisso agora? É a lembrança mais remota que tenho do meu pai e de mim mesmo. Mas pensei principalmente no Getúlio Vargas, que eu não sabia quem era, muito menos que mandava no Brasil. O petróleo, ainda por ser descoberto no país — um geólogo americano nos asseguraria que ele não existia — , já causava agitação. A defesa do nosso hipotético petróleo unia militares nacionalistas e intelectuais, direita e esquerda. A posição do Estado Novo getulista, ligeiramente filofascista, não era clara, mas foi o próprio Getúlio quem, anos mais tarde, diria a frase seminal “o petróleo é nosso”. Um slogan que perdurou até agora, quando os que antigamente eram chamados de “entreguistas” já calculam o que será entregue, sem encontrar resistência, na salada neoliberal em que está se transformando o futuro governo Bolsonaro.

Há alguns anos inventaram de mudar o nome da empresa hoje sendo fatiada, de “Petrobras” para “Petrofax” ou coisa parecida. Uma das razões para a mudança era, juro, que o final “bras” em inglês lembraria “brassière”, sutiã. Passaríamos por bobos no mundo das petroleiras. Mas já estamos passando."




(De Luis Fernando Veríssimo, crônica intitulada "Fatiada", publicada no jornal O Globo, edição desta data.

."O petróleo, ainda por ser descoberto no país — um geólogo americano nos asseguraria que ele não existia — , já causava agitação."
O geólogo americano a que LFV se refere é Walter Link, que, conforme se vê aqui, agiu corretamente ao concluir, em relatórios de 1960/61, que o Brasil não detinha reservas petrolíferas em terra.

."Há alguns anos inventaram de mudar o nome da empresa hoje sendo fatiada, de 'Petrobras' para 'Petrofax' ou coisa parecida."
O nome escolhido foi "Petrobrax", e, de fato, uma das razões apresentadas em defesa da mudança foi a apontada por LFV. Outra 'razão' foi passar a ideia de 'flexibilização' da imagem da estatal, que acabara de lançar títulos [DDRs] na bolsa de valores de Nova York - coisa que perdura até hoje - numa tentativa do governo Fernando Henrique de vender a empresa para grupos estrangeiros, o que felizmente não aconteceu).

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