terça-feira, 9 de outubro de 2018

AS URNAS ELETRÔNICAS E AS FAKE NEWS

Site Jurídico JOTA: 
"No dia da eleição surgiram vários boatos? Como combater as fake news que atingiram os candidatos e a urna eletrônica? O voto impresso é necessário?
Henrique Neves, advogado, ex-ministro do TSE: Os boatos e a divulgação de inverdades marcaram essa eleição, assim como tem sido verificado em todo o mundo. As chamadas fake news não são um privilégio ou desgraça brasileira. Em várias eleições elas têm surgido. O combate à divulgação de inverdade vem a partir da investigação e divulgação da verdade.
Nesse aspecto, um ponto positivo verificado no primeiro turno das eleições foi a atuação incessante dos órgãos de imprensa para verificar se os fatos divulgados em campanhas eleitorais e nas redes sociais eram verdadeiros ou não, algo que não existia com a extensão atual no passado.
A contestação à urna eletrônica se tornou um projeto político, que mexe com a confiabilidade do sistema e das instituições. Ainda que se compreenda o anseio sobre a questão, o debate não pode partir da disseminação de elementos falsos ou montagens inverídicas. A inconsistência dos boatos, aliás, milita contra aqueles que querem aperfeiçoar o sistema, pois demonstra que problemas reais não foram identificados, apenas boatos que foram rapidamente desmentidos pela própria imprensa.
Para que se possa imputar a ocorrência de fraude em uma eleição, não bastam suspeitas. É necessário que existam fatos concretos passíveis que possam ser investigados. Nesse sentido, foi importante a constatação feita pela missão de observação da OEA que não identificou nenhum problema real em relação às urnas brasileiras, nas 390 seções que foram diretamente observadas.
A missão de observação internacional apontou dado interessante sobre essa questão, indicando a baixíssima presença de fiscais dos partidos nas seções eleitorais. A segurança de qualquer sistema depende muito da fiscalização sobre ele exercida. Se os partidos não exercem o direito de fiscalizar, indiretamente estão abrindo mão de reclamar sobre alguma incongruência.
Em relação ao voto impresso, em princípio, não me parece que essa seja a melhor solução, não apenas pelo gasto e dificuldades operacionais que essa opção representaria. O maior problema seria a reinserção da possibilidade do manuseio, da interferência da mão humana, na apuração dos votos, o que já foi objeto de muitas fraudes no passado.
Precisamos, porém, discutir o assunto para aperfeiçoar os métodos de fiscalização, com a introdução de outras ferramentas – auditorias, aumento dos processos de verificação, etc. – para que não haja dúvida sobre a confiabilidade das urnas. Parafraseando: à urna eletrônica não basta ser confiável, ela deve parecer confiável.
Qual diagnóstico, a partir das urnas, podemos fazer da reforma promovida pelo Congresso Nacional? O que as mudanças trouxeram de bom e o que não surtiu os efeitos esperados?
O resultado prévio das eleições parece derivar – os cientistas políticos dirão melhor – da repulsa generalizada aos políticos, com sobreposição daqueles que se apresentavam como novidade, ainda que não fossem propriamente novos.
A reforma eleitoral de 2017 é uma reforma inacabada. Almejou-se e foi discutida uma grande alteração do sistema eleitoral, a qual não se confirmou. Em consequência, surgiram modificações apenas na parte do financiamento – que era a grande preocupação do Congresso no ano passado – e da propaganda eleitoral.
Pontos importantíssimos, como a adoção de um novo sistema proporcional e a antecipação da análise do registro das candidaturas não foram solucionados. Insisto, sob o risco de ser considerado ranzinza, na necessidade de o eleitor ter certeza de quem é efetivamente candidato no início das campanhas eleitorais e na inconveniência dos registros serem julgados no curso das campanhas ou após o resultado da eleição.
Outro tema que merece ser melhor examinado diz respeito à quantidade de proibições impostas pela legislação. As restrições se justificavam quando não havia limites de gastos para as campanhas eleitorais, senão o que o próprio partido se impunha. Com a limitação linear e equânime dos gastos – o que pode ser considerado como um bom ponto da reforma de 2017 – talvez seja cabível reexaminar as proibições impostas à propaganda eleitoral, em especial àquelas que são espontâneas dos eleitores.
Esperava-se uma taxa mínima de renovação por causa do fundo partidário comandado pelos caciques. Mas isso não ocorreu. Novamente: o que essa sistemática mostrou de acerto e erro?
Apesar do volume de dinheiro envolvido ser gigantesco, nem todos os candidatos tiveram acesso aos recursos públicos. As campanhas foram feitas substancialmente por meio da internet e no antigo – mas sempre proveitoso – corpo-a-corpo.
Muitas lideranças partidárias preferiram concentrar o dinheiro nos candidatos à reeleição, sem que isso trouxesse resultados práticos. Ao contrário, parece que as campanhas que seguiram as antigas cartilhas, sem inovação, não obtiveram número relevante de votos.
De qualquer jeito, a distribuição dos recursos públicos no âmbito dos partidos políticos, para que um mínimo necessário seja garantido a cada candidato, parece ser um importante tema que deve voltar ao debate. Não há dúvida que o partido pode escolher a melhor estratégia e concentrar recursos em prol de determinadas campanhas, mas isso não pode significar o completo abandono das demais. É necessário o fortalecimento da democracia interna dos partidos políticos também nesse aspecto.
A fragmentação da Câmara e do Senado, com a pulverização de partidos representados, tem alguma origem também nas reformas feitas pelo Congresso?
O principal fator da fragmentação, ao meu ver, está na formação das coligações desordenadas que, pelo menos em tese, pela última vez foi permitida. Isso fez com que o resultado preliminar das eleições aponte a presença de 21 partidos no Senado Federal e 30 na Câmara dos Deputados.
Com a extinção das coligações proporcionais nas próximas eleições, conforme previsto na alteração de 2017, acredito que haverá uma tendência do número de partidos com representação no Congresso Nacional diminuir. Outro dado significativo, neste ponto, foi a permissão para que os partidos que não obtiveram o quociente eleitoral possam participar do cálculo da distribuição das sobras.
Essa regra, que sempre defendi, é importantíssima em um sistema sem coligações partidárias. Sem ela, a representação parlamentar seria concentrada em pouquíssimos partidos, senão em apenas um. Contudo, a sua aplicação em um sistema com coligações faz com que o número de partidos com representação aumente, o que, ao menos, garante representatividade as minorias como é próprio do sistema proporcional.
As alterações visando promover a maior participação feminina surtiram efeito?
Houve um aumento percentualmente representativo no número de candidatas eleitas, mas ainda muito tímido dentro da realidade brasileira, onde as mulheres são mais da metade da população. Foi dado um pequeno passo, aumentando a participação feminina na Câmara dos Deputados que era inferior a 10% para algo em torno de 15%. Ainda é pouco. De acordo com os resultados preliminares, nenhuma mulher foi eleita em três estados, o que demonstra que a preocupação sobre o tema deve continuar
Nesse sentido, foi muito importante a decisão do Supremo Tribunal Federal que assegurou que as candidatas recebessem, no mínimo, 30% dos recursos do Fundo Partidário, com a posterior decisão do TSE no sentido de ampliar essa garantia também para o Fundo Especial de Financiamento das Campanhas, assim como de lhes ser assegurado, em igual proporção, o acesso ao tempo de rádio e televisão.
Além dessas medidas, que são positivas, acredito que os debates sobre o tema também devem atingir à participação feminina no âmbito partidário, para que não sejam garantidas apenas a existência de candidatas, mar permitir que surjam e sejam prestigiadas lideranças partidárias femininas em igualdade de condições.
O prazo para as campanhas foi reduzido à metade. Isso fez bem ou mal para as eleições?
O lado bom da redução é a diminuição dos gastos de campanha. Porém, em princípio, o prazo de cerca de 45 dias para a propaganda eleitoral é insuficiente para que todas as informações, ou pelo menos as principais, cheguem até o eleitor.
Na análise dessa questão, contudo, devem ser considerados diversos outros fatores. A possibilidade de os cidadãos e políticos em geral, futuros candidatos ou não, discutirem política a qualquer tempo, sem o risco de serem multados por propaganda antecipada, é um importante fator que deve ser analisado em conjunto com a redução do prazo.
Além disso, a realização de eleições federais simultâneas faz com que grande parte da imprensa dê muita ênfase à campanha presidencial, com pouco espaço para as campanhas estaduais, cuja cobertura geralmente está concentrada apenas nos candidatos ao governo, sem que nada, ou quase nada, seja dito sobre os candidatos ao Parlamento.
Entretanto, tão importante como eleger o presidente da República é eleger os representantes do Congresso. Aliás, talvez seja até mais importante eleger os senadores e deputados federais. Afinal, salvo ruptura constitucional, o Congresso pode remover o presidente da República, mas o presidente não tem o poder de fechar o Congresso.
Outro ponto relacionado ao curto prazo da campanha é a inviabilidade dos registros de candidatura serem julgados de forma definitiva antes do dia da eleição, além do fato de que o julgamento no curso da campanha, em si, traz forte impacto – positivo ou negativo – na exposição dos candidatos.
A campanha foi a mais curta da história. Ao final da abertura das urnas, os resultados diferiram em vários casos do que as pesquisas estavam mostrando. Que avaliação faz deste fenômeno?
Os institutos sempre sustentam que a pesquisa não é uma garantia de resultado, mas apenas um retrato de uma tendência momentânea. Não há dúvida. Realmente se as pesquisas fossem absolutas e certeiras não seria necessário realizar eleições, bastaria aplicar o resultado. Entretanto, a grande discrepância dos dados divulgados, com variações superiores a 20% em um dia, demonstra que o tema deve ser estudado com muita profundidade.
A importância das pesquisas eleitorais sempre foi considerada a partir do direito à informação do eleitor, ao qual deve ser assegurada uma percepção mínima do valor e influência do seu voto. O problema está justamente na leitura deste direito, que só pode ser compreendido como uma garantia à informação verdadeira, ainda que no terreno do provável. Se os dados não se confirmam, se a discrepância é muito grande, alguma solução deve ser dada para melhoria e confiabilidade da informação.
Esta eleição já valeu para a contabilização da cláusula de barreira. Que leitura faz dos dados das urnas e do futuro das legendas?
A partir de 2018, finalmente, o Brasil passará a diferenciar os partidos políticos que efetivamente representam interesses relevantes da sociedade daquelas agremiações que têm baixíssima representatividade. A consequência direita será a exclusão desses partidos da distribuição dos recursos públicos que são entregues anualmente aos partidos para subsidiar a sua existência. Segundo dados preliminares, 15 partidos não teriam obtido o patamar mínimo de 1,5% de votos em todo o território nacional para Câmara dos Deputados e, portanto, não receberão recursos públicos a partir de 2019.
Isso poderá fazer com que esses partidos possam se reunir para, por meio da fusão permitida na legislação, alcançar o limite mínimo. Com a fusão gradual dos partidos políticos, o número será reduzido e, quem sabe, surjam novas legendas que possam ser realmente representativas.
Um dado, porém, que deve ser discutido é a adoção do critério de acesso baseado apenas nos votos para Câmara dos Deputados. Algumas agremiações obtiveram bons resultados para o Senado Federal e nas eleições estaduais, apesar de não terem obtido número expressivo de votos para deputados federais. Nesse ponto poderia se pensar no alastramento da base de cálculo para verificar a representatividade do partido a partir da análise de todas as eleições, não apenas em relação ao pleito para deputado federal.
E essa campanha mostrou que tempo de TV não é tão importante como no passado. Qual o futuro das campanhas?
O tempo de TV pode ser importante. Depende de como ele é usado. A repetição de propagandas no modelo antigo não trouxe resultado. Pequenas intervenções com uma proposta direta, inclusive no sentido da extinção da própria propaganda eleitoral gratuita, acabaram refletindo maior votação.
Não há dúvida, contudo, que a internet foi o principal veículo de propaganda eleitoral e o seu uso será cada dia mais frequente, até porque muitos, hoje, quando querem assistir televisão ou ler uma notícia antiga dos jornais, recorrem a rede mundial de computadores.
As campanhas terão que se adaptar a essa plataforma e à sua linguagem própria. Sem tentar fazer futurologia barata, parece-me que, no futuro, a propaganda eleitoral será mantida nos rádios e televisões apenas por meio da divulgação das inserções, que correspondem aos anúncios normais exibidos ao longo da programação, com a extinção da formação de redes para veiculação dos programas em bloco.
Aliás, até mesmo em relação às inserções é possível imaginar e discutir um modelo no qual as televisões mantidas pelo poder público cedam um espaço maior para todos os candidatos, a fim de garantir que o eleitor possa ter acesso à informação sobre o que propõem cada candidato, e nas demais redes, observados os limites lineares de gastos de campanha, cada partido ou candidato possa comprar um determinado número de anúncios. Assim, pelo menos, a União não teria que arcar com o ressarcimento fiscal devido às emissoras pela exibição da propaganda eleitoral.
E o que deve ser alterado a partir de agora?
Todos esses pontos, que não são verdades absolutas, mas apenas provocações para o debate necessário, devem ser discutidos amplamente pela sociedade. Não há dúvidas que o único órgão legitimado para promover alterações na legislação eleitoral é o Congresso Nacional. Isso não impede, porém, que a sociedade se organize para verificar os acertos e o desacertos da legislação eleitoral atual e tentar, no mínimo, reunir todas as disposições em uma única lei, escrita de forma clara e objetiva – um novo Código Eleitoral.
Esse debate deve ser amplo e não pode ser feito apenas por advogados ou magistrados. É necessário ouvir a imprensa, os professores, as organizações sociais, o Ministério Público, a Polícia Federal, os líderes comunitários. Enfim todos que possam contribuir para o aperfeiçoamento dos sistemas e das instituições como forma de construirmos um país melhor. Nesse debate, toda a ênfase deve ser dada ao eleitor que é único detentor do poder perene, enquanto todos os seus representantes são transitórios."


(Do advogado Henrique Neves, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, em entrevista concedida a Felipe Recondo, do site jurídico JOTA. "Contestação à urna eletrônica se tornou um projeto político"  - Aqui.
Por mais que se apresentem argumentos e evidências sobre as urnas eletrônicas, o fato é que as contestações ao mecanismo viraram rotina. Há pouco, o candidato Jair Bolsonaro, logo em seu primeiro pronunciamento após a expressiva vitória no primeiro turno, apressou-se em atribuir à 'fragilidade' do sistema eletrônico o fato de não haver conquistado a Presidência desde logo. Explicita-se agora um dos porquês do senhor Bolsonaro haver sustentado, dias atrás, que não aceitaria outro resultado que não a sua vitória: o bode expiatório - ou um deles - já estava assegurado. O que poderá acontecer se o referido candidato vier a ser derrotado no segundo turno?.

Quanto às fake news, o ex-ministro declara que elas se transformaram em rotina nas últimas eleições, porém já eram frequentes em eleições anteriores. Certamente. Mas não na intensidade verificada na última semana das eleições 2018 em todo o Brasil. Sobre o tema, vale conferir o relato de Hélio Rocha ao site Brasil 247: "Balanço das eleições em Minas Gerais' - Aqui).

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