sexta-feira, 2 de junho de 2017

BNDES, UM BANCO ESSENCIAL


Criminalizar o BNDES não é caminho para expansão inclusiva e sustentável

Por Laura Carvalho (Folha de São Paulo)

O Congresso instalou nesta semana uma outra CPI do BNDES, agora para investigar operações envolvendo a JBS e a holding J&F. As delações de Joesley Batista, as conduções coercitivas de funcionários e, em seguida, a saída de Maria Silvia Bastos da presidência acrescentam mais um capítulo à conturbada história recente do banco.

Em sua delação, Joesley isentou o corpo técnico do banco de qualquer acusação, chegando a afirmar que sua "vida no BNDES sempre foi muito dura", dado o grande número de exigências e condições estabelecidas para a obtenção de financiamento.

O que a delação parece sugerir, no entanto, é que a JBS detinha algum poder de influência sobre o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e, por essa via, sobre as diretrizes de política industrial que chegavam ao banco.

Nenhuma evidência foi apresentada, mas a acusação nos faz lembrar o que as delações da Odebrecht já haviam apontado: a edição de medida provisória para desonerar a indústria química, por exemplo, teria sido fruto de negociação entre representantes da empresa e a Fazenda.

Não é criminalizando o BNDES ou a atuação estratégica do Estado que se chega ao ponto —quase trivial— levantado por essas acusações.

A política industrial, assim como todos os demais elementos da política econômica, não deve ser moldada pelo interesse de grupos econômicos específicos, e sim por uma análise dos benefícios gerados para o conjunto da sociedade.

Em artigo nesta Folha publicado em 2015, a professora de economia da inovação na Universidade de Sussex (Reino Unido) Mariana Mazzucato já apontava o caminho:
"Estabelecer um direcionamento estratégico em suas iniciativas dificulta a captura do Estado. Isso significa definir as missões que serão os vetores das políticas públicas e das ações privadas a longo prazo".

Em outras palavras, a melhor forma de evitar a influência de grupos de alto poder econômico sobre a política industrial não é deixar de ter política industrial.

É, ao contrário, apostar em uma política industrial estratégica bem desenhada e definida para um longo horizonte de tempo. Até porque não há experiência histórica de países que tenham conseguido desenvolver setores de alta tecnologia ou de infraestrutura sem o apoio do Estado.

Como mostra o livro "O Estado Empreendedor", de Mazzucato, o Vale do Silício resultou de enorme intervenção estatal. Toda a tecnologia do iPhone foi financiada por agências públicas ligadas ao Departamento de Defesa dos EUA. Lá, o Estado também subsidia pesadamente setores-chave como carro elétrico e energia solar. Aqui, esse papel só pode ser desempenhado pelo BNDES.

Se a política industrial implementada não foi aquela que gostaríamos de ver, tampouco é verdade que o banco concentra todas as suas atividades —ou a sua maior parte— no fortalecimento de campeões nacionais.

Foram 597,5 mil operações em 2016, com 145 mil clientes. Mais de 90% dessas operações foram para micro, pequenas e médias empresas, e quase 30% do total desembolsado foi para projetos de infraestrutura.

O desembolso com operações de incentivo à inovação cresceu de R$ 563 milhões em 2009 para mais de R$ 6 bilhões em 2015. O BNDES também foi um ator-chave para o desenvolvimento do setor de energia eólica no Brasil -no desenho da estratégia e no financiamento. Os primeiros leilões de energia solar também já estão em análise.

Criticar a forma como o BNDES vem atuando em setores já consolidados ou mesmo o vultoso aporte de recursos do Tesouro durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff não significa ignorar que, sem financiamento de longo prazo a taxas subsidiadas, o Brasil perderá um instrumento essencial para o desenvolvimento de setores novos, estratégicos ou sustentáveis.

O combate à corrupção prescinde da criminalização da política industrial e, se mal conduzido, pode enfraquecer nossas possibilidades futuras de crescimento inclusivo e sustentável.  -  (Aqui).

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Selecionamos, entre os comentários, a análise de André Araújo:

"Há uma forte corrente que tem ligações em grupos ideológicos neoliberais centrados no mercado financeiro com suas conexões na atual política econômica que defendem a EXTINÇÃO ou APEQUENAMENTO do BNDES. A antiga presidente do Banco, que tem um complicado e extenso currículo que tem seu início nas privatizações da Era Tucana, tinha claro esse caminho, de DIMINUIR o papel do banco,  sendo ela uma tipica representante desse grupo por toda sua trajetória profissional. Já que não se pode fechar ou privatizar o Banco, ela tratou de travar suas operações e devolver ao Tesouro vultosos valores que já estavam no Banco como capital para empréstimos. Foi por isso extremamente criticada pelos funcionários e pelo empresariado, que pressionaram por sua demissão, que não foi bem recebida pelo mercado financeiro e pelo Ministro da Fazenda, que tem a mesma visão negacionista do BNDES.
Esse grupo pensa, embora não tenha coragem de dizer, que em uma economia de mercado o Brasil não precisa de BNDES.
É uma visão medíocre e a-histórica porque todos os grandes sistemas econômicos têm bancos de fomento em plena atuação.
Cito o Banco Europeu de Desenvolvimento, o Banco Asiático de Desenvolvimento, o BID, o Banco Mundial, a Corporacion Andina de Fomento, a Nacional Financeira do México, o KfG da Alemanha, o Eximbank americano, a SMA-Small Business Administration americana que, já fez  US$1 trilhão em empréstimos a pequenas empresas, os Eximbanks do Japão e da Coreia, a China tem três grandes bancos de fomento, é um modelo universal porque:
1.O mercado financeiro NÃO se interessa por muitos projetos de grande importância nacional.
2.Há projetos de infraestrutura que não têm apelo para investidor privado, a não ser que tenham apoio de um banco de fomento, caso das concessões de rodovias e aeroportos no Brasil.
3.Um projeto avalizado por um banco de fomento pode ter um aporte minoritário desse banco, mas isso já o credencia para outros investidores privados, que aceitam a avaliação do banco, geralmente criteriosa e conservadora.
As investidas das cruzadas anti-corrupção podem criar sérios problemas ao BNDES porque os técnicos não mais correrão qualquer risco de assinar relatórios e SEMPRE, SEMPRE, em qualquer financiamento há algum risco. Com isso o banco pode PARALISAR por causa das ameaças de prisões por qualquer opinião, geralmente sem embasamento técnico, de qualquer autoridade investigativa.
Os hoje demonizados financiamentos para frigoríficos, especialmente JBS e MARFRIG, podem ser discutidos (...), MAS são até agora operações solventes e dentro das regras do Banco; PORÉM agora, por causa dos ataques às empresas, podem ter problemas que não tinham antes."
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A JBS, sabe-se, 'patrocinou' quase dois mil parlamentares, distribuiu malas de dinheiro em troca de vantagens estatais, especulou na bolsa, agrediu o meio ambiente, entre outras malfeitorias. Que os atos sejam apurados e punidos - mas que não se parta, em função disso, para a desclassificação de uma agência de fomento da dimensão do BNDES, essencial para o Brasil.

Nota
Dica de leitura
"Globo pecou na apuração jornalística antes de atacar o BNDES" - clique AQUI.

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