segunda-feira, 3 de abril de 2017

RECESSÃO E REFORMAS, DOBRADINHA DESCONEXA


Recessão e reformas, missão impossível

Por André Araújo

O pacote econômico como bandeira do governo de transição que se seguiu ao impeachment  apresenta duas plataformas: uma politica monetária recessiva  centrada na “meta de inflação” e um conjunto de reformas econômicas importantes. Apresentou-se como capa um ajuste fiscal retórico e inviável porque as despesas da União são, em sua grande maioria, inflexíveis e não têm como ser cortadas, tanto que ao invés de caírem em 2016 subiram muito mais que a meta prevista do déficit orçamentário. Portanto o ajuste é fictício em meio a um ambiente recessivo, que produz contínua queda de arrecadação abrindo um déficit bem maior do que o anunciado de início, o que revela grave incapacidade de avaliação da equipe econômica mesmo no curto prazo.

Esse projeto foi um grande erro estratégico porque:

1. Um  governo de transição não tem normalmente capital politico para fazer reformas que, mesmo necessárias, tem o perfil de REFORMAS IMPOPULARES porque restringem direitos e benefícios  no tempo presente. Esse tipo de reformas são de difícil vendagem  em qualquer governo,  a PERCEPÇÃO que elas apresentam é de serem “contra o povo” mesmo que tenham lógica econômico-financeira para o futuro. Não se discute aqui a necessidade das reformas mas sim sua viabilidade política em governos transitórios. Reformas desse perfil são  factíveis apenas em regimes autoritários ou COM A ECONOMIA  EM CRESCIMENTO. Fazer esse tipo de reforma em plena crise de desemprego é muito difícil politicamente em qualquer Pais, mesmo nos países ricos.

2. Um plano mais factível seria ENFRENTAR  A CRISE ECONÔMICA com estímulos monetários, jogar dinheiro na economia para diminuir o desemprego, deixando as reformas para um novo governo eleito. Tal politica é inversa  ao  projeto recessionista que vem sendo praticado, que só aumenta a crise econômica e não tem chance de diminuir a recessão.
A atual politica econômica parte de um erro de diagnóstico, o de que a recessão vem do excesso de gastos públicos. EXCESSO DE GASTOS causa muitos problemas MAS não recessão.

Geralmente causa INFLAÇÃO e não recessão. A causa da recessão é a politica monetária contracionista, que atrai capital especulativo, privilegia o rentista, valoriza o Real contra a indústria e contra a exportação, (a causa) não é excesso de gastos, embora esses devam ser corrigidos.
O remédio foi o pior possível, o único objetivo é a META DE INFLAÇÃO, não há nenhum incentivo à economia produtiva, não há qualquer politica de rendas e emprego, a demanda seca por falta de renda e com isso a cada etapa aumenta a recessão. Combater a recessão através de baixa de inflação é aprofundar a recessão, combate-se inflação quando há excesso de dinheiro na economia e não quando falta dinheiro na economia.
É uma POLITICA errada baseada em um diagnostico equivocado e a prova é que não está dando certo, anuncia-se agora AUMENTO DE IMPOSTOS (Nota deste blog: Aumento de impostos sob a forma de extinção de desonerações que vinham beneficiando mais de 50 segmentos econômicos) porque a recessão fez cair ainda mais a arrecadação, é um FRACASSO COMPLETO, como eu previ  aqui desde quando esse programa econômico foi apresentado, são mais de vinte artigos demonstrando o equivoco.
A politica econômica do Governo Dilma não pode ser usada como contraprova de que a atual politica está certa,  não serve como contraponto: no governo Dilma  não havia estratégia certa ou errada, apenas uma serie de improvisos (Nota deste blog: Este blog discorda; o que nos parece é que o erro do governo Dilma residiu na demorada e frustrada tentativa de reposicionar-se ante a brutal queda do valor das commodities no mercado externo, observada/iniciada meses antes de 2014). A grande FARSA é dizer que a atual politica é o contrário da anterior politica do governo Dilma.  NÃO É. Não existe no mundo das formulações de politica econômica apenas duas politicas, há infinitamente mais, não existe apenas o modelo Mantega e o modelo Meirelles, há muito mais opções  possíveis.
Uma politica econômica é um CONJUNTO DE VARIÁVEIS COMBINADAS, essas combinações são infinitas, não existem apenas duas. O fato do governo Dilma ter errado, e de fato errou, não significa que a atual politica está certa. Esta politica NÃO é um contraponto da politica do governo Dilma, É UMA OUTRA POLITICA ERRADA e dois erros não fazem um acerto.
O erro está na  escolha de pessoas identificadas com o sistema financeiro internacional no comando da economia, com um programa de especuladores e rentistas e sem nenhum compromisso com um projeto de Pais a partir dos objetivos do Estado nacional brasileiro.
Na esteira da liderança de representantes do sistema financeiro são empossados notórios privatistas como Pedro Parente para a Petrobras e Maria Silvia Marques para o BNDES, ícones emblemáticos do neoliberalismo de cartilha e  que são ideologicamente contrários a projetos de desenvolvimento a partir do Estado; foi a eles dado o comando de empresas e símbolos do CAPITALISMO DE ESTADO, exatamente  aquilo que eles condenam em suas teses de mestrado. Então nessas presidências o viés ideológico é para ENCOLHER essas empresas estatais, diminuir sua influencia e importância,  tirar-lhes o papel de motor do crescimento, pois acreditam que só o mercado resolve; já que não podem vender a Petrobras e o BNDES, vão encolher  sua presença na economia, que é o que está ocorrendo. Pergunta-se, qual a lógica dessas nomeações? Serão  liquidantes de estatais? É para preparar a privatização?
Como resultado a PETROBRAS está em um feirão de ativos e o BNDES, segundo queixas de lideranças empresariais,  está paralisado com R$ 100 bilhões em caixa, depois de ter devolvido outros R$ 100 bilhões ao Tesouro, tudo indicando um apequenamento de suas atividades. (Nota deste blog: No caso do BNDES, pesa também a revisão da TJLP, Taxa de Juros de Longo Prazo, que passaria a ser 'bem mais salgada').
Como  coro de confirmação dessa politica ultra neoliberal se alinha  um grupo compacto de “economistas do mercado"  com acesso à mídia e ligados a consultorias e gestoras de fortunas,  em eterna  porta giratória:  estão hoje em departamentos de economia de bancos e amanhã em fundos de investimentos, depois em consultorias,  todos umbilicalmente conectados com o MUNDO RENTISTA,  com uma visão sem nuances de uma economia madura e estática, POLITICA DEFLACIONISTA que atende ao interesse de seus clientes e patrocinadores.
Esse grupo tem seu Vaticano na escola de economia da PUC RIO e se espalhou para órgãos públicos e escolas como FGV-EPGE, Insper, Ibmec, IPEA, Casa das Garças, FAAP, bem como para bancos de investimentos e gestoras como XP, BTG, Gávea, Mauá.
São todos iguais no gestual, na visão de mundo, no ideário politico, sem matizes de adaptação a cenários cambiantes e flexíveis, usam eternamente a mesma cartilha como se a economia fosse uma ciência matemática inatingível por tempos sociais e políticos.
Esse coro gregoriano endossa a politica recessionista de inflação zero e desemprego ao infinito, sua ligação com Wall Street é absoluta, abominam qualquer ideia de País com politica própria de desenvolvimento, seu sonho é um Pais inserido nas cadeias produtivas globais em papel secundário, sem tecnologia própria ou planos  de autonomia em qualquer setor. Rejeitam assim projetos de País dos grandes emergentes como China, Índia e Rússia, que  mesmo conectados no sistema global retêm considerável capacidade de manobra econômica e geopolítica, o que só é possível a países com projeto nacional de Estado.
Toda política econômica é uma APOSTA no futuro, há apostas com viés de resultados e outras que claramente são apostas ideológicas, de crença no manual.
A aposta na reversão do processo recessivo através da expansão monetária oferece o RISCO de inflação, apenas  risco pois há grande probabilidade de não haver inflação dado o excesso de capacidade ociosa nos meios de produção e na mão de obra.
A aposta do aumento da recessão para combater a recessão, que é a politica de METAS DE INFLAÇÃO, não tem chance alguma de reverter a recessão, basta um simples exercício de lógica elementar. Sem estímulo monetário não há poder de compra para justificar investimento, não se faz investimento se não tem para quem vender.
A atual política pretende induzir investimentos sem que estes tenham justificativa de existir. Ninguém investe com uma economia parada, a demanda vem antes do investimento, isto explicado pela economia clássica, ortodoxa, pela escola austríaca ou keynesiana; não há divergências entre as grandes escolas: é a demanda que gera o investimento e não o contrário.
Pior ainda, uma crença absurda no INVESTIMENTO ESTRANGEIRO como guia do País, quando esse SEMPRE foi acessório e nunca principal. Nenhum País, nem a Índia ao tempo da colonização britânica, se constrói a partir do investimento estrangeiro. É o investimento NACIONAL a base politica e econômica do crescimento, o estrangeiro é marginal, não é o centro da economia, como faz crer o discurso torto do Governo hoje.
3. As REFORMAS que são parte do plano econômico afetam a vida da maioria da população e só podem ser legitimadas com um razoável consenso politico. Reformas feitas com  votos de ocasião viram colchas de retalhos pelo excesso de concessões a grupos e partidos. O ambiente político conturbado não favorece a aprovação de reformas duradouras.
Ao fim as REFORMAS não são pensadas como parte de um projeto nacional mais amplo e sim como exigência do sistema financeiro  representado pela equipe econômica com o objetivo final de GARANTIR O PAGAMENTO DA DIVIDA PÚBLICA; esse é o alvo das reformas, reduzir a despesa do governo central para  dar folga ao Tesouro visando  a segurança dos credores financeiros.
A ordem natural de um projeto político e econômico é o inverso do plano do governo de transição. A lógica seria em primeiro lugar fazer a economia andar por estímulos monetários para DEPOIS fazer as reformas em um ambiente  político mais relaxado e mais amistoso.
Fazer reformas que  reduzem direitos e benefícios em ambiente de recessão é algo historicamente irracional porque piora no curto prazo o que já estava péssimo.
O Presidente Temer é um homem experiente em sobrevivência na politica. Intriga-me saber quem foi o “tutor” que indicou um medíocre como Meirelles, sem histórico de formulador,  e um cabeção de planilha como Goldfajn para comandar uma política econômica nesse ambiente extraordinariamente complexo da História do Brasil. Dois “beans conter”, contadores de feijão, expressão que significa pessoas pequenas, de visão pequena.
Todo ciclo de economia tem seu “inspirador”, aquele que dá o tom e a linha. Nos dois governos de Vargas o lendário Osvaldo Aranha, que sequer era economista,  inventou esquemas cambiais sofisticados que garantiram a solvência brasileira nos anos 30 e nos anos 50, no governo militar de 64 três cérebros, Campos, Delfim e Simonsen, grandes formuladores, cultos, pensadores do ciclo histórico em que estavam inseridos, no governo Sarney Bresser-Pereira inventou os “bônus Brady” para renegociar a moratória, foi ele e não Nicholas Brady, que chupou a ideia e batizou os “bonds” que foram criação de Bresser e não dele.
Mas e a tutoragem do sistema financeiro? No governo Sarney quem dava o tom, o “tutor” era o Citibank, então maior banco dos EUA e o mais internacional entre os americanos, que presidiu todos os comitês da dívida externa com o imperial William Rhodes ditando as regras. No governo FHC o maestro era o Goldman Sachs, de onde Arminio puxou o notório Paulo Leme, economista chefe de mercados emergentes, para ser Diretor do Banco Central.
Leme só não assumiu porque enquanto voava para o Brasil Luis Nassif o derrubou em sua coluna da FOLHA, mostrando uma palestra onde Leme praticava seu esporte preferido, falar muito mal do Brasil; a nomeação foi cancelada, provando que Arminio também erra.
No governo FHC o Goldman Sachs criou o “Global Bonds” para o Brasil, emissão de bônus de médio e longo prazo que reabriu o mercado para papéis federais brasileiros e com isso o Goldman passou a ser a “voz” do sistema financeiro internacional no Brasil, “tutor” e voz imperial a pairar sobre a politica econômica desse período Itamar-FHC.
Nos Governos do PT o Bradesco foi o banqueiro amigo do Rei para o bem ou para o mal, culminando com Joaquim Levy, alto executivo do Bradesco, como Ministro da Fazenda; antes, Luis Trabuco, o CEO do banco,  tinha sido convidado. A associação do Bradesco com o PT lhe valeu uma mega e absurda imputação no CARF, como punição.
No governo Temer claramente o banqueiro é o Itaú, a quem estão ligados o Ministro da Fazenda, cujo banco de origem hoje faz parte do Itaú, e o presidente do BC, antigo economista chefe do Itaú,  maior e mais lucrativo banco brasileiro,  um banco que se orgulha de ser o banco da elite brasileira, o banco PERSONALITÉ, hoje um banco de tamanho global em ativos e excepcional em lucros.
Saber quem indicou a equipe que comanda a economia  é um exercício de curiosidade. Nenhum deles tem as qualificações de liderança e carisma para puxar o País fora do abismo da recessão; o Ministro é um executor e nunca um formulador, o presidente do BC é um cabeça de planilha até a centésima casa decimal, fascinado pela Meta de Inflação como se isso fosse o total da economia, acima de tudo. E no entanto é um clássico da história econômica do Brasil que o papel político do Ministro líder da economia é FUNDAMENTAL: Delfim era muito mais que um economista quando comandava a economia, era um líder inconteste, Roberto Campos criou tantos instrumentos e mecanismos como FGTS, sistema financeiro da habitação, lei de alienação fiduciária - o Banco Central, antes tinha criado o BNDE -; eram grandes operadores políticos com credibilidade interna e externa, produziram o maior crescimento de um País nesse período, entre todos os países do mundo.
A curiosidade é pertinente porque o plano RECESSÃO COM REFORMAS é contra o interesse não só do País, de sua população, mas também é um plano ruim para o Presidente, que dificilmente atingirá uma saída da recessão e menos ainda um conjunto eficiente de reformas.
Reformas no papel podem ser feitas mas terão que ser refeitas em pouco tempo porque desfiguradas pelo arranjo politico necessário para ter os votos de aprovação.
A politica recessiva por sua vez beneficia extraordinariamente os bancos nacionais  ao sustentar um REAL supervalorizado a custa de swaps cambiais que custam mais que o déficit no Orçamento Federal; a supervalorização do REAL garante que os créditos dos bancos convertidos em dólar sejam muito mais valiosos do que seriam com o REAL no seu câmbio natural, e ao mesmo tempo sustentam um extraordinário fluxo de capital especulativo intermediado pelos bancos, que tomam dinheiro no exterior a 2% ao ano e aplicam no Brasil a 12% ao ano com a segurança de que o câmbio lhes favorece na saída.
Estrangeiros que vêm aqui para tirar proveito dos juros altos, várias vezes mais altos em números reais do que o que obteriam nos EUA ou Europa, são  piratas de nossa economia.
A TOTALIDADE da política econômica do Governo se destina a garantir esses dois grupos, o SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL e o GRUPO DE CAPITAL ESPECULATIVO: ambos precisam de inflação abaixo da meta e de um REAL VALORIZADO para garantir o retorno do capital.
Uma POLÍTICA DESASTROSA para a economia produtiva e para os empregos é implantada a ferro e fogo contra o interesse nacional, embalada numa lenda de que “há sinais de melhora na economia” posta em circulação nos noticiários por comentaristas que são ou ignorantes ou (estão) a serviço  dos grupos que se beneficiam dessa política; nos noticiários das grandes redes e nos colunistas de jornal NÃO HÁ A MINIMA CONTESTAÇÃO à aberração dessa politica econômica; a qualquer crítica, a resposta é imediata: “Então você quer de volta  o tempo da Dilma”.
Nada tem a ver, a atual politica NÃO É CONTRAPONTO À MÁ POLITICA anterior, é apenas uma OUTRA POLÍTICA RUIM e, pior ainda, não é por incompetência e sim por intenção. (Fonte: aqui).

................
................
Se mais não bastasse, seria o caso de inteirar-se de manifestação feita por Jânio de Freitas, em sua coluna na Folha, edição de ontem, 02:

"Nem a complacência interessada com que o poder econômico e a imprensa/TV tratam Michel Temer –conduta que serve proteção para um lado e ilusão para o outro– consegue escapar desta realidade deprimente: Temer e Henrique Meirelles estão aturdidos, perdidos no emaranhado de suas afirmações e logo recuos, incapazes tanto de fazer quanto de simplesmente compreender. 

E a verdade daí decorrente é que, em dez meses, a situação do Brasil só se agravou, arrastando nesse despenhadeiro todos os não dotados de recursos fartos. Sob o domínio da incompetência e da perplexidade, o Brasil sufoca. 

Em um só dia, o já estigmatizado 31 de março, as páginas iniciais nos sites dos principais jornais e do UOL davam, com diferentes níveis de exibição, estas informações: "Corte orçamentário atinge transporte, habitação e defesa". O governo superestimou as receitas, prática que dizia repelir, daí resultando um rombo de R$ 58,2 bilhões nas suas contas. Como remendo, já em março Meirelles achou necessário o corte de mais de R$ 42 bilhões nos investimentos do governo. Só as obras do PAC perderão mais de R$ 10 bilhões. Os investimentos do governo são, historicamente, o que ativa a economia. Logo, o corte é contrário à recuperação econômica. (...)"

(Para ler a análise na íntegra, clique AQUI).

....
(Jânio de Freitas é jornalista; André Araújo é consultor de empresas e analista econômico).

Nenhum comentário: