sexta-feira, 28 de abril de 2017

O MANJAR DO FURA-GREVE


O fura-greve e o camarão servido no jantar

Por Carlos Motta

Séculos atrás, pouco depois que comecei a trabalhar como "copidesque", ou, fora do jargão jornalístico, como redator, do recém-criado Caderno de Economia do Estadão, e comecei a conhecer meus colegas de trabalho, percebi que havia, entre alguns deles, algo estranho, uma espécie de rixa.
Em dois deles, um redator, como eu, e o outro o editor-assistente, ambos veteranos no jornal, a desavença se manifestava abertamente.
Não que um ofendesse o outro, a treta se manifestava de maneira mais sutil, algumas vezes com uma profunda ironia.
Como em certo dia, quando o redator, ao ver o colega se levantar de sua cadeira, me disse:
- Motta, pergunta para o ..... se o camarão que ele comeu aqui no jornal na greve dos jornalistas estava gostoso.
Não entendi nada e pedi que ele me explicasse o sentido daquela pergunta.
- Você não sabe? É que o ..... e mais alguns vieram trabalhar durante a greve. Entraram no jornal escondidos num camburão da polícia. Como recompensa, jantaram camarão todos os dias.
A greve dos jornalistas ocorreu em 1979.
Foi a segunda e última feita pela categoria em São Paulo, reivindicando, entre outras coisas, aumento salarial de 25%.
O movimento fracassou e as consequências imediatas para a categoria foram desastrosas: muitos dos profissionais que não se esconderam nos camburões da polícia nem jantaram camarão acabaram perdendo seus empregos - os donos das empresas jornalísticas vivem, até hoje, como o prefeito cashmere de São Paulo, na era pré-revolução industrial, no pré-capitalismo.
Mas a greve teve outro efeito nos jornalistas paulistas: ela permitiu que as máscaras caíssem, ou seja, que todo mundo soubesse quem estava de um lado, quem estava no muro, e quem estava do outro lado, o patronal.
Da mesma forma que aquele editor-assistente do Estadão que jantou camarão como recompensa por furar a greve nunca se livrou das gozações dos colegas que comeram o pão que o diabo amassou, hoje, quando o país vive tempos conturbados e se promove uma greve geral como forma de protesto contra as "reformas" empreendidas por um governo golpista, vai ficar mais claro quem é quem.
Foi assim no movimento das diretas já.
Foi assim com os caras pintadas na era Collor.
E está sendo assim agora: picaretas, oportunistas, canalhas, fascistas, e toda espécie de entreguistas,vendilhões e lesa-pátrias serão facilmente reconhecíveis.
Muitas máscaras voltarão a cair.   -  (Fonte: aqui).

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Como dizem a grande mídia, o alcaide da pauliceia e os áulicos do planalto: 
"Greve? Que greve?! O que houve foram manifestações isoladas, lideradas por maus brasileiros preguiçosos, que não querem trabalhar. Não fale em crise, trabalhe!!!"

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