domingo, 30 de abril de 2017

A CARTA DO DIA DO TRABALHO 2017


Mino Carta Dois Pontos

Parafraseando o título do livro do jornalista Newton Carlos, publicado pela Editora Codecri do antigo Pasquim, América Latina Dois Pontos, de 1978, trazemos aqui duas entrevistas de Mino Carta do canal da Revista Carta Capital no youtube, ambas coincidentemente às vésperas do Dia do Trabalho. A primeira, datada de 27 de abril deste ano de 2017, e a segunda, de 30 de abril de 2015. Além dos temas tratados com uma atualidade inequívoca, mas é na segunda entrevista que se referia sobre a Terceirização e que foi matéria de capa da edição da Revista naquele ano, e onde ele também fala de um outro encontro que houve na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, cujo evento prestava homenagens ao prof. Fábio Konder Comparato que também formulava um projeto para o Brasil, tal como agora com o prof. Bresser Pereira e outros. Mas ao final da entrevista, Mino Carta evoca o filme Os Companheiros, de Mario Monicelli, produzido em 1963, sobre as lutas operárias na cidade de Turim, Itália, na virada do século XIX. E é sobre esta belíssima obra que nos juntamos ao grande Editor e publicamos também o seu editorial no qual ele recorda de quando viu o filme em Nova York nos começos do ano seguinte ao de 1963, assim como de sua participação daquele encontro na Faculdade de Direito. (Jota A. Botelho).



Lutas vãs

Por Mino Carta (Em maio de 2015)

A religião do deus mercado nos devolve às vicissitudes do passado e aprofunda a desigualdade. E os trabalhadores? Que se moam
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Um filme muito tocante ao contar uma história de operários explorados é I Compagni, Os Companheiros, de Mario Monicelli, um dos top ten da minha lista pessoal de diretores de cinema. Monicelli desenrola seu enredo em Turim, final do século XIX, onde a industrialização avança para o enriquecimento dos industriais e o esforço brutal dos trabalhadores obrigados a 14 e mais horas de trabalho diário.
A seu modo, uma peça épica sobre a luta operária, e nela trafega o pregador profissional de revolta, um Marcello Mastroianni anarcossindicalista, de barba e chapéu. Ficção atada solidamente a episódios e personagens autênticos de um tempo distante. Obra de 1963, a que assisti em Nova York nos começos do ano seguinte, em um dos dias de um estágio na Time-Life. Quando a palavra fim estampou-se sobre a tela, o público que lotava a sala ergueu-se e bateu palmas. Era mesmo uma história empolgante.
Quando penso nos efeitos inevitáveis da terceirização, e do precariado já instalado, me ocorre recordar o filme de Monicelli. Aquele industrial e aquele operário sumiram de vez, está claro, bem como os cenários em que se agitavam. Habitamos um mundo metamorfoseado pelo galope da, em mutação constante. Terceirização e precariado andam inexoravelmente na contramão, representam um amplo passo atrás a nos devolver a um passado de roupa nova, paradoxalmente sintonizado com o presente e, no entanto, capaz de reproduzir aqueles tormentos e vicissitudes.
O fenômeno não é exclusivamente brasileiro. É global, nesta nossa Terra sempre incapaz de dar guarida aos seus santos, como diria Bernard Shaw. A progride juntamente com a irracionalidade. E com a prepotência de um sistema que aprofunda o abismo entre ricos e pobres. O mal está diagnosticado, sua evidência, aliás, é insuportável, mas os poderosos do mundo recusam-se a aviar a receita óbvia para reconduzir a humanidade em peso ao domínio da razão. Não a consideram do seu interesse.
A regra imposta pelo credo neoliberal, a religião do mercado, privilegia a especulação, humilha a produção e penaliza inexoravelmente o trabalho. Inescapável reflexão, nuvem preta a ensombrecer o dia 1º de Maio. Pergunto aos meus melancólicos botões quantos empresários nativos já aderiram alegremente ao rentismo. Suspiram: muitos, muitos...
De paletó abotoado e gravata, na noite de terça 28 fui à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco que em tempos remotíssimos frequentei como estudante, para participar do encerramento de um ciclo de homenagens ao professor Fábio Konder Comparato. Tratou-se, de fato, de uma aula magna ministrada pelo mestre, sábio elegante e desassombrado. Ele próprio supõe-se pessimista, mas não concordo: formula até um plano para redimir o Brasil. A longo prazo, admite, destinado, porém, a mobilizar a sociedade civil e a quebrar de vez a espinha da oligarquia. Eu não consigo imaginar este dia radioso, sequer contamos com os sans culottes.
Autorizado a tomar a palavra, declarei-me aluno do homenageado, e feliz por isso, ao perceber todo o peso da herança de três séculos e meio de escravidão, pelo qual continuam de pé a casa-grande e a senzala, e se quisermos, os sobrados e os mocambos, presentes nas nossas metrópoles. De todo modo, sem padecer da mesma herança, o resto do mundo também sofre o mal da desigualdade, cada vez mais monstruosa, fiel do Moloch neoliberal, entregue à oligarquia das multinacionais que mandam mais, infinitamente mais, do que os governos nacionais.
Receio que para piorar a nossa situação, e apesar das suas inesgotáveis potencialidades, mas com a agravante do seu atraso largamente demonstrável, o Brasil já se adéque ao viés global.  -  (AQUI).

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Enquanto isso, no Brasil de 2017, persistem as mazelas históricas e, para ensombrecer o dia 1º de Maio, os trabalhadores não poderão - conforme decisão judicial de ontem, 29, atendendo a pedido formulado pela prefeitura de São Paulo - promover o ato comemorativo há dias programado para realizar-se na Avenida Paulista. Surrealismo é por aí.

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