domingo, 2 de abril de 2017

O MASP E OS ILUSTRES VISITANTES


Machado de Assis e Carolina visitam o MASP num dia festivo

Por Sebastião Nunes

– É, para mim, motivo de especial satisfação inaugurar este magnífico Museu de Arte – arengou a rainha Elizabeth II, em seu discurso de inauguração da nova sede do MASP, em 8 de novembro de 1968. 

E continuou: 

– A sua beleza, simplicidade e a perícia com que foi construído tornam-no mais um impressionante exemplo do espírito de iniciativa dos paulistas.

Os convidados aplaudiram com entusiasmo, excelentes puxa-sacos que eram. Todo sorrisos, o príncipe Filipe examinava com prazer as paulistanas bonitas.

A rainha esperou alguns instantes e continuou:

– Sinto-me feliz também em pensar que ele abrigará uma coleção de quadros de um dos mais ativos e generosos embaixadores que jamais foram à Corte de St. James: o doutor Assis Chateaubriand.

Mais aplausos, gritos de viva e hurra. Nova pausa, que a rainha aproveitou para notar que paulista rico não é muito diferente de italiano rico. Só mais gordo e, com certeza, um tanto acaipirado. Então ela encerrou:

– Lembro-me muito bem de seu espírito e estuante (forte, dinâmica) personalidade e todos sentimos, profundamente, que ele não esteja conosco neste dia. Aos paulistas desejamos, meu marido e eu, felicidades e prosperidade. É com grande prazer que declaro inaugurado este Museu.

O prefeito aproximou-se, cercado dos secretários e dos mais ilustres representantes da elite paulistana. Alvoroçados, os jornalistas credenciados brigavam por espaço. Centenas de fotos registraram o momento sublime.

E EU, POR QUE NÃO?
Infelizmente, o idealizador, principal mecenas e grande responsável pelo que ali se via, batera as botas pouco antes. Vítima de trombose desde 1960, o velho Chatô passara os últimos anos numa cadeira de rodas, babando na gravata, mas dando ordens com a energia de sempre. Mesmo no Inferno, continuava arrotando valentia.
– Exijo minha liberdade! – berrou o vivíssimo fantasma, de proeminentes e agudos chifres, brandindo o punho na direção de Lúcifer, que apenas sorria.
– Nã-nã-não – disse ele, o Rei-dos-Capetas. – Daqui ninguém sai, nem com ordem escrita do Chefão-Lá-de-Cima. Ainda mais com chifres desse tamanho.
– Mas eu sou a vida do MASP! Eu tive a ideia, eu consegui os recursos, eu contratei arquitetos e engenheiros, eu convenci o doutor Pietro a dirigir o museu, eu contratei a mulher dele, Lina, para desenhar o projeto. Tudo eu!
– Tem mais algum eu? – perguntou Lúcifer, alisando a ponta da barbicha.
– Claro que tem! – continuou berrando Chatô. – Fui eu que aproveitei a penúria dos europeus para comprar tanta obra-prima a preço de banana. Fui o grande espertalhão, o maior de todos os aproveitadores da miséria europeia.
– Quanta arrogância – disse o Capetão, balançando a cabeça. – Como se fosse verdade e vantagem. Você não passou de uma gota d’água no oceano de barbaridades cometidas pelos ianques. Uma gotinha minúscula e ridícula. Sem chifre, na época.
O fantasma do velho Chatô começou a chorar, de raiva e impotência. “Isso não fica assim”, pensou ele. “Viro o Inferno de pernas pro ar, mas assim isso não fica.”

E NÓS, POR QUE SIM?
Convidados pelo diretor Pietro Maria Bardi, Machado de Assis e Carolina foram recebidos por Lina Bo Bardi na entrada no museu.
– Sintam-se em casa – disse ela. – Qualquer dúvida ou esclarecimento é só passar na minha sala. Mas prefiro deixá-los à vontade nesta primeira visita. Tem gente demais por aqui hoje e prefiro não aparecer.
Enquanto Lina se afastava, os fantasmas de Carolina e Machado olharam em volta. Enterrados há décadas, mal entenderam o convite para a inauguração da nova sede. Nem ao menos conheciam São Paulo, exceto de ouvir falar. Enquanto vivos, era apenas uma província desprezível. Teria melhorado?
Sorte deles é que estavam fantasiados de paulistanos modernos. E sem auréolas, pois viviam (sic) no Purgatório, condenados a cinco bilhões de anos como penitência por falar mal da vida alheia. Carolina, naturalmente, era cúmplice.
– Carol, você está pensando o mesmo que eu? – interrogou Machado depois de pensar que diabo estariam fazendo ali.
– Talvez – respondeu Carolina. – Talvez queiram que, lá de casa (sic), você escreva uma biografia desse tal Assis Chateaubriand. Você escreveu tantas em seus romances, e tão bem, que pode ser uma biografia, tipo a do Brás Cubas.
– Se for isso, está danado – disse Machado. – Não ouviu a rainha dizer que ele não está mais entre os vivos? E se está morto, só pode estar no Inferno.
– Deve estar mesmo – ponderou Carolina.
– Nesse caso, o melhor a fazer é cair fora. No Inferno é que não boto os pés. Chega o inferno que foi viver cá na Terra.
E se bem disse melhor fizeram: imediatamente, sem se despedir, os dois fantasmas desapareceram silenciosamente. (Fonte: Jornal GGNaqui).
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O MASP é um senhor legado, e Assis Chateaubriand tem a ver com isso. E quem foi o velho Chatô, paraibano de Umbuzeiro? Fernando Morais oferece alentada resposta em:
.Chatô, o rei do Brasil
.Editora Companhia das Letras
.736 páginas
.Lançamento: agosto de 1994
Apresentação: "Depois de vender mais de meio milhão de exemplares de seus livros A ilha e Olga, no Brasil e em mais de quinze países, Fernando Morais volta às livrarias com Chatô, o rei do Brasil - a história da vida vertiginosa de um dos brasileiros mais poderosos e controvertidos do século XX.
Dono de um império de quase cem jornais, revistas, estações de rádio e televisão - os Diários Associados - e fundador do MASP, Assis Chateaubriand, ou apenas Chatô, sempre atuou na política, nos negócios e nas artes como se fosse um cidadão acima do bem e do mal. Mais temido do que amado, sua complexa e muitas vezes divertida trajetória está associada de modo indissolúvel à vida cultural e política do país entre as décadas de 1910 e 1960, magistralmente recriada neste Chatô, o rei do Brasil."

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