sábado, 25 de fevereiro de 2017

DEPOIS DA MORTE DO HUMANISMO


O Humanismo está morto. Viva o Individualismo à Brasileira!

Por Sebastião Nunes

Socratião, expulso a vassouradas por Xantipa, reuniu-se na Ágora com seus parças para mais uma sessão de papo furado e bebedeira: Platião, Fedontião, Antistião e Cebestião. Seu maior pobrema (como dizem os mineiros) era compreender os sofismas usados pela Estupidez para virar o país de cabeça para baixo, botando o Individualismo em cima e o Humanismo embaixo. Difícil de entender? Por isso tantos sabichões sebastiúnicos reunidos na Ágora onde, apesar da balbúrdia, era possível pensar. Não dava para pensar era com Xantipa na cola, brandindo aquela horrorosa bassoura (como diziam os antigos) de bruxa malvada.


LIVRO SEXTO
            Depois de provar uma caneca de cicuta adoçada com hidromel, estalar a língua e exclamar “deliciosa bebida!”, disse Socratião a seus discípulos:
            – Certo filósofo contemporâneo, cujo nome esqueci, afirmou que a oposição Individualismo x Coletivismo começou pra valer durante a Revolução Francesa, aquela que tornou famoso o funk “adoro-cortar-pescoço-e-nunca-me-canso-de-cortar-pescoço”.
            – Concordo – disse Platião. – Durante a época coletivista, se você cortava a cabeça de mil indivíduos, era como se cortasse uma única cabeça. Já na época do individualismo, se você corta mil cabeças desprovê de cabeça mil indivíduos. E não dá pra ser feliz com mil cabeças berrando na sua cabeça.

LIVRO SÉTIMO
            – Vejamos se entendi – disse Fedontião. – Se eu corto a cabeça de mil baratas, tontas ou não, é como se cortasse uma única cabeça, segundo o coletivismo.
            – Exato – concordou Platião. – Desse modo ficam seis mil perninhas de baratas tremelicando no ar, pois as baratas morrem de patas para o ar. Porém a cabeça que estrebucha é apenas a porta-voz genérica das mil cabeças.
            – Então – continuou arengando Fedontião. – se eu corto a cabeça de dez mil trabalhadores, empregados ou desempregados, é como se cortasse uma única cabeça.
            – Exatamente – concordou mais uma vez Platião –, já que para nós, aristocratas individualistas, não existe indivíduo operário, mas apenas o coletivo operário.
            Socratião piscou para Antistião e Cebestião que, compreendendo de imediato o mandado, saltaram sobre Platião, amarrando-o, amordaçando-o e atirando-o da rocha Tarpeia, (Para mais detalhes sobre essa rocha famosa, cf. a História de Roma.)

LIVRO OITAVO
            Enquanto rolava tão erudito papo, Aristotião, que perambulava pelo Capitólio paquerando a virgem vestal de plantão, chegou correndo e sem fôlego:
            – Valha-me, meu bom Socratião! Acabo de ver 11 abutres devorando 10 gansos sagrados à beira do lago!
            – Coitados – disse Socratião, condoído. – Isso quer dizer que um abutre vai ficar sem comida, já que repartir não é com eles. Mas você está certo de que eram abutres?
            – Certíssimo – obtemperou Aristotião. – São uns passarões compridos, de bico recurvo, olhos cintilantes e, principalmente, envoltos numas compridas penas pretas.
            – Ora, meu caro, não seja simplório – ripostou Socratião. – Esses aí não são abutres. O que você viu foi ministros do STF devorando o povo brasileiro.
            – Ah, bom, que susto! – acalmou-se Aristotião. – Bem que achei esquisito abutre de calça e botina. Isso, fora dois ou três deles, não lembro bem, que em vez de bonita, digo, botina, estavam calçados com sapato preto de bico fino e salto alto. Por conta disso imaginei que fossem abutres fêmeas.

LIVRO NONO
            – Imaginaste bem, meu caro Aristotião – referendou Socratião. – Data vênia, digo que são abutres fêmeas, tanto quanto os demais são abutres machos. A voracidade é a mesma, uma vez que estômago não possui a forma feminina.
            – Não querendo me intrometer, mestre – disse Platião que, a duras penas, havia galgado a rocha Tarpeia –, mas não era proibido comer os gansos sagrados?
            Socratião olhou demoradamente o pobre do Platião. De fato, tratava-se de caso raríssimo de sobrevivente de uma queda da rocha Tarpeia. Faltavam-lhe, contudo, a perna direita, o braço esquerdo, metade do crânio, um olho, meia narina e meia boca. E ainda assim conseguia falar. Parecia, em suma, um brasileiro preto e pobre.
            Sem nada dizer, Socratião piscou para Antistião e Cebestião que, apoderando-se de Platião, atiraram-no novamente da rocha Tarpeia, decididos a liquidar o estorvo.

LIVRO DÉCIMO
            Sentados de pernas cruzadas e mãos entrelaçadas à moda iogue, permaneceram silentes os ilustres sábios. Sim: a rocha Tarpeia era uma metáfora do Brasil. Sim: os gansos sagrados eram uma metáfora do povo brasileiro. Não: os abutres não eram metáfora de coisa nenhuma: eram realmente os ministros do STF.
            Socratião suspirou fundo, bebeu mais uma caneca de cicuta adoçada com hidromel, estalou a língua exclamando “deliciosa bebida!”, e arengou bem alto, de modo que todos os agourentos da Ágora o ouvissem:
            – Em rio que tem piranha, jacaré nada de costas.
            Referia-se a este angu de caroço em que estamos metidos. Referia-se a esta rocha Tarpeia na beira da qual estamos suspensos por um fio de cabelo. Referia-se a esta comédia em que se transformou o palco iluminado de nossas vidas.
            E deitou de costas, já que era sábio e de besta não tinha nada.  -  (Fonte: AQUI).

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