quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

A BASE PODRE DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL


A base podre da dívida pública federal

Por André Araújo

A ação civil publicada abaixo foi por mim redigida para tentar cancelar a troca de 48 dívidas de estatais, a maioria fechada ou extinta, por NTN Série C, Notas do Tesouro Nacional, papéis de curto prazo equivalentes a dinheiro vivo, de liquidez imediata, papel nobre do Tesouro Nacional.
Esses papéis "podres" no valor na época de R$14 bilhões de Reais tiveram sua troca autorizada por uma simples portaria da Secretaria do Tesouro Nacional, a Portaria 483 de 23 de janeiro de 1999, cuja manifesta ilegalidade demonstrei na petição. A base legal da portaria era nenhuma, mas a troca significou um espetacular negócio para os detentores das dívidas de estatais, (que incluíam) Rede Ferroviária Federal,  Instituto Brasileiro do Café, Instituto do Açúcar e do Álcool, SUNAMAN (Superientendência da Marinha Mercante), Cibrazem, Interbras etc, porque essas dívidas eram, em muitos casos, de má origem, discutiveis, caso especialmente da SUNAMAM, eram duplicatas pela venda de navios e nunca tinham a qualidade de um papel emitido e garantido pela União, como são as NTN.
Trocar esses títulos ruins por NTN deveria ser um negócio tão espetacular que, para começar, necessitaria (abatimento) de, no minimo, 60%, daí para mais. No entanto o desconto médio ficou em 10%, e algumas dívidas não tiveram desconto algum.  Esse valores devem ser relativizados com a dívida pública da época, que era ínfima. Hoje, com a progressão geométrica de juros Selic compostos sobre esse valor inicial, em 1999, de R$14 bilhões, se chegaria a um valor equivalente a 11% da dívida pública federal, ou seja R$300 bilhões.
Por que a ação não foi proposta? A ideia da ação foi minha e o Partido proponente seria o partido de um grande amigo, o ex-Deputado Federal Dorival de Abreu, cassado em 1968 e exilado politico, que depois foi um dos refundadores do PTB, cuja Executiva paulista comandou como presidente por muitos anos.
Depois de pronta a ação, que me exigiu um bom trabalho de pesquisa em Tribunais por onde essas dívidas tinham corrido, o meu amigo achou que a Ação não teria chances porque o grupo político-econômico da época era totalmente dominado pelos economistas do núcleo duro do "Real" e a ação simplesmente não iria andar, o primeiro parecer deveria ser da PGR, cujo controle era do Planalto, e além de não ganhar a ação o Partido iria sofrer a ira do Governo, que poderia fazer retaliações pelo incômodo causado.
Ao pesquisar os processos e a Portaria 483, vi que a base legal da conversão de dívidas ruins em NTN era fragilíssima. Uma das razões apresentadas pelo Secretário do Tesouro Nacional era ridícula. Dizia ele que era melhor concentrar todos os vencimentos de 48 dívidas na mesma data. Ora, um devedor sempre prefere vencimentos espaçados em datas diferentes a jogar toda a dívida em um só vencimento, é principio básico de administração de dívidas: quanto mais vencimentos mais chances de manobrar a dívida, a concentração é ruim para o devedor, tudo o que a STN fez parecia ser bom para o credor e não para a União, da qual a STN era parte.
Nos bastidores todo o mercado financeiro sabia que essas dívidas tinham sido compradas por bancos de investimento que obviamente sabiam que elas seriam trocadas por NTN; as piores para receber eram as duplicatas da SUNAMAM, que foram parar quase todas no Banco Bozzano Simonsen. Essas duplicatas eram emitidas por estaleiros e tinham o aceite da Sunamam, era uma barafunda legal, o risco de calote era imenso. Os principais bancos de investimento da época, especialmente os do Rio de Janeiro, nadaram de braçada nesse negócio, comprando dos fornecedores dos estaleiros na bacia das almas.
Quando se fala em Petrolão e o Prof. Villa diz ser o maior roubo da História, seria bom ele fazer as contas em juros compostos (sobre o) quanto hoje valem os R$14 bilhões de 1999; chegará fácil a mais de R$ 300 bilhões, que deixam longe os R$ 2 ou 6 bilhões do Petrolão que tanto o incomodam.
Não havia nenhum motivo de interesse nacional para o Tesouro recompensar os credores dessas 48 dívidas. Muitas delas eram de origem discutível, de transações suspeitas e mal cheirosas, as tais 'duplicatas' aceitas pela SUNAMAM eram vistas no mercado como "papel de padaria", de péssima reputação. O Tesouro não tinha nenhum motivo para acertar a vida desses credores de forma tão vantajosa. O Secretário acabou inventando que era bom porque "ajudaria a formar uma curva de juros", mero lero lero, não se faz um negócio tão ruim para uma possível expectativa futura que ninguém pode comprovar ou cobrar, todas as desculpas foram esfarrapadas e não colaram.
É preciso ter em conta o pano de fundo da política econômica da época, inteiramente conduzida pelo "financismo": todas as equipes dos Ministérios econômicos eram ligadas ou depois se ligariam a bancos de investimento, do Banco Central mais ainda, o ambiente era inteiramente pró-bancos e pró-mercado; realmente essa Ação Civil Pública poderia causar desconforto, mas, com escassa chance de vitória, seria arquivada porque era contra a lógica econômica da época, mas foi realmente um dos maiores negócios "da China" da história econômica brasileira.
Quando se pretende explicações sobre como a dívida pública chegou a 70% do PIB, pode-se ter várias explicaçoes, abaixo está apenas uma delas. (...)
(Para continuar, clique AQUI).

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O leitor se inteira de episódios como o acima relatado e põe-se a pensar nas iniciativas desenvolvidas por Maria Lúcia Fattorelli, auditora aposentada da Receita Federal e fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida Pública - AQUI -, que inspirou proposta de auditoria da dívida pública com participação de entidades da sociedade civil,  incluída no Plano Plurianual (PPA 2016-2019), por meio de emenda do Deputado Edmilson Rodrigues (PSOL/PA), acatada pela Comissão de Finanças e Tributação, que é o principal Órgão Colegiado da Câmara dos Deputados sobre o orçamento público. Dita proposta resultou VETADA pela Presidência da República, conforme se pode ver AQUI.

Segundo o DIVIDÔMETRO, de janeiro a novembro de 2015 a dívida pública consumiu R$ 958 BILHÕES DE REAIS, valor correspondente a 46% do gasto federal nos onze meses considerados! É o que se pode chamar de sangria descomunal de um País.

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