quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O SOM AO REDOR: ECOS DA ERA LULA

Cena de "O Som ao Redor".

Filme pernambucano está entre os dez melhores de 2012, segundo o The New York Times


"O Som ao Redor”, do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, foi incluído na lista dos dez melhores filmes de 2012 pelo “The New York Times”. O filme é uma crônica sobre a nova classe média brasileira.

O jornalista Marcelo Miranda entrevistou o diretor para o jornal “Valor”, matéria reproduzida pelo blog de Ailton Medeiros, que transcrevemos a seguir:

Há algumas semanas, o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho ouviu a história de uma senhora de classe média que ficou enfurecida com a empregada doméstica, que tinha adquirido um fogão caro. “Se você mal tem dinheiro para alimentar seus filhos, como é que compra um fogão melhor do que o meu?”, perguntou a senhora. “Se eu tivesse ouvido isso quando fazia meu filme, teria colocado no roteiro”, afirma Mendonça Filho.

É desse tipo de choque social que trata “O Som ao Redor”, primeiro longa de ficção do diretor de 44 anos, que estreia amanhã. Ao longo de um ano, o filme percorreu 36 festivais, iniciando em Roterdã, de onde saiu com o prêmio da Federação Internacional dos Críticos de Cinema (Fipresci), e passando por Gramado, onde venceu em direção, som, júri popular e júri da crítica.

O filme já foi exibido em espaços tão díspares quanto o State Theatre em Sydney, na Austrália, numa sessão para 1.500 pessoas, e o Corpo de Bombeiros de Sarajevo, na Bósnia, a 500 espectadores. O diretor tinha dúvidas sobre a reação de estrangeiros a uma crônica urbana cujo cenário é o bairro de Setúbal, onde o próprio cineasta mora, no Recife. Mas o filme tem colhido elogios. A primeira longa reportagem internacional sobre a produção, escrita por Larry Rohter para o “The New York Times”, em agosto, exaltava o fato de ela lidar criticamente com as consequências das transformações sociais no Brasil desde o começo do governo Lula, em 2003.

“Um bom filme, ou uma boa crônica, livro ou roteiro, faz o retrato artístico de seu tempo. Lula representou uma grande mudança. A postura, o jeito de falar, a forma como tratou as classes mais baixas, tudo isso trouxe um respeito muito grande e fez com que os mais pobres aprendessem a não baixar mais a cabeça”, diz Mendonça Filho.

O diretor já tinha feito um comentário ironicamente nostálgico sobre o boom econômico do Plano Real no curta “Eletrodoméstica” (2005), cuja premissa partia da constatação de que o consumo havia se tornado o grande fetiche no país. Rodado em 2010 com orçamento de R$ 1,86 milhão, “O Som ao Redor” se sustenta numa outra fase de mudanças da pirâmide social.

O enredo acompanha o cotidiano de vários personagens em contato uns com os outros no bairro onde residem. O estopim é a chegada de um grupo de vigilantes que oferece serviços de segurança aos moradores. Liderados por Clodoaldo (Irandhir Santos), esses homens guardam alguns mistérios, vários deles relacionados a Francisco (W. J. Solha), dono de quase todos os imóveis na rua e autêntica reencarnação dos latifundiários que delimitam as terras brasileiras.

A ideia original era fazer a exata transposição de um engenho de cana dos séculos XVI e XVII para a rua de uma cidade moderna do século XXI. “Tem as casas dos vassalos, a casa-grande [representada por um apartamento de cobertura], os empregados, os subalternos, os capatazes, os jagunços. Tudo, de certa forma, camuflado na atual realidade”, conta o diretor.

Crítico de cinema por 12 anos (o que o motivou a fazer o documentário “Crítico”, lançado em 2011), Mendonça Filho quis misturar a consciência dos novos tempos ao ambiente de conflitos característico do faroeste, com tons de suspense. “Filmes e livros narrativos precisam ter como base a tensão de elementos díspares se enfrentando o tempo todo. Em ‘O Som ao Redor’, tudo aparenta ser muito normal e mundano, mas os enquadramentos, a linguagem, o tratamento do material não são mundanos.”

O diretor se refere à atmosfera de opressão do filme. “O medo faz parte da vida da gente, mesmo os menores temores, como falar com um chefe com quem você não se dá bem ou encostar o carro numa rua que não é pacífica. O medo é cinematográfico e fotografa muito bem”, afirma. Apesar do temor que emerge das cenas de “O Som ao Redor”, nada de trágico acontece até os instantes finais – o que não impede que haja um mundo de pequenas ações sendo desenvolvidas pelos personagens em vivências aparentemente banais.

Para transmitir a sensação de mundo em movimento, a equipe se ateve ao som. De posse das 50 horas de sons gravados durante e depois de seis semanas de filmagens, o diretor diariamente se sentava por meia hora para ouvir o material. “Uma cena mostrava dois caras falando, mas na verdade eram dois caras falando e um cachorro latindo. As coisas acontecem no primeiro plano, e o som permite que o espectador perceba o entorno. Isso porque o som é prova de vida, é mal-educado, entra pela janela e incomoda.”

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NOTA: Além de incluído entre os dez mais pelo The New York Times, O som ao redor foi eleito o segundo melhor filme de estreia de 2012 pela crítica do site Indiewire, o veículo mais importante da internet especializado em cinema independente.

Para eleger os melhores, o Indiewire reuniu 204 críticos de cinema. Indomável Sonhadora, do cineasta Behn Zeitlin, ficou em primeiro na lista.

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ATUALIZAÇÃO EM 16.01.13

Na noite de ontem, O Som ao Redor foi eleito o melhor filme latino-americano pelo júri da terceira edição do Prêmio Cinema Tropical, entregue na sede do jornal "The New York Times". (Fonte: aqui).

2 comentários:

Anônimo disse...

Dodô
A importancia de seu blog pra mim é enorme, incomensuravel. Como nossa midia está censurando, se não fosse você não tomaria conhecimento do filme. Que sem dúvida alguma desagrada ao pensamento da Folha, Globo e Estadão.Penso que eles não comentarão e muito menos divulgarão o filme em seus cadernos de m... cultural.
abraço grato
joão antonio

Dodó Macedo disse...

Caro João,

Não acompanho assiduamente os cadernos culturais da Folha, O Globo e outros da grande mídia. Pode até ser que tenham publicado algo sobre o assunto, mas a minha impressão coincide com a sua: os grandes veículos de fato sonegam informações sobre coisas positivas dos governos Lula e Dilma, ou, se divulgam, sempre inserem críticas, tipo "o desemprego caiu, mas...". Como diria o outro: faz parte.

Um abraço.