quinta-feira, 13 de novembro de 2025

ENVELHECER NO BRASIL


"Parece que o tempo corre diferente em momentos distintos de nossas vidas. Quando somos crianças e jovens e até mesmo em certa fase da vida adulta ele parece passar mais lentamente. Mas, a partir de um certo momento, quando nos damos conta de que a velhice chegou e ela vem para ficar, a velocidade do tempo parece se acelerar. Há até estudos que mostram esse fenômeno.

Ainda “outro dia”, em dezembro de 2006, eu completava 50 anos. Comemoração modesta, com a filha amada, praticamente recém-formada, a ex-esposa e grande amiga, uma cunha' (já falecida), a mãe saudosa e um grande amigo. E só isso. Época de festas simples e modestas. Mas hoje, já me dou conta que estou prestes a completar (...) 70 anos! (em dezembro do ano que vem). E lá se vão quase 20 anos. Que passaram como um jato.

A vida não tem sido fácil. Imagino que para a maioria do povo brasileiro. Até sinto-me privilegiado por ter conseguido me formar, fazer um mestrado, tornar-me professor universitário. Sempre com dois empregos e ambos fora da cidade em que escolhi para morar e em que constitui família – Campinas (trabalhei 30 anos em São Paulo e 22 anos em Piracicaba na Unimep).

Não posso reclamar. Completarei 69 anos dia 22 de dezembro próximo. Com uma saúde boa no geral, ainda que tenha tido muitos sustos ao longo da vida, sempre salvo pela ciência. Tomo todos os cuidados de praxe e as medicações recomendadas pelos médicos. Sei bem que as mulheres vivem mais porque se cuidam, vão mais aos médicos. Também faço isso. Não descuido da saúde. O segundo casamento me presenteou com uma esposa que zela pelos meus hábitos alimentares e não descuida desse aspecto de nossa vida.

Não sei se envelhecer em um país como o Brasil pode ter um padrão geral. É provável que não. Imagino que a imensa maioria dos e das idosas vive com maior dificuldade com as quais eu me deparei com as quase sete décadas de vida que levei até agora. A imensa maioria dos idosos depende quase que exclusivamente do Sistema Único de Saúde – SUS, um dos melhores do mundo diga-se de passagem.

No entanto, por circunstâncias de vida e profissionais, sempre pude ter acesso ao sistema complementar de saúde, que é um sistema privado de saúde. Que não cuida da saúde na verdade, pois eu só procuro os médicos quando me encontro doente. Minha saudosa mãe, que faleceu em junho passado aos 91 anos, era paciente do SUS. O sistema cuidava de verdade de sua saúde. Ligavam para nossa casa alertando quando ela deveria comparecer ao posto para as consultas de rotinas etc.

Trabalho desde os 21 anos. Como filho egresso de uma família de classe média (baixa), ingressei tarde no mercado de trabalho. Aposentei-me tarde também. Ao todo trabalhei 41 anos. Mas penei para comprovar 35 anos de recolhimento previdenciário. Nessas mais de quatro décadas trabalhadas houve 72 meses de “buracos” sem recolhimentos. Descuidos de um jovem à época que não pensava que um dia o futuro chegaria e aqueles meses fariam muita falta no futuro.

Envelhecer no Brasil é ser também avô. E acho que fui avô mais ou menos no tempo certo. Aos 58 anos minha filha me presenteou com meu primeiro neto e quatro anos depois veio o segundo, hoje ambos com 12 e 8 anos respectivamente. Adoráveis e inteligentes crianças. Leitoras vorazes como a mãe e o avô. Adoram a minha imensa biblioteca e todas as semanas quando vêm à nossa casa ou vou na deles, me mostram a página em que se encontram os livros que estão lendo naquela semana. São motivos de muito orgulho de nossa pequenina família. 

Não criamos nossa filha sob nenhuma religiosidade. Nenhuma mitologia ou divindade esteve presente em sua vida até o tempo em que ela dependia dos pais para a formação de sua consciência. Depois que ela “levantou seu próprio voo” as escolhas mudaram de posição, ainda que eu sinta que nunca tenham se alterado substancialmente.

Isso vale para a minha vida pessoal. Desde meus 18 anos, quando me tornei comunista e abracei o materialismo dialético como filosofia de vida e o materialismo histórico como forma de análise da sociedade, não tive a absoluta necessidade de religiosidade em minha vida cotidiana. Ao contrário, tenho feito de minha existência uma vida de estudos, leituras e pesquisas sobre os mais diversos ramos da ciência. Orgulho-me de minha biblioteca de ter 22 áreas de conhecimento entre os mais de 10 mil livros que já adquiri nestes 50 anos acumulando esse objeto de desejo cotidiano.

Por fim, sei que nem todos os que envelhecem registram suas vidas e seus momentos históricos em que se situam nas sociedades em que estão inseridos, mas sempre escrevi e registrei fatos e dados. Publiquei centenas, talvez milhares de pequenos artigos, ensaios em dezenas de órgãos. E, de 2003 para cá, eis que me vi um escritor, já agora com 23 obras publicadas, algumas como organizador, outras como coautor. E assim pretendo terminar meus dias neste planeta até o momento que retornarei à poeira cósmica de onde todos viemos.

Não sabemos o dia de amanhã. A única coisa que sei é que a senda do envelhecimento é imparável. Na parede de um dos corredores de casa tem foto de minha mãe bebê, minha foto nessa condição, da minha filha e dos meus netinhos. Tenho fotos de meus avós, pais. O envelhecimento é inevitável e todos devemos estar preparado para isso.

Por certo gostaríamos de viver mais e em condições melhores, com mais saúde. No meu caso, o viver mais é para seguir lutando pelos mesmos ideias que abracei quando jovem com 18 anos que continuam vivos e bastante acesos em mim, cuja chama espero que jamais se apague, quais seja, de termos uma sociedade justa e igualitária, o socialismo e o poder proletário implantado no país. Além disso, sonho em escrever ainda muitos e muitos livros. Ou pelo menos conseguir publicar os pelo menos cinco que já estão prontos e não existem recursos disponíveis ainda (rsrsrs).

Gostaria que a imensa maioria dos e das idosas de nossos Brasil pudessem ter a oportunidade de envelhecer como eu tive. Nunca foi um mar de rosas. Sempre endividado, fazendo empréstimo (era freguês do penhor da Caixa...). mas, felizmente, conseguimos superar tudo isso. Formamos uma filha excepcional, um exemplo de cidadão, de profissional como advogada e como mãe. 

Uma família consciente politicamente. E uma segunda esposa, além de linda, também combativa e profissionalmente muito competente. Envelhecer assim, rodeado de pessoas conscientes e amáveis, e cercado por livros e pregando pelos canais do YouTube a Revolução Socialista todos os dias não é o que todos queríamos?"


(Do professor Lejeune Mirhan, crônica sob o título em destaque, publicada - Aqui - no consagrado site Brasiil 247.

PARABÉNS, PROFESSOR!).

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