quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

SOBRE O FILME 'O PERDÃO'

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A Verdade Como Coisa Complexa


O PERDÃO

Por Carlos Alberto Mattos

A rigidez dos costumes e das práticas judiciárias no Irã fornece ao cinema do país um manancial de temas e injunções aparentemente inesgotável. Daí que os filmes iranianos se esmerem no tratamento de questões ligadas à ética social e pessoal, tais como culpa, mentira, calúnia, transgressão, perdão. Mais um exemplo brilhante disso é O Perdão (Ghasideyeh gave sefid).

O filme se baseia livremente na história real do pai da codiretora e atriz principal, Maryam Moghadam, executado por se opor ao regime, e de sua mulher, que lutou para se defrontar com os juízes que o condenaram. Maryam interpreta Mina, uma operária cujo marido é levado à forca por um crime que ele próprio foi induzido a acreditar que cometeu. Um ano depois, as autoridades concluem que o assassino não era ele, mas uma das testemunhas. Mina, então, quer algo mais que a reparação financeira. Quer olhar nos olhos dos juízes, pois a simples explicação de que tudo é a vontade de Deus não a satisfaz.

Para além do tema judiciário e do questionamento da pena capital, o filme de Maryam e seu marido, Behtash Sanaeeha, usa de sobriedade e síntese para criar o retrato de uma mulher sozinha e suas dificuldades para levar a vida numa sociedade onde o feminino está sempre sob suspeita. Com a filha surda tendo problemas na escola, a família do marido tentando tirar-lhe a guarda da menina e vizinhos condenando suas atitudes, Mina acaba aceitando a ajuda de um homem que se lhe apresenta como um velho amigo do marido. Esse sujeito taciturno e excepcionalmente generoso vai ditar os rumos de mistério e depois suspense do filme – até um desfecho dúbio, escrito provavelmente como forma de amenizar o teor chocante de uma cena que me lembrou a sequência do copo de leite possivelmente envenenado do hitchcockiano Suspeita.

A concessão do perdão, que inspirou o título em países latinos, fica na berlinda em várias instâncias do filme. Mas o título original se traduz como “A Sura da Vaca Branca”, referindo-se a um determinado capítulo do Alcorão. Nele, fala-se do episódio em que os judeus solicitaram a Moisés que rogasse a Deus para que Este lhes revelasse o verdadeiro culpado de um homicídio, e a comunidade pudesse, assim, isentar-se de culpa. 

Na saga de Mina, mulher em busca de reparação moral e também de uma nova chance no amor, a verdade se mostra como coisa complexa, que alivia consciências mas também produz dor e crueldade.

Para saber mais sobre o pano de fundo do filme e boas observações quanto a sua construção, sugiro a leitura deste texto de Ivonete Pinto.  -  (Fonte: Blog Carmattos - Aqui).

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