domingo, 18 de agosto de 2019

SOBRE GUERRA CRIPTOGRAFADA E TROLAGEM

Para que se tenha uma ideia do que ocorre no chamado mundo exterior, enquanto a Grande Corporação opta por ignorar solenemente os desmandos divulgados pelo site The Intercept Brasil, sob o providencial 'argumento' de que a avalanche continuada de malfeitorias reveladas pode ter sido fruto de criminosa manipulação (vejam só!).

Guerra criptografada: capas da Piauí, temores da Globo e Miriam Leitão e trolagem do livro em branco 
Por Wilson Ferreira (No Cinegnose)
Editorial de “O Globo” acusa que Bolsonaro é um “risco para o País”. Ao mesmo tempo, para a jornalista Miriam Leitão, Bolsonaro é um “empecilho para a retomada econômica”. A capa da revista Piauí satiriza os dons de chapeiro de Eduardo Bolsonaro que o “credenciam” a ser embaixador nos EUA. Enquanto isso, as esquerdas se assanham, achando que a “ficha tá caindo” na grande mídia que, desesperada, tentaria se descolar de uma figura tóxica. Simultaneamente é lançado o filme “Eu Sou Brasileiro”, drama de “superação” e autoajuda com muitos atores globais, protótipo do tipo de filme que Bolsonaro quer ver a Ancine fomentar... São instantâneos da atual guerra semiótica criptografada que, como de costume, as esquerdas não conseguem fazer uma leitura, a não ser aquela que a grande mídia e Bolsonaro querem que elas façam. Mas há sinais de inteligência semiótica que as esquerdas deveriam prestar atenção: a trolagem do livro “Por Que Bolsonaro Merece Respeito, Confiança e Dignidade?”, com 198 páginas em branco.

Em editorial do jornal O Globo publicado nessa quarta-feira intitulado “Descontrole de Bolsonaro afeta relações externas” (14/08/2019), o diário carioca enquadra o presidente como uma variável indesejável e perigosa para a Nação. 
O texto qualifica as novas quebras de decoro do presidente como um fator de risco para o País. Fala sobre “Má educação”, “fixação escatológica”, “má educação e inconveniência” de alguém que “não se adequa à liturgia e representatividade do cargo que passou a ocupar. 
E fecha texto alertando: “o presidente se torna um risco para o País”. 
A jornalista Miriam Leitão (cuja única crítica que conseguia formular ao candidato Bolsonaro era de que “nada se sabe sobre seus projetos de economia”) agora é mais enfática: para ela, o capitão da reserva virou “empecilho para a retomada da economia brasileira”. Por que? Porque estabelece prioridades como cortar o cabelo e furar reuniões com chanceler francês, atacar a Alemanha e insultar argentinos.
“É com erros assim que Bolsonaro vai erodindo a confiança na economia”, dispara a veterana jornalista que acreditava que bastaria a presidenta Dilma fosse tirada do Poder pelas pedaladas fiscais para o “mercado” renascer das cinzas, tal como uma Fênix.
Bolsonaro pode ser criticado por qualquer coisa, menos pelo seu “sincericídio”: em toda sua vida política e, principalmente na campanha eleitoral, jamais escondeu o que pensa. Suas atitudes toscas e intempestivas sempre foram propositalmente disparadas para câmeras e microfones. Afinal, ele se tornou um meme vivo que, como tal, não se rege pelo princípio de sedução como na velha propaganda política.
                  Memes não seduzem. Memes “mitam”, “lacram”.


Memes não seduzem, lacram...

 Enquanto era conveniente para afastar Lula e o PT (afinal, sobrou apenas ele mesmo para desempenhar esse papel), editorialistas e colunistas da grande mídia silenciaram. 
Ou fizeram até mais, para protege-lo de si mesmo: ao perceberem que a última esperança branca era uma figura irremediavelmente tosca e autoritária, resolveu poupá-lo ao máximo, com a estratégia do discurso indireto - locutores, apresentadores, repórteres e colunistas passaram a falar por ele para esconder do resto do público o discurso bárbaro. Afinal, como uma espécie de meme ambulante, as lacrações de Bolsonaro eram apenas para consumo interno dos convertidos à camisa amarela que urravam por “golpe militar constitucional” nas domingueiras.
Tudo isso demonstra que vivemos um acirramento da guerra criptografada, que cada vez mais confunde o público. E principalmente as esquerdas.
O objetivo dessa estratégia semiótica é criar a aparência de que a grande mídia está jogando Bolsonaro ao mar, de que esgotou a paciência com suas escatologias (afinal, falar de “cocô dia sim, dia não” saído da boca presidencial não pega bem para as crianças na sala diante da TV) e de que, com apenas oito meses, esse governo parece com os dias contados. 
E as esquerdas continuam andando a reboque da pauta da grande mídia. E, por isso, se assanham: comemoram que a mídia “está abandonando a criatura” ou exultam de que “tá caindo a ficha”, com aquele tom de campeão moral: “eu bem que falei!...”.

As capas da Piauí

                  Agora observe abaixo algumas capas da revista Piauí cujo tema recorrente é Bolsonaro e seu clã:



São capas das últimas edições: números 151, 152 e a última desse mês de agosto, 155. 
Repare, atento leitor, o apuro artístico das capas da revista Piauí. São marcadas por intertextualidades como alusões, paródias, pastiches ou paráfrases.  Todos esses recursos linguísticos são agora colocados a serviço da guerra semiótica diversionista: essencialmente, desviar a atenção do distinto público.
O filho Eduardo Bolsonaro, aspirante a embaixador cujas credencial ventilada é ter sido chapeiro nos EUA, figurado numa paráfrase do quadro “O Embaixadores” (1533) de Hans Holbein; ou Bolsonaro caracterizado com um tiozão depravado nu, dentro de um overcoat, são exemplos dessa caprichada sátira. À primeira vista, parece que a Piauí é crítica, transgressiva – uma revista corajosa e independente que não poupa o próprio presidente. 
Junto com o restante da grande mídia, a revista parece também querer se descolar da figura tóxica de Bolsonaro. Mas dentro da perspectiva da guerra criptografada é simples cortina de fumaça. Por que será que todo esse esmero e criatividade artística intertextual da Piauínão relaciona o clã Bolsonaro com sua agenda neoliberal posta em prática a toque de caixa? 
Por que, ao invés de overcoat se chapas com hambúrgueres, não vemos referência a entrega dos campos de petróleo da Petrobras, a destruição do ensino público superior, a ausência de qualquer política econômica que gere empregos e inclusão, a destruição das garantias sociais e direitos trabalhistas, a venda da Eletrobrás e a entrega da Base de Alcântara aos EUA?
Ora, essa é a agenda da elite rentista brasileira. E Piauí foi criada pelo filho do banqueiro Walther Moreira Salles.
Não! Se o País está tecnicamente num quadro de recessão econômica, não se deve à política neoliberal de rifar o Estado para empurrá-lo do mínimo para o “líquido” – sobre esse conceito, clique aqui
                  Para as Capas da Piauí e editoriais da grande mídia, tudo se deve à “falta de decoro”, “má educação” e “fixação escatológica” que não infunde “confiança ao mercado” de um presidente egresso do baixo clero parlamentar.


Agenda neoliberal nunca foi boa de votos no Brasil

A “Síndrome de Vida de Inseto” das esquerdas

A elite sabe que a agenda neoliberal nunca foi boa de voto ou conduziu um candidato à vitória eleitoral no Brasil. Por isso, desde o golpe de 2016, Temer ou Bolsonaro serviram como pivôs de uma guerra semiótica criptografada para ocuparem o papel de “bois de piranha”, enquanto o saco de maldades das “reformas” é enfiado goela abaixo. E o anestésico é o gás do riso: as mesóclises mal colocadas nos discursos parnasianos do Temer; ou as escatologias e tosquices “lacradoras” de Bolsonaro.
As esquerdas, na sua “Síndrome de Vida de Inseto” (as esquerdas têm almas tão carentes e sedentas por atenção, assim como os artistas da trupe de circo explorada pela pulga-empresário P.T. Flea, na animação Pixar Vida de Inseto), sentem-se tão perdidas e sem agenda própria que se entusiasmam com um suposto arrependimento da grande mídia diante da própria criatura que pariu.
                  Carentes e sedentas por atenção, as esquerdas caem nas ilusões da vertigem criptografada das informações dissonantes, contraditórias em um conjunto midiático caótica – ora a grande mídia morde, ora assopra...



O “drama do Bem” Eu Sou Brasileiro

Se Bolsonaro acusa a Ancine (Agência Nacional de Cinema) de fomentar com dinheiro público agendas da “ditadura gay” e “comunista” e já projeta a censura na produção audiovisual brasileira, nessa semana foi lançado o filme que certamente é o protótipo daquilo que o presidente vislumbra como o futuro do cinema: o drama “do bem” Eu Sou Brasileiro.
Dirigido e escrito por Alessandro Barros, é um filme de autoajuda alinhado ao frame de nove de cada dez telejornais, quando se refere aos perrengues dos brasileiros nessa recessão econômica – logicamente, produzida unicamente pela figura “inconveniente” de Bolsonaro.
Um relato de “superação” (bem ao gosto das reportagens quando tratam de personagens das periferias das grandes cidades), depois que um acidente sabota os sonhos do protagonista se tornar um jogador de futebol profissional. Com um elenco de atores da Globo, segue o espírito de produtos globais como a telenovela A Rainha do Pedaço – o culto ao empreendedorismo e resiliência do brasileiro “que nunca desiste”.
“Na intenção de dar a volta por cima, Léo vai para o tudo ou nada!”, exorta a sinopse do filme.
Síndrome de vira-lata (jogador da quarta divisão já sabe que só se dará bem na Europa), psicologia de botequim (a ex-paquita Letícia Spiller fazendo uma psicóloga, de óculos para inspirar alguma credibilidade, destilando clichês de autoajuda) e a participação do ex-jogador Cafu tentando elevar o moral com a fala-clichê “brasileiro nunca desiste”, compõem o quadro de um filme não explicitamente político-ideológico como a série O Mecanismo ou o filme Polícia Federal – A Lei é para Todos.
Mas uma produção destacada para reforçar o imaginário nacional de conformismo e alienação, principalmente nesse momento agudo de guerra criptografada. 
                  Um mix de niilismo (o país é cronicamente inviável) com otimismo (mas o brasileiro nunca desiste) – uma síntese do espírito do tempo no qual o cinema brasileiro será obrigado a se alinhar: manter a patuleia alegre enquanto caminha para o abismo. 



A trolagem do livro com páginas em branco

Ocasionalmente surgem aqui e ali vislumbres de inteligência semiótica, na tentativa de fazer a oposição se descolar da agenda da grande mídia. Principalmente, por meio de “media prank” (pegadinhas) e “cultural jamming” (trolagens).
Desde que o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (cansado das críticas diárias do historiador Marco Antônio Villa na rádio Jovem Pan sobre sua agenda) fez uma pegadinha trocando sua agenda pela do governador Alckmin na Internet (com resultado desmoralizador para Villa, clique aqui), este Cinegnose vem alertando para a necessidade de uma estratégia de comunicação pró-ativa das esquerdas – inspirar-se nas estratégias semióticas irônicas que já possuem décadas de ativismo – clique aqui.
A ocupação do infame tríplex do Guarujá pelo MTST e a Frente Povo Sem Medo em 2018, criando uma saia justa para a grande mídia (clique aqui); ou a estratégia de cultural jammingdo autoproclamado presidente do Brasil, o ator José de Abreu (clique aqui), são exemplos isolados de uma estratégia de guerra semiótica irônica que poderia ser potencializada contra a atual guerra criptografada.
Nessa semana foi divulgada mais uma tática isolada bem-sucedida de trolagem: um livro disponibilizado na Amazon que provocou a ira de leitores – sucesso de venda entre bolsomínios. O livro “Por Que Bolsonaro Merece Respeito, Confiança e Dignidade?”, cuja sinopse diz: “a pergunta que não quer calar o Brasil. Em meio ao turbulento momento em que vive o País...”. Gerou protestos e reclamações na página da Amazon.
  Isso porque o livro contém 198 páginas em branco e apenas duas com texto. É a própria essência da tática do cultural Jamming: embaralhar o fluxo de informação que eleva o moral das milícias digitais de Bolsonaro.
Com a repercussão nas redes sociais, o autor Willyam Thums (nome ou codinome?) mudou a sinopse e destacou “livro-sátira” como alerta aos incautos “leitores”.
  Loucos pelo seu “mito”, os bolsomínios não se contiveram e deram chiliques na Amazon e nas redes sociais. 
Tudo pode parecer politicamente conspícuo: simples entretenimento. Mas com certeza a formação de um GIS (Grupo de Inteligência Semiótica) como assessoria para variar e multiplicar ações de pegadinhas e trolagens, certamente causaria instabilidade no atual contínuo midiático. A esquerda jogaria no próprio campo simbólico do oponente: a guerra criptografada de embaralhamento das informações. 
Se é que a esquerda parlamentar tem vontade política para tanto. Parecem preferir viver a reboque da agenda midiática do seu suposto rival.  -  (Aqui).

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