sexta-feira, 5 de julho de 2019

THE INTERCEPT BRASIL E O PARADOXO DO TEMPO


"Durante vários anos o herói lavajateiro usou a imprensa para construir um poder sem paralelo na história do Brasil. Juiz de primeira instância, Sérgio Moro conseguiu inverter a pirâmide judiciária. Na prática, ele passou a quase controlar o funcionamento das instâncias superiores. Isso ficou especialmente evidente quando um membro do TRF-4 concedeu um HC a Lula, oportunidade em que mesmo de férias o juiz da Lava Jato praticou atos processuais em detrimento do réu até que a ordem fosse revogada pelo presidente daquele Tribunal.
No auge da novela judiciária Lava Jato, qualquer ministro do STF que ousasse desafiar o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba era imediatamente ridicularizado pelos jornalistas. Em algumas oportunidades, o próprio Sérgio Moro teve a petulância de enfrentar alguns ministros do STF. Quando elaborou um Projeto de Lei de combate à corrupção de acordo com sua ideologia autoritária, ele chegou a fazer ameaças veladas ao Parlamento.
O blogueiro Eduardo Guimarães, que publicou informações que o juiz lavajateiro não queria que fossem divulgadas, sofreu uma condução coercitiva da PF determinada por Sérgio Moro. Esse abuso de autoridade, entretanto, não resultou em qualquer punição para o juiz.
Por razões diferentes, eu mesmo já fui perseguido pela polícia por causa de um blogue. Na oportunidade, o servidor em que ele estava hospedado o tirou de circulação atendendo o e-mail enviado por uma Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. A denúncia ofertada contra mim pelo Ministério Público foi rejeitada. O juiz considerou que minha conduta era atípica. A rejeição da denúncia foi confirmada pelo TJSP.
Algum tempo depois entrei com uma Ação de Indenização contra o Estado de São Paulo. Meu pedido foi julgado improcedente na primeira e na segunda instância. O TJSP considerou legítima a ordem policial dada ao servidor para tirar meu blogue da internet.
“Com efeito, não se vislumbra nenhum excesso na conduta da autoridade policial. Em verdade, a decisão de deixar de veicular todo o conteúdo do site do autor foi tomada pelo IG. Conforme consta da cópia da mensagem enviada pela delegada coordenadora do Gradi ao IG, a fls. 162, foi solicitada a remoção apenas do texto que supostamente tinha cunho discriminatório. A atividade policial cingiu-se às normas vigentes, inexistindo excesso ou ilícito.”
Quando o The Intercept finalmente furou a bolha de conforto jornalístico em que o herói Sérgio Moro existia o Ministro da Justiça ficou desesperado. Não pertencendo mais ao judiciário, ele não poderia simplesmente mandar conduzir coercitivamente o jornalista norte-americano como fez no caso de Eduardo Guimarães. O Ministro da Justiça poderia ter sugerido a um dos Delegados da PF a fazer com o The Intercept o que a Delegada paulista havia feito comigo. O abuso nesse caso não teria sido tão evidente, pois a decisão poderia ser lastreada na jurisprudência excepcional que TJSP criou para resolver meu caso.
Em vez de mandar um subordinado pedir para o servidor derrubar o The Intercept, o Ministro da Justiça preferiu resolver o problema de maneira indireta. Ao que parece, ele usou o COAF para fazer uma devassa na vida financeira do norte-americano. A agressão à liberdade jornalística de Glenn Greenwald foi imediatamente repudiada dentro e fora do Brasil.
O capital simbólico que transformou Sérgio Moro num dos homens mais poderosos do país está se esgotando rapidamente. Aplica-se aqui o paradoxo do tempo.
O tempo é uma mercadoria curiosa. Ele se oferece a todos gratuitamente, mas ninguém sabe exatamente qual o quinhão que recebeu. Nesse caso, o que é válido para os homens também vale para as instituições que eles criam. Quando alguém tenta interromper o tempo alheio ou comprar mais tempo para si depois que seu tempo terminou o resultado é quase sempre uma tragédia.
Tudo indica que o tempo de glória de Sérgio Moro terminou. O desespero dele para comprar mais tempo atacando o The Intercept é evidente. Mas isso vai apenas apressar e aprofundar o tamanho do tombo que o herói lavajateiro está fadado a levar.
Lula permanece. A reabilitação dele prova que o tempo do “sapo barbudo” não terminou. Tentar interrompê-lo foi uma estupidez.
PS: Para se ter apenas uma noção do tamanho e da importância de Glenn Greenwald basta lembrar que no caso dele a OEA e a ONU reagiram imediatamente às intimidações de Sérgio Moro. A representação feita por mim contra o Brasil na OEA foi simplesmente esquecida numa gaveta. Desde o final de 2013 aguardo uma resposta da Comissão de Direitos Humanos da OEA. Ao que tudo indica meu caso ficará algumas décadas sem solução."

(De Fábio de Oliveira Ribeiro, texto intitulado "Glenn Greenwald, Sérgio Moro e o paradoxo do tempo", publicado no GGN, onde o autor, advogado, escreve regularmente).

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