"Pesquisas de opinião são sempre muito complicadas em termos de metodologia. Quando utilizadas, requerem que uma série de formalidades sejam cumpridas à risca para que tenham alguma capacidade de serem usadas como um retrato da realidade. Por exemplo, a ordem de apresentação dos nomes na cédula de pesquisa cria já um viés. Já foi mais que provado que os candidatos apresentados com os nomes primeiro pontuam mais. O que os institutos fizeram? Um cartão-resposta redondo, com todos os nomes posicionados equidistantes do centro e que deve ser entregue a quem responde virado para baixo. Veja o nível de sofisticação metodológica que se requer para uma informação tão crucial.
Há pessoas que defendem que as pesquisas não deveriam ser divulgadas. Elas, conforme sua divulgação, servem para criar o “efeito manada” ou o “voto útil”. Seriam distorções do ideal democrático que estariam disponíveis aos que têm dinheiro para veicular pesquisas. Existem estudos que mostram que a forma como o entrevistador aborda as pessoas delimita a sua amostra. As pesquisas devem ser feitas em diversos horários, em diversos locais, por diferentes pesquisadores (brancos, negros, homens, mulheres, altos, baixos e etc.), tudo no intuito de não segmentar a amostra, e assim turvar ou inutilizar os resultados.
Se os institutos, por exemplo, fazem pesquisa por telefone, a amostra é totalmente enviesada. Primeiro, porque se restringe a quem tem telefone e tempo para responder perguntas por ele. Segundo, porque a ordem de apresentação dos candidatos influencia (no caso de pesquisas não espontâneas) na escolha. Em caso de pesquisas presenciais, o local e horário das entrevistas delimitam as amostras. Há denúncias, por exemplo, de que em algumas regiões os entrevistadores pedem proteção policial para fazer a pesquisa. Agora imagine-se morador de periferia respondendo sobre 'em quem vais votar', no Brasil atual, a uma pessoa com uma cara amarrada, um linguajar diferente do seu, e que você distingue um ou dois policiais fazendo a segurança.
Não é só a questão estatística de “margem de erro” e “índice de confiança”. Existe toda a questão da metodologia do entrevistar, do preparar o material escrito, de preparar as zonas e horários de captação, da escolhas fenotípicas dos entrevistadores e etc. Antigamente, os institutos não precisavam apresentar coisa alguma além dos resultados. Hoje, cada pesquisa precisa ser arquivada no TSE, com toda a metodologia e com os dados brutos disponíveis. Em outros anos eu chequei algumas pesquisas. Todas, sem exceção, tinham falhas metodológicas. Algumas pequenas, que os diretores dos institutos diziam “desimportantes”, outras nem tanto.
Se, metodologicamente perfeitas, as pesquisas já seriam um perigoso ponto de discussão da relação custo-benefício eleitoral e social, imagine então, quando elas apresentam problemas ...
Quero apresentar aqui um efeito pouco comentado no Brasil, que é conhecido como “Silent Majority”. Este efeito explica a diferença que pode existir entre as pesquisas e as urnas quando a metodologia e o número de pesquisas estão corretos. Foi primeiramente identificado nos EUA (o país das pesquisas de opinião), em meados da década de 60. O efeito “silent majority” (maioria silenciosa) acontecia em locais com forte pressão social por um estereótipo político. Em locais com histórico racismo, sexismo ou nacionalismo, existia uma maioria de pessoas que se sentiam incomodadas em responder as pesquisas e aí não eram avaliadas corretamente. Em estados do sul norte-americano, na década de 70, as comunidades negras, por exemplo, ficavam de fora das pesquisas por medo de, ao se exporem, sofrerem agressões de todo o tipo.
Pois é exatamente o que ocorre hoje, no Brasil.
Com o fascismo liberado pelas instituições (o filho do fascista esfaqueado postou foto de tortura e ameaça em suas redes e nada aconteceu, por exemplo), as pessoas se sentem desconfortáveis para abrirem suas posições. A “silent majority” é a outra face da moeda do medo de usar vermelho que, desde 2013, o Brasil vive. Este é um efeito que não atinge o fascismo. O fascismo é orgulhoso de sua ignorância, de sua selvageria e da pouca importância que dá às leis de controle social da violência ou brutalidade. Os fascistas berram suas escolhas, até como ferramenta da coerção. Mas existe uma grande quantidade de pessoas, tolhidas pelo aumento da violência e do controle fascista sobre as relações sociais, que prefere o silêncio até as urnas.
Num país em que a agressividade social de caráter político explodiu desde 2013 (quilombolas, líderes sindicais, líderes de movimentos sociais, mulheres ativistas, pessoas lgbtqi e mesmo militantes de esquerda estão sendo mortos em números assustadores desde o golpe!), dizer-se favorável à esquerda está sendo bastante perigoso. Pessoas estão perdendo seus empregos, sendo agredidas e espezinhadas nas ruas, carros danificados, casas depredadas, e tudo isto feito por uma minoria ativa que ainda nem teve seu “mito” eleito. Imaginem num caso extremo de eleição.
O oposto do efeito “silent majority” é o “efeito bradley”. Ocorre em sociedades abertas, liberais e dispostas a aceitar a diversidade cultural, sexual e social como regra e não como exceção. Nestes casos, as pesquisas de opinião encontram o efeito oposto do descrito acima. Os entrevistados costumam responder as pesquisas escondendo seu viés conservador. Nos anos 80, candidatos negros na Califórnia apareciam em pesquisas eleitorais com percentuais muito mais altos do que o que foi encontrado nas urnas. O “efeito bradley” afirma que, diante da pressão social do liberalismo de costumes, político e da história dos locais, os entrevistados respondiam com o “politicamente correto” e apenas nas urnas expressavam o seu conservadorismo.
No Brasil de hoje, penso que temos um caso clássico para o estudo da “silent majority”. O ambiente político está intoxicado, o fascismo avança, com sua truculência aceita pelas instituições. O STF cancela 3,4 milhões de títulos eleitorais, com a desculpa de que “não fizeram a biometria”, como se a Constituição exigisse para ser cidadão ser “biometrado”. Destas pessoas, sabe-se, a imensa maioria é no norte e nordeste. Pessoas pobres que estão sendo alijadas do seu direito pelo autoritarismo de toga que não cessa de se sentir garboso em sua boçalidade. Nas cidades, vizinhos estão sendo agredidos por usarem vermelho, por declararem-se favoráveis à igualdade social, de gênero ou de raça. Ciclistas são atropelados porque a bicicleta – em algumas cabeças degeneradas – é um sinal de “comunismo”.
Temos uma panela de pressão que não será desarmada sem violência. E esta violência já se entranhou no tecido social, constrangendo posições políticas. Há os que votam orgulhosamente na esquerda e abrem o peito para defenderem seus ideais. Mas há também os que votam na esquerda e guardam o seu orgulho para a sua vida privada. Penso que estes são maioria, e a esquerda pode esperar uma votação maior do que a captada pelas pesquisas.
Não é apenas Lula que está preso injustamente. Desde 2013, prenderam a vontade de participação, a coragem de ser contra, e o orgulho de lutar por um país mais inclusivo. Eu entendo quem prefere se precaver. Os tempos são bicudos. E espero, amigos e amigas, que venhamos a gritar juntos, ao final das eleições, “eles não passaram!”.
E que venhamos recuperar a alegria de sermos felizes de novo."
(De Fernando Horta, historiador, post intitulado "Você sabe o que é 'Silent Majority'", publicado no GGN - Aqui.
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