quarta-feira, 11 de julho de 2018

O HC DE LULA E A HIERARQUIA JUDICIAL

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Independentemente do desfecho do exame, pelo STJ, da questão do habeas corpus relacionado ao ex-presidente Lula, o que ressalta é a seguinte indagação: Como se explica que um juiz de base (vara de Curitiba) - e em gozo de férias! - possa afrontar uma decisão emanada de uma instância superior (TRF4, Porto Alegre), e, como se não bastasse, SER LOUVADO POR TAL COMPORTAMENTO, por escrito, pela própria ministra plantonista do tribunal superior?! 
(Aliás, a Folha dá conta de que "Moro contrariou quatro vezes ordens de tribunais superiores" - aqui -, matéria transcrita em parte pelo site Brasil 247, conforme abaixo).



Moro contrariou quatro vezes ordens de tribunais superiores

"O juiz Sergio Moro tem conseguido impor a sua vontade de maneira recorrente diante dos tribunais superiores que, em tese deveriam prevalecer diante de um juiz de primeira instância. Moro conseguiu contrariar quatro vezes as ordens dos tribunais que estão acima de seu nível hierárquico, sendo que a única vez que sua vontade não foi atendida – o habeas corpus de José Dirceu –, a resposta e a contrariedade foram manifestadas através da imprensa.

'(...) Chegou a quatro o número de casos em que o juiz federal Sergio Moro contrariou decisões de tribunais superiores desde o início da Lava Jato. Em três desses casos, ele conseguiu o que queria. Responsável pelas ações da operação no Paraná, Moro só recuou uma vez até agora, ao cancelar a ordem para que o ex-ministro José Dirceu fosse monitorado por tornozeleira eletrônica após sua libertação pelo Supremo Tribunal Federal, na semana passada.

O episódio de domingo, quando Moro mandou a Polícia Federal ignorar a ordem do juiz federal Rogério Favreto para soltar Lula, foi o segundo em que ele se insurgiu contra uma decisão superior por considerar que o magistrado responsável não tinha jurisdição para lidar com o caso.'”  -  (Ricardo Balthazar, Folha de São Paulo).

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ADENDO

Com a palavra, o ex-ministro Gilson Dipp, que foi vice-presidente do STJ e corregedor nacional do CNJ, em entrevista concedida ao site jurídico JOTA:


JOTA: O desembargador Favreto poderia examinar a liminar?
Dipp: Poderia, e fez isso. Eu posso não concordar com o teor, o conteúdo da decisão judicial. Basicamente porque não há nenhuma urgência ou nenhum fato novo que implique em um exame da matéria num domingo, sendo que no dia seguinte o relator da apelação originária já estaria trabalhando. Então a decisão do Favreto foi uma decisão fundamentada de acordo com a sua convicção, com seu entendimento. E isso faz parte do livre convencimento do juiz. Queiram-se, concorde-se ou não. Eu não daria no mérito essa decisão, mas ela é legítima, o desembargador tem competência e é uma decisão judicial. Plantonista é instrumento do tribunal.
Como o senhor avalia a atuação do juiz Sérgio Moro, que estava em férias?
Dipp: Ele se manifestou em um momento inapropriado. Porque no caso da liminar ele seria ouvido. Pela lei, tanto a autoridade coatora quanto o MPF são ouvidos em um prazo de cinco dias. Ele, no entanto, atravessou um despacho questionando a competência de um superior hierárquico seu. Afirmou falta de competência, afirmou que falou com o presidente do tribunal, afirmou que teria que ouvir o relator. Nada disso poderia ter sido feito.
O relator originário da apelação, desembargador Gebran Neto, agiu corretamente?
Dipp: Quem tinha jurisdição naquele momento era o desembargador plantonista. Ele [Gebran Neto] num domingo, tendo alguém representando o tribunal-  e quem representava era o Favreto – convoca para si o processo e manda suspender o alvará de soltura do Lula. Juiz de igual hierarquia. Ambos desembargadores do TRF4. Um determina o contrário do outro. Isso não poderia haver. Decisão judicial ruim, errada ou teratológica se reforma segundo a lei e a Constituição, pelos recursos cabíveis e pela autoridade hierarquicamente cabível.
E a decisão do presidente do tribunal, desembargador Thompson Flores?
Dipp: A meu ver, apesar de ter resolvido a questão que deixou todo mundo em polvorosa, a competência para dirimir matéria jurisdicional em conflito não é do presidente do tribunal. Presidente do tribunal administra, assina orçamento, presidente sessões, decide suspensão em segurança – o que diz respeito à ordem pública, economia, saúde pública, o que não era o caso, já que aqui é matéria penal. Então, ele suprimiu também ou o plenário do TRF ou a competência do STJ. Foram erros e irregularidades seguidos.
A decisão do desembargador Favreto estava errada?
Dipp: Quem menos errou aí, em termos de competência, em termos de processo penal, foi o desembargador Favreto, apesar de eu não concordar no conteúdo com a tese dele, porque não tinha urgência. E a questão está sendo examinada pelas instâncias superiores. Não dá para decidir isso num domingo. Mas ele resolveu, e ele estava no direito, tinha competência para tanto, resolveu enfrentar a questão. E no caso do HC o recurso não se confunde totalmente com a apelação no mérito, aquela que está sendo julgada pelo tribunal, e que tem recursos no STF e no STJ. O HC tem particularidades, é uma medida constitucional que tem particularidades, que foram desenvolvidas ali naquele HC. Certo ou errado, não interessa.
O que as decisões conflitantes a respeito do habeas corpus impetrado por deputados a favor do ex-presidente Lula mostram?
Dipp: Tudo isso deixa ver uma politização escancarada do Judiciário. Um imbróglio que veio a acontecer num momento inadequado, nas eleições. Tudo aconteceu porque existe um nome na capa do processo: Luiz Inácio Lula da Silva.
O tribunal não está fazendo mais do que receber uma educação inadequada do STF, onde esses conflitos são diários entre ministros, entre turmas. Cada um com uma decisão disparatada. É que nem pai. Pai dá exemplo para o filho, e isso aconteceu por erro de avaliação do filho sobre aquilo que é certo ou não no pai.
Desde domingo, o CNJ recebeu seis pedidos de providência para que seja apurada a conduta de Rogério Favreto de conceder habeas corpus e mandar soltar o ex-presidente Lula durante o plantão judicial do TRF4. Outras três representações têm como alvo o juiz federal Sérgio Moro. O CNJ deve analisar estes pedidos?
Dipp: Para mim, todas essas decisões foram decisões jurisdicionais. Certas ou erradas. E sendo decisões jurisdicionais podem ser atacadas pelo recurso cabível em matéria processual penal da legislação. Não se trata de infração disciplinar que mereça a atenção do CNJ. Houve um fundamento na decisão. O CNJ não é um órgão judicial, é um órgão administrativo disciplinar do Judiciário. Aqui se tratam de várias decisões judiciais, mesmo que quase todas formuladas de modo irregular.
Um dos pedidos foi assinado por 100 procuradores e promotores que requerem o “afastamento liminar do citado Desembargador Federal [Favreto], haja vista a ordem ilegal decretada em afronta à decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, referendado pelo Plenário do STF”.
Dipp: Tudo isso é falta de conhecimento da atribuição do CNJ, da sua competência. O precedente básico é que o CNJ não pode rever decisões judiciais. Os dois fatos que mais chamam atenção são a atitude do Sérgio Moro e do relator de atravessar, num domingo, um processo em que ele tem competência, mas não naquele momento. Isso é teratológico, irregular, mas eles bem ou mal fundamentaram juridicamente suas posições. Veja que o próprio desembargador Thompson Flores usou fundamentos basicamente externados pelo Gebran. São sim decisões judiciais extemporâneas, erradas. Mas tudo se reforma através dos recursos cabíveis, e pela autoridade competente hierarquicamente para modificar ou manter a decisão. O CNJ não tem atribuição para tanto, salvo se, e aí de maneira grosseira, toda decisão judicial reclamar uma providência disciplinar, o que termina com o sistema e faz com que o CNJ acabe não sendo mais o órgão criado para zelar pelas suas atribuições. Existem muitas decisões dizendo que o CNJ não pode rever decisão judicial.  -  (Site Jurídico JOTA - AQUI).

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