domingo, 21 de fevereiro de 2016

DA SÉRIE LIVROS: O BOM SOLDADO


O bom soldado


“Os exemplos de honestidade que se encontram neste mundo são tão incríveis quanto os exemplos de desonestidade. Depois de quarenta e cinco anos nos misturando com nossa própria espécie, devíamos ter adquirido o hábito de ser capazes de conhecer alguma coisa dos nossos próximos. Mas não se conhece.”
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     “Mas a verdadeira ferocidade do desejo, o verdadeiro calor de uma paixão duradoura e que consome a alma de um homem, é a fome de identidade com a mulher que ele ama. Ele deseja ver com os mesmos olhos, tocar com o mesmo sentido do tato, ouvir com os mesmos ouvidos, perder sua identidade, ser envolvido, ser sustentado. Pois seja o que for que se possa dizer da relação entre os sexos, não existe homem que ame uma mulher e não deseje ir a ela para renovar sua coragem, para se distanciar de suas dificuldades. E isso será a mola principal de seu desejo por ela. Nós todos temos tanto medo, nós todos somos tão sozinhos, nós todos precisamos tanto que venha de fora a garantia de nosso próprio valor para existir.”
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     “E quando alguém discute um caso, um longo e triste caso, vai para trás, vai para frente. A pessoa se lembra de pontos que havia esquecido e os explica com mais minúcias quando reconhece que esqueceu de mencioná-los em seus devidos lugares e que, ao omiti-los, podia ter dado uma falsa impressão.”
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     “É muito singular que Leonora não tenha envelhecido nada. Suponho que haja certo tipo de beleza e mesmo de juventude afeitas ao embelezamento que vem com o suportar da tristeza. Isso está dito de forma muito elaborada. O que quero dizer é que Leonora, se tudo tivesse prosperado, podia ter ficado dura demais e, talvez, dominadora. Mas o que acontecera foi que se limitara a parecer eficiente, e ainda assim compreensiva. A mais rara de todas as mesclas. E juro que Leonora, à sua maneira contida, dava a impressão de ser intensamente solidária com o outro. Quando ela ouvia você parecia estar ouvindo algum som que vinha de muito longe. Mas mesmo assim ouvia e assimilava o que você dizia, o que, uma vez que a história da humanidade é uma história de tristezas, era, via de regra, alguma coisa triste.”
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     “Veja bem, não estou pregando nada contrário à moralidade aceita. Não estou advogando o amor livre nem neste nem em nenhum outro caso. A sociedade precisa continuar, suponho, e a sociedade só pode existir se os normais, se os virtuosos e se os ligeiramente enganosos florescerem, e se os apaixonados, os teimosos e os sinceros demais forem condenados ao suicídio e à loucura. Mas acredito que eu mesmo, à minha maneira frouxa, entro na categoria do apaixonado, do teimoso e do sincero demais.”

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O BOM SOLDADO - Ford Madox Ford
Editora Alfaguara.  240 páginas.
Doney - aqui.

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