quinta-feira, 23 de julho de 2015

CUBA EUA: DESAFIOS EM PERSPECTIVA


Obama e Cuba: memórias de um embargo

Por Suhayla Khalil

Mais de 25 anos depois da queda do muro de Berlim, o mundo parece presenciar a retirada de um outro entulho da Guerra Fria: a reprodução interamericana da polarização entre capitalistas e comunistas representada por Washington e Havana e vigente durante mais de meio século. A construção discursiva em torno de tal paradigma era tão grande que repetidas vezes tinha-se a impressão de que a Guerra Fria não havia chegado ao fim nesta parte do globo. Bom, como diz o ditado popular, antes tarde do que nunca.
Apesar da perceptível euforia que circunda a reabertura das embaixadas nos dois países e da entrada em vigor, neste último dia 20/07, do acordo que prevê a retomada das relações entre EUA e Cuba, é preciso ter clareza de que esses acontecimentos constituem uma das fases de um processo mais longo de reaproximação. Para início de conversa, o principal símbolo das hostilidades, o embargo econômico imposto pelos Estados Unidos a Cuba ainda não foi retirado.
Portanto, é preciso um olhar mais atento.
Se a retomada das relações entre Brasil e Cuba, em 1986, concedeu o marco simbólico para a alteração da política externa brasileira no período da redemocratização, quando o entorno regional e o multilateralismo ganharam uma nova expressão para Brasília, a reaproximação entre os EUA e a ilha caribenha, neste 2015, integra um conjunto maior de medidas do governo Obama para alterar a visão negativa que se construiu sobre o país em boa parte do mundo após a instauração da Guerra ao Terror, no pós-11/09.
Depois de uma década de 1990 de aparente prosperidade em que a História parecia ter atingido o seu fim, como anunciou Fukuyama – com a vitória do modelo de democracia liberal e a valorização do multilateralismo –, o século XXI se deparou com uma potência belicista e violadora das normas internacionais de uma ordem que ela mesma estruturou. Assim, a luta contra o terrorismo internacional passou a justificar ataques preemptivos e violações aos direitos humanos por parte do governo estadunidense, que, na região, abandonou o multilateralismo, reativou a quarta frota e investiu no plano colômbia, assim como na obtenção de bases militares em diferentes países latino-americanos. Tais atitudes deterioraram a percepção externa sobre os Estados Unidos.
Ao melhor estilo realista “fadados a liderar”, nos dizeres de Joseph Nye, Obama vem investindo em uma liderança que se aproveita de uma agenda mais cooperativa e que, pelo menos, tenta ser mais carismática. Característica de governos democratas, costumeiramente mais preocupados com discursos legitimadores. Claro, sem pôr fim às guerras, sem fechar Guantánamo e mediante a continuação da prática de espionagem aos demais governos. Com isso, acumula pontos positivos de política externa como a morte de Osama Bin Laden, o acordo histórico com o Irã e a reaproximação com Cuba.
Nesse sentido, a resposta imediata ao reatamento é a melhora da imagem de Washington na América Latina, o que lança as bases para uma possível tentativa de Obama de reinserção do país no processo de cooperação regional. Vale lembrar que o desgaste nas relações com a região levou ao abandono do modelo panamericano representado pela ALCA e deu ensejo a novos arranjos como ALBA, UNASUL e CELAC. Todos com a exclusão dos Estados Unidos.
No campo interno, Obama se depara com os preparativos para a eleição presidencial do ano que vem. Nem tudo são flores para o Partido Democrata. Depois de ter iniciado o seu primeiro mandato com 68% de aprovação, contra apenas 12% de taxa de reprovação, o presidente dos Estados Unidos enfrenta hoje o inverso. Pesquisa recente realizada pela mesma empresa – a Gallup – indica 49% de reprovação contra apenas 46% de aprovação do governo.
A falta de popularidade é complementada pela ausência de apoio no Legislativo. Sem possuir a maioria da Câmara, Obama ainda perdeu a maioria do Senado nas eleições do final do ano passado. A onda conservadora também se espraiou na batalha pelos governos estaduais. O Partido Republicano tomou diversos estados dos democratas, entre eles Arkansas, Massachusetts, Maryland e Illinois, este último considerado reduto de Obama.
Dentro desse quadro, a retomada de relações com Cuba agrada o eleitorado hispânico nos Estados Unidos – muitos deles descendentes de cubanos – que se mostrou majoritariamente a favor da medida, acima da média de apoio nacional. Em um cenário de disputa acirrada como o que se configura para o próximo ano, a comunidade latina desempenhará um papel importante. Apoiadores históricos do Partido Republicano, muitos votos dos hispânicos migraram para Obama na última eleição e se mostraram fundamentais para a sua vitória. Não à toa, foram também disputados ombro a ombro em 2014.
Por fim, alguns senadores republicanos apresentaram contundente resistência à revogação do embargo à Cuba. Entre eles Marco Rubio, de origem cubana, que anunciou recentemente sua candidatura à Casa Branca. Será necessário um processo de negociações no Senado para convencer um número suficiente de republicanos a apoiarem a medida. Além disso, pesquisa publicada no último dia 20 pela CBS News mostrou que 60% dos eleitores republicanos desaprovam a forma como Obama está conduzindo as relações com o país vizinho.
O que fica claro é que o cenário é incerto. Os rumos dessa reaproximação irão depender substancialmente dos jogos políticos internos que antecederão as eleições presidenciais nos EUA, assim como do resultado destas. Sem esquecer de um fator importante: a capacidade de realização de lobby de grupos privados que já manifestaram interesse em investir na ilha, entre eles a JetBlue Airways Corp., a Pfizer Inc. e a MasterCard. Raúl Castro, por sua vez, já deixou claro que as relações bilaterais só serão normalizadas com a adoção de medidas para pôr fim ao histórico embargo. (Fonte: aqui).
Suhayla Khalil - Doutora em Relações Internacionais pela USP, Mestre pelo INEST-Uff e bacharel em Direito pela UERJ. É professora da FESPSP. Foi pesquisadora do IUDC-Madri e do OPSA/IESP-UERJ. Também estudou na FLACSO-Buenos Aires e na SciencesPo-Paris. Tem diversos artigos acadêmicos e capítulos de livros publicados.

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Onde vi o quadrinho acima: 'A retumbante vitória política de Cuba' - aqui.

(Entreouvido lá e cá: 'O Tea Party não achou a menor graça...').

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A IRONIA PREMONITÓRIA DE FIDEL EM 1973

"Os Estados Unidos virão dialogar conosco quando tiverem um presidente negro e houver no mundo um Papa latino-americano."

(De Fidel Castro, em um encontro com jornalistas ocorrido em 1973, ao responder ao jornalista britânico Brian Davis, que quis saber:  "Quando o senhor acredita que poderão ser restabelecidas as relações entre Cuba e Estados Unidos, dois países tão distantes apesar da proximidade geográfica?".

A fala irônica do presidente de Cuba queria demonstrar que, na verdade, o reatamento de laços estava muito distante. Afinal, àquela altura era inimaginável que os EUA viessem a eleger um presidente negro e os pontífices da igreja católica eram, invariavelmente, italianos com trajetória apostólica em Roma. - AQUI).

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