sábado, 2 de maio de 2015

ECOS DE CURITIBA


Da Chicago de 1886 à Curitiba de 2015

Por Leonardo Sakamoto

Trabalhadores entraram em greve para reivindicar direitos que consideravam justos. E, em uma das manifestações, a polícia abriu fogo contra a multidão.

Curitiba, 2015? Poderia ser. Mas estou falando da Chicago de 1886.

A greve geral que começou no dia Primeiro de Maio daquele ano, exigindo a redução da jornada de trabalho para oito horas por dia, acabou em tragédia, com manifestantes e policiais mortos e sindicalistas condenados (injustamente) à morte. Nos anos seguintes, a data foi escolhida para ser um dia de luta por condições melhores de trabalho. Menos nos Estados Unidos, em que o Labor Day é na primeira segunda-feira de setembro.

Quem visita a cidade norte-americana, encontra uma frase gravada em um monumento: “Chegará o dia em que o nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês estrangularam hoje''.

Só o trabalho gera riqueza. E o silêncio de trabalhadores, que se reconhecem como tais, percebem a injustiça que, muitas vezes, recai sobre eles e resolvem cruzar os braços, não apenas aumentou salários, mas já ajudou a derrubar regimes, a democratizar países, a mudar o rumo da história.

Nesta sexta, o poder da mobilização e a discussão sobre direitos que está na origem do Primeiro de Maio é ofuscada pelo sorteio de carros e casas e shows de cantores populares em cima de trio elétricos. E, não raro, por discursos vazios de pessoas que falam em nome dos trabalhadores em proveito próprio.

E 129 anos após os trabalhadores de Chicago irem às ruas exigirem jornada de oito horas, nós ainda não a conseguimos por aqui.

A última redução de jornada ocorreu há exatos 27 anos, na Constituição de 1988, quando caiu de 48 para 44 horas semanais. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) calculou que uma jornada de 40 horas com manutenção de salário aumentaria os custos de produção em apenas 1,99%. O aumento na qualidade de vida do trabalhador, por outro lado, seria muito maior: mais tempo com a família, mais tempo para o lazer e o descanso, mais tempo para formação pessoal.

Outros vão dizer: mas boa parte das empresas já opera com o chamado oito horas por dia, cinco dias por semana. Mas não todas. Principalmente em atividades rurais. Ou que jornada de trabalho não faz mais sentido em um momento em que a internet torna a jornada flexível. O problema é que “jornada flexível'' raramente significa trabalhar menos, mas estar mais tempo ligado ao trabalho ao longo do dia.

Uma proposta em trâmite no Congresso que pede a redução da jornada também aumenta de 50% para 75% o valor a ser acrescido na remuneração das horas extras. Ou seja, tem que trabalhar mais? Que se pague bem por isso.

Ao mesmo tempo, o poder público – federal, estaduais e municipais – ainda trata trabalhadores que reivindicam por seus direitos como um caso de polícia, da mesma forma que a Chicago do século 19.

Seja em Curitiba ou em qualquer cidade grande brasileira, temos relatos de trabalhadores em greve que apanharam, levaram tiros e respiraram gás.

Manifestações que questionam a desigualdade e a injustiça social tendem a ser reprimidas pela força pública. São vistas como subversivas. As “ordeiras'', que não mexem com a estrutura econômica e social do país, não. Por que será?

O Brasil está correndo a passos largos para rasgar sua legislação trabalhista – sob um governo que se autodeclara “dos trabalhadores''. Se a ampliação da terceirização não significasse redução de direitos, não estariam tentando te convencer tão arduamente de que isso é melhor para você e para o país.

Sem contar que há um rosário de projetos tramitando no Congresso Nacional que depreciam a vida do trabalhador, como os que reduzem a idade mínima para começar a trabalhar ou os que pioram a definição de trabalho escravo para diminuir a sua punição.

Há mais de 100 anos, buscava-se direitos trabalhistas e previdenciários. Agora, luta-se para mantê-los.

Neste Primeiro de Maio, não esqueça: todos os direitos que você tem hoje não foram dados por alguém de forma milagrosa, mas são fruto de lutas brasileiras ou internacionais de gerações. É função dos governantes fazer parecer que foram eles que, generosamente, concederam. E função da história dos vencedores registrar isso como fato.

Temos diversas formas de silêncio. O poder não está no silêncio das bocas fechadas que aceitam as coisas como elas são porque acreditam que nada pode mudar e que ficam felizes se ganharam uma TV do sindicato no feriado. Mas dos braços parados que se negam a produzir riqueza sem que um diálogo aberto e franco com os empregadores seja estabelecido.

Trabalhadores são fortes. Pena que se esquecem disso. (Fonte: aqui).
 
................
Enquanto Sakamoto ofereceu avaliação ampla sobre a questão trabalhista, Kiko Nogueira, relativamente ao deplorável episódio curitibano, foi direto ao ponto:
 
"O silêncio do PSDB em relação à truculência da PM paranaense contra os professores é sintomática do oportunismo e da indignação coletiva de seus dirigentes.

Onde está a histeria de um Carlos Sampaio, o Carimbador Maluco? Onde foi parar Aloysio Nunes e sua vontade de fazer sangrar? FCH? Serra?

Num vídeo do 1º de Maio, ao lado de Paulinho da Força e de Eduardo Cunha, Aécio falou que aquele era o “dia da vergonha, o dia que a presidente Dilma se acovardou e não teve coragem de dizer aos trabalhadores brasileiros porque eles vão pagar o preço mais duro desse ajuste”.

Ok. (Quanto a este "Ok" do autor: Este blog se permite divergir: Entendemos que a opção da presidente pelas redes sociais foi estratégica, e não nos surpreenderíamos se a repercussão de seu pronunciamento tiver sido razoável, embora distante da que seria alcançada na forma tradicional, ou seja, na tevê aberta - por sinal, diga-se, não tão chamativa no que tange a programas políticos. No mesmo passo, o conteúdo do pronunciamento nos pareceu adequado).
Instado a se manifestar sobre a pancadaria em Curitiba, (Aécio) foi sucinto. “Nós lamentamos profundamente”, disse. “Nada do que aconteceu em Curitiba deve ser objeto de ironia ou de críticas”.

Era isso? A batalha campal não pode ser criticada ou ironizada? Foi uma indireta a Dilma, que fez uma observação, aliás tímida e superficial, da porradaria.

Quem determina o que pode ser dito? Nenhuma palavra de solidariedade de Aécio a quem apanhou pelas mãos da polícia de um colega de legenda?

Em setembro de 2014, Aécio esteve com Richa em alguns comícios. “Vim buscar no Paraná exemplos de iniciativas para bem governar o Brasil”, discursou. Num evento tucano, ainda cravou: “Da minha geração, Beto Richa é o mais bem preparado homem público”.

Um modelo de gestão fabuloso. Entre outras coisas, os dois têm em comum a faixa etária (ambos nos 50) e o fato de ser membros de uma dinastia política. Richa é o Aécio que venceu as eleições e cujo preço os paranaenses pagam com pitbulls. "

................
QUANTO AO MINISTÉRIO PÚBLICO, BETO RICHA E A TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO, CLIQUE AQUI para ler texto escrito por Eduardo Guimarães.

Nenhum comentário: