quarta-feira, 27 de maio de 2015

SOBRE JUSTIÇA E CORPORATIVISMO

 
"A Folha de São Paulo deste domingo ( 24-5-2015, pg. A11)  trouxe uma reportagem sobre o Projeto de Lei (PL) que visa reformar a Lei Orgânica da Magistratura e atender reivindicações diversas vindas do Judiciário. É difícil de acreditar que seja verdade, tantos são os  benefícios (privilégios), especialmente tendo em vista a situação conjuntural (e crises se repetem ao longo dos anos) e social do país (diferença de renda e benefícios entre setores sociais e profissionais). Difícil também por ser um Poder visto por grande parte da sociedade como fundamental na recuperação da moralidade, redução dos privilégios, na busca da Justiça etc. O PL contém reivindicações delirantes, mesmo para um pais como o Brasil, onde tudo parece ser permitido para quem tem poder. (...) agride princípios constitucionais, entre eles o da  equidade e da moralidade, e faria do Judiciário uma casta privilegiada, o que prejudicaria a imagem de respeitabilidade de que tanto necessita para contribuir na condução de nosso país a um novo patamar civilizatório. O estrago orçamentário seria apocalíptico, não só pelos recursos para atender (os benefícios pretendidos), mas também porque no outro dia os membros do Ministério Público de todos os níveis e entidades federadas exigiriam nivelação de benefícios, como prevê a Constituição Federal. Aliás, o PL também diz que todo beneficio obtido pelo Ministério Público deve ser estendido aos magistrados.
 
Além da remuneração, o PL propõe: a- auxilio creche (5% do salário); b- auxilio para cada filho estudante (5%); c- planos de saúde para cada cônjuge (10%) ; d- para cada filho (5%); e- um salário por semestre como prêmio de produtividade; f- aumento de 5% da remuneração a cada 5 anos, até atingir 35% da remuneração (pelo Ministro Luiz Fux, deveria ser a cada 3 anos, até atingir 60%), auxilio moradia, auxílio deslocamento, auxílio funeral, auxilio transporte se não tiver veículo e motorista fornecido pelo Poder Público. Há ainda previsão do direito a ressarcimento integral se o juiz ou um dos familiares despender recursos com tratamentos não cobertos pelos planos de saúde.
 
Teriam continuidade os 60 dias de férias, 13º, 5% de auxílio alimentação etc. Detalhe: como a remuneração mínima do juiz é de aproximadamente R$ 22 mil, cada 1% representa R$ 220,00, cada 5%, 1.100,00. (...).
 
O PL também propõe que mesmo preso em flagrante, o juiz não possa ser levado a delegacias de polícia, e, nas emendas desejadas por Fux, mesmo que seja condenado por improbidade, não perca o cargo ou então sua remuneração, algo ainda a ser esclarecido (...). Se não for verdade, espero que não seja, seria conduta lamentável do jornalista e do jornal.  Mesmo sendo improcedentes algumas informações, apenas a aprovação de 50% delas já seria, enfim, um  desastre moral, social e econômico.
 
É difícil para um cidadão comum acreditar nisso tudo, mas é o que consta. Esperemos que as lideranças do Judiciário se manifestem. O presidente de uma associação já se pronunciou... a favor do PL: é preciso atrair os melhores. Faltou explicar como poderemos conter o trombadinha de esquina, como falar de ética para o desempregado que começa a roubar, que basta reduzir a menoridade para 16 anos para reduzir a criminalidade. Teremos respaldo moral? Poderemos falar em valores vigentes na sociedade? Os que querem a aprovação dessa anomalia (pelo menos vista em conjunto) seriam os mesmos magistrados que na época do mensalão colocavam em cada voto inúmeras frases indignadas dizendo que o pais exigia moralidade de seus políticos?
 
Um dos maiores problemas do país é sem dúvida o corporativismo, especialmente dos três poderes da República e nos três níveis, municipal, estadual e federal. Os partidos políticos vivem disso. É mal que também atinge a sociedade em geral, (...) uma verdadeira lei da selva. Sem combatê-lo, sem um mínimo de desprendimento e contenção, não teremos jamais um país civilizado e decente, a lei será a da selva, para todos, mesmo para quem está no ápice da pirâmide."
 
 
 
 
(De Percival Maricato, no Jornal GGN, post intitulado "Poder Judiciário e corporativismo" - aqui.
 
Faltou dizer que as vantagens acima alinhadas não são computadas para efeito do teto constitucional de remuneração do servidor público. Assim, se o salário chegar, p. ex., a R$ 60 mil, tal valor será embolsado normalmente.

"O presidente de uma associação já se pronunciou... a favor do PL: 'é preciso atrair os melhores'.", consta no texto acima. Concordo plenamente: é preciso atrair os melhores para que dignifiquem a Magistratura. Da mesma forma que é imperioso atrair os melhores para que dignifiquem o Ensino, a Saúde etc).

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