sábado, 14 de abril de 2012

CERTAS PALAVRAS (II)


Palavras mutantes

Paloma Oliveto

Estudo mostra que número de vocábulos tem diminuído de forma acelerada em todo o mundo. Novas tecnologias ajudam a homogeneizar os idiomas

O mundo moderno está matando as palavras. Nos últimos 200 anos, a taxa de nascimento de vocábulos foi menor que a de extinção, sendo que, desde a década de 1950, o ritmo do desaparecimento de termos acelerou. Isso, porém, não é algo necessariamente ruim, de acordo com um estudo publicado na revista Scientific Report.

Segundo os autores da pesquisa, a popularização dos impressos veio acompanhada de um maior rigor editorial, intensificado ainda mais com as tecnologias de correção de texto. Sumiram, portanto, palavras escritas de maneira errada (algo comum na época em que se falava mais do que se escrevia ou simplesmente deixava-se passar uma ortografia incorreta). Era isso que deixava margem para a multiplicação de palavras sinônimas e quase idênticas, cuja diferença estaria na troca de um s por um z, por exemplo. A língua portuguesa não entrou no estudo, mas, na realidade brasileira, seria o caso de termos como “mortandela” ou “iorgute”.

A homogeneização do idioma está, portanto, fortemente relacionada à morte de palavras. Um exemplo da língua inglesa diz respeito a William Clark, explorador americano do século 19. Em seus diários, ele se referiu à etnia indígena sioux de 27 maneiras diferentes, incluindo os termos “seaux” e “sieoux”. Muitas dessas variantes foram adotadas em livros editados até o início do século 20. Depois, contudo, os esforços de padronização editorial fixaram o nome como “sioux”.

A pesquisa não se concentrou em dicionários, que, obviamente, não publicam palavras ortograficamente erradas. A base dos cientistas, que são físicos, e não linguistas, como se poderia imaginar, foi o projeto Ngram, do Google, que busca palavras e expressões nos livros já digitalizados pela empresa. Até agora, o acervo digital corresponde a 4% de todas as obras publicadas no mundo desde a invenção da imprensa, no século 16. A equipe do físico Alexander M. Petersen, do Laboratório de Análises de Sistemas Econômicos Complexos do Instituto IMT Lucca, na Itália, optou por investigar o inglês, o hebraico e o espanhol por serem três idiomas com raízes diferentes. Os cientistas afirmam, entretanto, que o padrão de morte lexical (acervo de palavras de determinado idioma) provavelmente está ocorrendo em todas as línguas.

Fatores externos
O grupo escolheu o espaço de tempo entre 1800 e 2008, o que rendeu a catalogação de mais de 10 milhões de palavras. “Esse período abrange uma história incrivelmente rica do ponto de vista cultural e social, incluindo várias guerras internacionais, revoluções e numerosas mudanças de paradigmas tecnológicos”, explicam os autores no artigo. Além de analisar o nascimento e a morte de vocábulos ao longo de dois séculos, os pesquisadores utilizaram conceitos de economia combinados a métodos da física estatística para relacionar fatores externos à evolução da linguagem.

“Parece complicado, e realmente é, se formos considerar o estudo em termos técnicos. Pensando, porém, nos resultados, a coisa fica mais simples”, garante Petersen. “A expressão ‘grande guerra’, por exemplo, foi muito usada em publicações até 1939. Com a Segunda Guerra Mundial, as pessoas perceberam que a primeira não era mais a ‘grande guerra’ e que muitas outras piores poderiam surgir. Esse é, então, um exemplo de como um fator externo pode influenciar a morte ou o nascimento léxico”, exemplifica.

Por outro lado, as guerras da primeira metade do século 20 ajudaram a aumentar o vocabulário hebraico. Na década de 1920, com a intensificação do desejo de criar um Estado judaico, o hebraico deixou de ser uma língua restrita a textos antigos e passou a ser mais falado. “Como linguagem moderna, o idioma ganhou diversas palavras”, explica o físico.

Joel Tenenbaum, coautor do artigo e pesquisador do Centro de Estudos de Polímeros do Departamento de Física da Universidade de Boston, diz que as palavras estão, cada vez mais, “brigando entre elas”. “São sinônimos, grafias diferentes e termos relacionados que competem ao longo dos séculos. É algo evolutivo, como ocorre com animais e plantas. O idioma é algo vivo, sujeito a flutuações.”

Simplicidade
Nessa linha, não apenas palavras erradas ou mal pronunciadas sumiram do léxico. As muito grandes também tendem a desaparecer, dando lugar a vocábulos mais simples. No fim do século 19, quando Wilhelm Röntgen descobriu que um tipo até então desconhecido de raio conseguia atravessar os objetos, incluindo o corpo, e produzir imagens de seu interior, a técnica que desenvolveu foi chamada de roentgenograma. O termo tornou-se obsoleto na década de 1960, sendo substituído por radiografia, e atualmente quase todo mundo fala apenas “raios X”. Uma busca no Google em português apresenta apenas 117 resultados para roentgenograma. Troca-se por raios X e aparecem nada menos que 2.770.000 ocorrências. “Essa é uma batalha darwiniana”, brinca Tenebaum.

Os cientistas também investigaram o tempo que leva para uma palavra entrar no dicionário – varia, em média, de 30 a 50 anos. Como o dinamismo dos idiomas anda acelerado, o livro dos verbetes fica desatualizado. Tenebaum e Petersen coletaram um milhão de palavras em inglês, quase três vezes mais a média que aparece em edições modernas do Webster e de outras obras de referência. Outro aspecto estudado foi o percentual de mudanças de palavras através das décadas. Eles descobriram, por exemplo, que, a cada ano, 1% dos falantes de inglês troca sneaked por snuck (ambas significam “furtivamente”).

O uso do projeto Ngram para análise da evolução das palavras é considerado uma abordagem promissora. Em 2010, uma equipe da Universidade de Harvard, do Google e da Enciclopédia Britânica publicou um artigo na revista Science sobre a ferramenta. Eles cunharam o termo “culturomics”, em analogia a genomics (genoma, em inglês), para definir o estudo detalhado da evolução das palavras. “O interesse em abordagens computacionais nas ciências sociais e humanas data de 1950. Mas as tentativas de introduzir métodos quantitativos no estudo da cultura esbarravam na falta de dados confiáveis. Agora, temos um banco enorme, o que será uma revolução nesse campo”, afirmaram. (Fonte: aqui).

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