domingo, 19 de junho de 2011

DO TROPICALISMO INOVADOR À DITADURA DO AXÉ


O compositor e médico baiano José Carlos Capinan, 70, participou do 9º SALIPI/14º Seminário Língua Viva, realizado nesta Capital (5 a 12 de junho), quando discorreu sobre o tema "A Tropicália revisitada".
Na entrevista a seguir, publicada no Portal AZ e concedida a Rômulo Maya, o autor de "Soy loco por ti América" fala sobre a realidade, música, brasilidade, sentimentos e lembranças - especialmente de Torquato Neto. E opina acerca da Axé Music, valendo notar que seu filho é autor de "Rebolation", sucesso do grupo Parangolé.

O senhor encerrou sua participação no Salipi afirmando que nós estamos entrando numa turbulência que ninguém imagina. Do que se trata?

Se trata do mundo hoje, da mundialização da cultura, do próprio Brasil nisso tudo, né? A gente tem um momento político que é importante, que foi o momento político em que mudamos o perfil da gestão brasileira e política e isso foi muito importante, mas ao mesmo tempo isso não é conclusivo, é só um processo, e para o Brasil o PT foi importante, como foi também importante para o PT o Brasil, porque inclusive tornou o PT um partido real; não um partido ideal. Esse processo, é claro, vai ter um desgaste. E porque os problemas continuam! Nós temos problemas ambientais, nós temos problemas... A própria presidenta disse que é difícil falar de um país desenvolvido onde há miséria. Há uma sinceridade nisso e ao mesmo tempo há que... Eu não vejo no horizonte um novo líder lúcido e capaz de oferecer solução a esses problemas não só mundiais como locais.

Algum dia, o senhor já enxergou esse líder?

Eu não. É isso que eu tô dizendo; não vejo. Veja que o Obama, que é uma liderança nova no mundo, no império, por exemplo, ele tem que governar não somente com a cabeça dele, tem que governar com tudo que é o mundo... É uma guerra, uma guerra pela geopolítica, uma guerra pelos recursos naturais, é uma guerra pela sobrevivência.

E dessa turbulência, a gente desemboca onde?

Não há visão dessa coisa. A gente tá entrando numa turbulência, a gente não sabe quando ou como vai sair disso. Eu vejo assim. Sou muito otimista, na verdade sou pessimista, mas tenho um otimismo necessário... Sou pessimista em médio prazo, mas a longo prazo eu sou otimista.

O senhor disse que a música brasileira é boa. Mas em palestras, debates e até nos programas de auditório sempre aparece alguém levantando essa questão da qualidade da nossa música...

É! É muito recorrente isso.

E por que isso acontece? Se nossa música é boa, por que sempre tem alguém desconfiando dessa afirmação? É culpa da mídia, que não dá lugar ao bom, ou o problema somos nós, que não sabemos garimpar direito?

Eu acho que é um processo tipo de mercado. Por exemplo, na Bahia a música que domina é o axé. Eu não sou contra o axé, mas sou contra qualquer tipo de ditadura. A ditadura do axé é muito forte e isso sufoca as outras manifestações. E não é que elas [músicas] sejam de pouca qualidade... Meu filho, por exemplo, compõe nessa área e tá mais rico do que eu. [risos] Ele fez Rebolation, que é uma música que muitos gostam e outros abominam e até me cobram, porque é do meu filho. Eu não tenho nenhum interesse de fazer a cabeça do meu filho no sentido de que ele faça aquilo que não seja o que agrada ele. Esse é um problema de mercado.

Massificação da cultura mesmo.

Massificação, é uma questão de massificação.

Antes do Tropicalismo, a música no Brasil era dividida entre o que era MPB e o que não era MPB. Aí chegaram vocês e chutaram o balde. A principal contribuição do Tropicalismo para a cultura brasileira foi essa, acabar com essa divisão?

Também! Também! Embora eu ache que a tendência era romper com aquele esquema de MPB assim fechado, mas acho que isso é uma herança, é uma espécie de... Eu não teria medo de dizer que os tropicalistas são uma espécie de profetas militantes.

Meio que previram o futuro da música. É isso?

Não só, como também apostaram nele, se jogaram para esse futuro, se ofereceram para encurtar o caminho entre nós e esse futuro.

O senhor participou daquela passeata contra a guitarra elétrica? [Em 17 de junho de 1967, em São Paulo, aconteceu uma passeata contra a “invasão” da guitarra elétrica na música brasileira. Artistas como Elis Regina, Geraldo Vandré, Edu Lobo e Jair Rodrigues participaram do ato.]

Não participei, não. Não podia, nunca enxerguei essas coisas como problema. Eu vejo a minha vida assim e não percebo nenhum tipo de... Eu tenho um certo medo da loucura, mas jamais excluiria um louco da vida. Nunca sofri de nenhuma fobia, a não ser a fobia da violência da morte, mas sempre gostei do que se manifesta na vida. Então não me reconheço avesso a nada... A não ser jiló, que eu não gosto de comer.

O senhor disse que o Torquato Neto foi um personagem nuclear para o tropicalismo. Qual foi a participação dele no movimento?

Foi uma participação de poeta, escrevendo. Ele estava muito próximo de Caetano. Não morávamos perto nesse momento, porque eu morava no Rio e Caetano e Gil 'tavam em São Paulo. Torquato estava nuclearmente também porque estava muito próximo de Caetano.

Quais suas lembranças dele?

Ele era um cara alegre. Nós brincávamos muito, assim de piadas, provocações sobre poesias que fazíamos; nós gostávamos muito de fazer paródias com o que escrevíamos, brincar muito com a produção do outro.

Pra encerrar, pegando um pouco das impressões passadas com as suas primeiras respostas, queria saber se o senhor tem orgulho de ser brasileiro.

Muito! Eu tenho uma alegria, uma paixão pelo Brasil incrível. Acho que é uma coisa, um prêmio ser brasileiro. É um país bonito, eu gosto do Brasil, eu gosto daquele Brasil que os modernistas cantam, inventado por Jorge Amado, o processo cultural brasileiro é muito bacana, o povo brasileiro é muito forte, muito criador, supera a adversidade com uma força incrível, ele inventa o viver!

Foto: Mayara Bastos.

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O poeta Capinan, convém notar, não estacionou em "Soy loco..."; é autor de sucessos de Geraldo Azevedo, por exemplo, e de João Bosco. Eis um aperitivo: "cores do mar, festa do sol / vida é fazer todo sonho brilhar, ser feliz / em seu corpo dormir e depois acordar / sendo o seu colorido brinquedo de papel machê".

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