terça-feira, 29 de março de 2022

UM MÊS DE COBERTURA DA GUERRA NA UCRÂNIA REVELA CLICHÊS E MASCARA "VIDEO NEWS RELEASES"

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"...repórteres ocidentais foram retirados das cidades sob ataque (sob a alegação de que poderia haver 'terroristas russos' infiltrados para criar 'notícias falsas'), confinados em hotéis ou enviados de volta para a Polônia – a única emissora a explicitar essas condições de trabalho foi a CNN Brasil e Internacional. Isto é, mencionado en passant por repórteres baseados em Kiev."


Por
Wilson Ferreira

A cobertura midiática da guerra na Ucrânia completou um mês e já demonstra as mazelas de todas as coberturas extensivas, de Olimpíadas a conflitos como esse no Leste europeu: a obrigação de cumprir o mesmo script por um tempo tão longo expõe a recorrência de clichês e contradições retóricas e das condições em que os fatos são reportados: a retórica da “guerra de narrativas”; civis mortos vs. apologia à resistência civil; o silencioso mascaramento da utilização de vídeo news releases nos telejornais; hipernormalização da tragédia com o pianista ou violinista mais próximo; a avaliação “sobrenatural” do poderio militar russo vs. fracasso militar russo; a retórica metonímica da “guerra nuclear” etc. Porém, o maniqueísmo midiático não faz a pergunta principal: quem ganha com a guerra? O jornalismo corporativo quer ocultar que tanto Biden como Putin ganham, dentro da atual agenda do Grande Reset Global.

A guerra na Ucrânia já completou um mês e, parece, Putin e seus estrategistas militares estão atingindo alguns objetivos iniciais: mesmo após ter dizimado a força aérea, marinha e o exército ucranianos e já ter cercado as principais cidades do país (mesmo usando somente 10% de seu efetivo militar e sequer ter utilizado sua aviação de ponta), a Rússia prolonga a guerra, forçando a fuga de civis, em número cada vez maior, para os países vizinhos. 

Muitos analistas já admitem que a crise dos refugiados é uma das armas de Putin (clique aqui) – empurrar o abacaxi econômico e social para os aliados da OTAN descascarem. E a outra, tornar a cobertura midiática guerra um evento extensivo. Para quê? Para que o script pré-fabricado da grande mídia ocidental seja tão repetitivo (explicitando a recorrência de contradições e clichês) que cada vez mais torne explícito o seu tautismo. Isto é, fique explícito aos olhos do distinto público o artifício: que a mídia constrói uma realidade paralela sobre uma guerra que nunca termina – pela lente do jornalismo corporativo, o povo liderado por Zelensky é tão heroico que está quase invadindo a Rússia numa verdadeira zebra militar. 

Tudo virtual, potencial, porque a guerra se estende cada vez mais.

Como sempre, coberturas midiáticas extensivas, de eventos esportivos como Olimpíadas e Copa do Mundo a crises militares como essa no Leste europeu, começam a dar na vista seja (pelos) clichês retóricos (tão repetitivos que, em alguns momentos, até começam a constranger apresentadores e “colonistas”) ou (pela) falta de notícias novas, que começa a ser suprida pelos vídeo news realeases (VNR) produzidos pela OTAN e governo ucraniano – voltaremos a esse ponto abaixo.

 Ou a repetição em looping de clipes descontextualizados, compostos de vídeos ou imagens de arquivo, sugerindo ao espectador serem novidades do front – como fossem novos alvos civis destruídos ou avanços da resistência de Zelensky.

Este humilde blogueiro vai elencar algumas dessas recorrências nesse um mês de cobertura, cuja característica geral é a seguinte: repórteres ocidentais foram retirados das cidades sob ataque (sob a alegação de que poderia haver “terroristas russos” infiltrados para criar “notícias falsas”), confinados em hotéis ou enviados de volta para a Polônia – a única emissora a explicitar essas condições de trabalho foi a CNN Brasil e Internacional. Isto é, mencionado en passant por repórteres baseados em Kiev.

O caso mais exemplar é do documentarista Gabriel Chaim, da Globo News: faz transmissões ao vivo de seu quarto num hotel em Kiev (submetido ao toque de recolher) e somente sai para captar imagens orientados pelo exército ucraniano em tours para serem mostrados somente locais que o exército quer mostrar. 

Nada parecido com a liberdade que teve na cobertura dos conflitos na Síria, percorrendo o país e registrando a guerra com sua câmera... Vamos à lista de recorrência da cobertura midiática até aqui:



(a) “Guerra de Narrativas, “Guerra de Informação”

Fazia tempo que não ouvíamos tanto o aforismo “na guerra, a primeira vítima é a verdade”.  Numa cobertura jornalística tão extensa, começa ser necessário reciclar essa frase. Para criar uma percepção de jornalismo isento ou equilibrado, repete-se o clichê semiótico-desconstrutivista “guerra de narrativas” com a variante “guerra de informação”. O problema é que a “desconstrução” é sempre a do “outro” e não a “nossa”: Putin faz tão somente “narrativas” ou “informação fake”. Enquanto o Ocidente faz “jornalismo profissional”.

Falar em “guerra de narrativas” pode dar um ar “pós-moderno” à cobertura. Porém, incorre (na) velha e clássica propaganda de guerra: a mentira sempre está do outro lado.

(b) Civis mortos vs. celebração à resistência patriótica ucraniana

Nos primeiros dias de cobertura o jornalismo corporativo estava eufórico. Dentro do seu modus operandi do jornalismo de personagens (buscar contos maravilhosos sobre estórias de superação, transformando a cobertura num seminário motivacional), encontrou na convocação de Zelensky aos civis pegarem nas armas o script ideal. 

Vídeos com civis mostrando mulheres e crianças fazendo coquetéis molotov foram repetidos ad nauseum, assim como recém-casados que abandonaram a lua de mel para ir à guerra ou militares ensinando civis a montarem armas, passaram a circular pelo mundo. Virou um hit naqueles clipes rotativos mostrados enquanto um especialista é entrevistado.

Mas essa retórica patriótica logo desapareceu, diante dos números do crescimento de civis mortos. Nesse momento, acusam Putin de deliberadamente atingir alvos civis. Ora, mas não era esse mesmo o efeito colateral desejado por não só armar civis como, também, proibir a saída do país de homens até os 60 anos?

A mídia ocidental silencia diante dessa contradição.

(c) Video News Realeases (VNR)

VNR são vídeos feitos para parecerem com uma reportagem, mas foram criados originalmente por uma empresa de relações públicas, agência de publicidade, empresa de marketing, corporação ou agência governamental. São fornecidos às redações de TV com um objetivo claro: formar a opinião pública para promover agenda, produtos ou interesses.

Ao seu critério, os produtores de notícias podem editar e incorporá-los nas reportagens, sob a aparência de que a captação de imagens foi da própria cobertura da emissora. Por exemplo, coloca-se o repórter da emissora fazendo a “cabeça” do VNR para depois mostrar o release editado, com o próprio repórter fazendo o fechamento da “matéria”.

Numa cobertura tão extensa como a da guerra e com a falta de repórteres “em campo”, é uma boa oportunidade de preencher espaço a custos módicos para a emissora.

Um exemplo é esse da TV Folha: “Hospital Pediátrico mostra o pior da Guerra na Ucrânia”, com um fotógrafo e colunista da Folha fazendo a “cabeça” da matéria e a locução off em cima das imagens VNR – reparem a qualidade de um vídeo institucional (clique Aqui) e as notas canastríssimas de piano ao fundo.

Mas o principal VNR que ocupa os telejornais são as exortações diárias do presidente Zelensky. VNRs facilmente reconhecíveis: são manipulados, porque a tela verde do croma key é facilmente reconhecível pelos profissionais. Sua barba também é de comprimentos diferentes em um mesmo vídeo. Ou são publicados vídeos que obviamente têm algumas semanas, porque Zelensky pode ser visto com pessoas que morreram semanas antes.

Vídeos teatrais sobre a suposta bravura de Zelensky em Kiev culminaram na suposta visita de três líderes europeus que, num clima de desafio à morte, viajaram para a cidade, que estava quase cercada por tropas russas, para se encontrar com. Na verdade, provavelmente ele está no oeste da Ucrânia ou mesmo na Polônia, de onde conclama compatriotas para continuar uma luta sem esperança – clique aqui.

VNRs também são facilmente reconhecíveis com supostas imagens de um suposto front contra soldados russos: imagens com a câmera em estabilizador, impossível numa cena de guerra com explosões e fogo cruzado.




(d) Sempre há um pianista ou violinista por perto

Já que falamos em notas de piano em um VNR, não custa lembrar o incrível oportunismo ou faro dos repórteres encontrarem alguém tocando um piano no meio de uma casa destruída ou um violinista, ou mesmo violoncelista, que arruma uma cadeira no meio de uma rua destruída, e toca alguma música folclórica ucraniana.

Aqui há a convergência do “jornalismo de personagens” com a estratégia semiótica de “hipernormalização” – normalizar a realidade a partir de alusões ficcionais (clique aqui). No caso, o premiado filme O Pianista (o campeão das alusões ficcionais nessa guerra) ou o filme Titanic (os músicos que tocavam enquanto o transatlântico afundava): a fragilidade da arte diante da brutalidade da tragédia.

(e) Poder militar sobrenatural vs. Fracasso militar

Apesar de tudo, o ator-comediante Zelensky é um sábio em termos de comunicação. Na sua campanha presidencial, ele nada prometeu para os eleitores, enquanto fugia dos debates: “sem promessas, sem decepções”, repetia cinicamente o então candidato.

Disso decorre que criar expectativas sobrenaturais a respeito do poderio militar russo foi a primeira parte do script. Supostamente, dona de uma doutrina militar tão avançada, sofisticada e engenhosa que a expectativa era a de uma blitzkrieg que sucumbiria a Ucrânia em 72 horas.

Como nada disso aconteceu e a guerra se arrasta, uma série de suposições de falhas e Putin durante a guerra começam a ser listadas pelos “colonistas”: desastre, erros, erro de julgamento, excesso de confiança, falhas logísticas etc. Além de Putin não ter estimado o efeito supostamente devastador das amplas sanções sobre a frágil economia da Rússia.

Como nada disso não se confirma porque a guerra não acaba e a Rússia não dá trégua, passamos para o próximo clichê...




(f) Irracionalidade de Putin e a Guerra Nuclear

Uma máxima psicanalítica descreve se não conseguimos entender ou prever o padrão de comportamento do outro, então o qualificamos de “irracional” ou “mentalmente incapaz”, louco e assim por diante. Se ele não pensa como nós, seu cálculo é diferente do nosso, não segue nossa lógica e não conseguimos entendê-lo, então, por definição, ele deve ser “irracional”.

Durante a crise da anexação da Crimeia pela Rússia, a então chanceler alemã Angela Merkel confessou por telefone ao presidente Obama: “é difícil entender Putin, ele pensa pela lógica da Guerra Fria...”.

“Putin é imprevisível”, é o que mais se ouve dos “colonistas”. As palavras “loucura” e “irracionalidade” têm uma conexão metonímica imediata com “guerra nuclear” e “Terceira Guerra Mundial” – a soma de todos os medos, o cenário final de toda histeria, o fim da civilização!

Entramos no infernal campo semiótico dos deslocamentos metonímicos: a notícia de que um suposto míssil hipersônico atingiu um paiol do exército ucraniano, ajudou a elevar a temperatura retórica – “hipersônico” é uma palavra tão sonora e assustadora quanto “nuclear”. 

Nesse contexto, é até previsível nessa retórica metonímica entrar em cena a denúncias da OTAN de que Putin utilizaria armas biológicas, químicas etc. O imaginário nuclear associa-se imediatamente aos temas da contaminação, mutação etc. Pronto! Temos de volta o imaginário da velha Guerra Fria, com seus monstros sci-fi B mutantes. 

Ao final, essa estratégia metonímica é necessária para resolver a contradição: se os ucranianos encontraram a kriptonita que neutralizou os poderes sobrenaturais russos, então teremos que enfrentar um Putin ressentido e enlouquecido, pronto para apertar o botão vermelho. 




Para além da guerra de narrativas

Quem ganha com essa guerra? Paradoxalmente, os dois lados, Putin e Biden.

Para Biden, o novo empoderamento da OTAN, a retórica de que a Ucrânia é o primeiro país numa escalada de invasões da Rússia e a Guerra Fria 2.0, transformam a Europa num protetorado nuclear dos EUA – um continente ocupado por tropas e armamentos americanos.

As rodadas sucessivas de anúncios de sanções econômicas contra a Rússia, prejudicam quase unicamente a Europa: o continente não tem como substituir a energia importada da Rússia (40% do gás consumido) nem no curto e médio prazo. Isso quando cadeias produtivas desorganizadas pós-pandemia e a crise dos refugiados batendo à porta ajudam a aprofundar a crise econômica – ainda mais com o horizonte do custo da energia batendo nos orçamentos das famílias.

Quem vai pagar a conta é a Europa, criando condições para um cenário de agitação social perfeito para o recrudescimento do neonazismo e movimentos nacionalistas que canalizem, mais uma vez, o ódio e xenofobia.

Para Putin, a vingança das humilhações impostas pelo fim da Guerra Fria à Rússia e, junto com a China, o projeto da Eurásia e das novas rotas da seda - em reunião com representantes do empresariado chinês, o embaixador chinês na Rússia Zhang Hanhui observou que o empresariado chinês não deve perder tempo e é hora de “preencher o vazio” que se formou no mercado russo com a saída repentina de grandes empresas ocidentais – clique aqui.

Enquanto Índia e Rússia terão swaps de moeda para financiar o comércio em rúpias e rublos, contornando o regime de sanções dos EUA contra a Rússia. Vários bancos estatais da Índia executarão os swaps sob a supervisão do Reserve Bank of India. Seria a primeira saída aberta do sistema de financiamento do comércio internacional baseado em dólares – clique aqui.

Se os dois lados ganham com a guerra (transformando o fantoche Zelensky e o povo ucraniano em bucha de canhão), seria essa crise uma espécie de “freio de arrumação” para a agenda do Grande Reset Global preconizado pelo Fórum Econômico Mundial (FEM) em 2020?

A urgência dessa agenda do FEM decorre do beco sem saída em que entrou a Globalização – desde a a crise econômica do México em 1994 que gerou o “efeito tequila” global, passando pela explosão da bolha imobiliária de 2008 até o grande crash que ocorreria em 2020 (mitigada e ocultada pela pandemia global da COVID-19), sinais cada vez mais perturbadores já estavam sendo dados.

A arquitetura da velha Guerra Fria criada por Henry Kissinger e Zbignew Brzezinski (a criação de Estados párias para manter a indústria armamentista girando), e revitalizada com a “guerra ao terror” pós 11 de setembro, já não rendia mais, nem economicamente e nem como entretenimento para as massas do Ocidente.

Com a guerra na Ucrânia, Biden e Putin inauguram a Guerra Fria 2.0. Por isso, nesse momento, o Deep State norte-americano (Complexo industrial militar, oligarquia do petróleo, gás e mineração e o setor de Finanças, Seguros e Imóveis) está espocando rolhas de champanhe – aumento do investimento militar na Europa, disparo das commodities etc.

Porém, a aposta dos EUA é alta, pois flerta com a ameaça da desdolarização da economia global.  -  (Fonte: Cinegnose - Aqui).

 

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