segunda-feira, 1 de abril de 2019

O GOLPE DE 1964 E A CONSPIRAÇÃO MILITAR (E CONFISSÕES DE LUIS NASSIF)

(Domacedo).
O golpe de 1964 e a conspiração militar
Por Luis Nassif (No GGN).
Admito que até o dia 31 de março de 1964 meu apelido era Lacerdinha e provavelmente fui o único aluno do Colégio Marista de Poços de Caldas a fazer um discurso – em evento de apoio organizado pelos irmãos – em favor do golpe. Ainda era inimputável, com 13 para 14 anos.
Neto de avô lacerdista e amigo pessoal de Carlos Lacerda, nas Marchas com Deus que ocorreram em Poços de Caldas, a reação era de amigos mais velhos, o Netinho, o Adnei, Tomaz, o Sérgio Peru, o Zé Baixinho.
Aliás, nos últimos tempos, o espírito das marchadeiras baixou em alguns  deles. Foi a vingança dos tempos. Em cada post do Sérgio eu vejo por trás o espírito de uma velha descarnada, de cabelos ouriçados, com um terço na mão dizendo que era o espírito das marchadeiras encarnando nos jovens que ousaram enfrenta-las.
Todos eram membros do bravo GGN (Grupo Gente Nova), grupo destinado a criar lideranças cristãs que colocavam a mão na massa, fazendo trabalho social em favelas.
Do mesmo modo, admito que menos de um mês depois do golpe, mudei de posição. E caí em desgraça junto aos irmãos Maristas, que apostavam em minha vocação para seminarista. O motivo foram as notícias vindas de São Paulo e Rio de Janeiro sobre a violência policial em estudantes e operários. Mais que isso, o clima de delação que contaminou a cidade, fazendo que conhecidos nossos, dentistas, médicos, delatassem nossos companheiros de Semana do Estudante, ligados ao Partidão.
É evidente que a legitimação do golpe foi garantida pela chamada sociedade civil, jornais e TVs da época estimulando as grandes passeatas que engolfaram no radicalismo até o centro democrático. Há uma foto histórica de uma das marchas tendo à frente Ulisses Guimarães, o futuro senhor diretas.
O golpe inicial foi civil, das passeatas à sessão do Congresso que depôs Jango. Mas a retaguarda foi totalmente militar. No IPES, Golbery do Couto e Silva já articulava conspiradores, através do grupo conhecido como a Sorbonne. No lado civil, conspiravam-se nas federações das indústrias, nos clubes sociais, nos encontros de senhoras, nos almoços entre as marchadeiras e as forças militares.
Uma tia de minha ex-mulher era uma das líderes das marchadeiras paulistas. A família forneceu vários desembargadores e juízes. Em sua casa reuniam frequentemente, para almoço, comandantes militares, empresários, desembargadores e representantes das mesmas classes sociais e categorias que atuaram politicamente nos últimos anos. O único que reagia era um dos filhos, que sempre me dá a honra de participar dos comentários do GGN.
Mesmo na nossa Poços de Caldas, havia sinais nítidos de que a conspiração era nacional. Juarez Távora, amigo da minha família, aliás, forneceu armamento até para o dr. Fabrino, médico amigo nosso que acabou detido por um delegado pouco informado. Deteve o Fabrino, por embriaguez, e descobriu no porta-malas uma metralhadora. E só conseguiu acreditar que tinha sido fornecida por Juarez quando Fabrino pediu o telefone e ligou para o marechal na frente do delegado. Se fornece ao Fabrino, que mal se equilibrava em um copo, como teria sido com os fazendeiros locais? Havia mais metralhadoras do que o armamento descoberto na casa do vizinho do Bolsonaro.
Isso ocorria na ponta, no distante sul de Minas. Nos centros políticos, o jogo era muito mais explícito.

Os paradoxos da esquerda e os militares

Assim como agora, a esquerda meteu-se em um paradoxo, uma esfinge que não conseguiu ser decifrada a tempo e a engoliu.
O golpe vinha sendo preparado desde a eleição de Getúlio Vargas. O ponto central foi a ruptura do chamado centro democrático. A última tentativa foi de San Thiago Dantas, pelo PTB, em uma conspiração do bem com Afonso Arinos, da UDN. Não prosperou. Àquela altura a polarização se instalara, com Carlos Lacerda comandado a direita e Leonel Brizola a esquerda.
A campanha diuturna empreendida pela mídia contra o perigo vermelho se espalhara por todo o sul de Minas (meu ponto de observação) e arredores. As linhas avançadas era a rádio Globo, que abriu os microfones para Carlos Lacerda, a revista O Cruzeiro, os Associados, que tinham jornais em todas as capitais, aos demais grandes jornais do Rio e de São Paulo, e revistas como Ação Democrática.
Assim como fazem agora com o MST (Movimento Sem Terra) e MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), e até com as FARCs, na época levantava-se o fantasma das Ligas Camponeses. Seriam as forças revolucionárias que invadiriam os centros urbanos. Aliás, essa mística espalhou o terror na classe média e convenceu até parte da esquerda urbana. Há um trabalho muito bem feito do jovem Wanderley Guilherme dos Santos, que foi conhecer as ligas, e voltou contando que não passava de meia dúzia de gatos pingados, armados apenas de enxadas.
Jango sabia perfeitamente da importância de rearticular o meio campo, o mesmo que garantiu o getulismo, com a presença de forças trabalhistas, representantes do grande empresariado nacional e estamentos militares nacionalistas.
O golpe vinha sendo preparado desde a eleição de Getúlio Vargas.
O ponto central foi a ruptura do chamado centro democrático. A última tentativa de coesão foi de San Thiago Dantas, pelo PTB, em uma conspiração do bem com Afonso Arinos, da UDN. Não prosperou.
Há um artigo de Afonso Arinos, de 1963, comentando o discurso do anticomunismo. Dizia ele que a guerra fria terminara com o encontro entre Kruschev e Kennedy. Agora, havia apenas a exploração política dos fantasmas do passado. Mas se Jango não fosse capaz de mostrar firmeza no comando do país, o poder acabaria inevitavelmente sendo tomado pelos militares.
Àquela altura a polarização se instalara, com Carlos Lacerda comandado a direita e Leonel Brizola a esquerda. San Thiago foi amaldiçoado por seus amigos cariocas e Afonso Arinos, por prudência, se encolheu.
A imprudência final foi o infausto Comício da Central, uma multidão reunida, com a falsa sensação de força que sempre emerge das grades aglomerações populares e da retórica inflamada de oradores. No meio daquela multidão, Jango era um homem políticamente só.
Lembro-me até hoje indo até o Bairro Aparecida, em Poços, junto com o amigo André Aguirre, para pegar os estatutos do Grêmio Afonso Celso, do Colégio Marista. Pretendia montar uma chapa, mas o Zé Baixinho, adversário, teimava em não mostrar os estatutos. Conseguimos convencê-lo de que era a irmã do André, candidata do Grêmio do Colégio Jesus Maria José, que precisava dos estatutos para montar o seu. Subíamos as ladeiras e todas as casas estavam com o rádio ligado no comício e com moradores tremendo de medo com a ameaça comunista.
Por trás de todo o processo político, era nítida a articulação dos militares. A oposição civil jamais abdicou do seu militar de estimação, assim como o trabalhismo. Nas primeiras eleições pós-Estado Novo os candidatos foram o Marechal Eurico Gaspar Dutra e o Brigadeiro Eduardo Gomes. Nas eleições de 1950, o adversário de Getúlio foi Eduardo Gomes; nas eleições de 1955, Juscelino enfrentou Juarez Távora; nas eleições de 1960, Jânio enfrentou o Marechal Lott, representando o nacional desenvolvimentismo.
O golpe contra Jango foi a expressão máxima do poder militar. O Congresso depôs Jango.
Dizia a Constituição de 1946, em vigor, nos seus artigos 79 e 80 que, “em caso de impedimento ou vaga do Presidente e do Vice-Presidente da República, serão sucessivamente chamados ao exercício da presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, O Presidente do Senado Federal e o Presidente do Supremo Tribunal Federal”. E, no seu parágrafo 2: “Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição sessenta dias depois de aberta a última vaga. Se as vagas ocorrerem na segunda metade do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita, trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma estabelecida em lei. Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período dos seus antecessores”.
No entanto, quem assumiu provisoriamente o poder foi uma junta governativa composta pelos Ministros militares – Vice-Almirante Augusto Rademaker Grunewald, tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e general Arthur da Costa e Silva.
No dia 9 de abril, a junta militar, falando em nome de um “Comando Supremo da Revolução”, baixou o Ato Institucional número 1, o primeiro de uma série redigida por Francisco Campos, o mesmo Chico Ciência que deu o formato jurídico para o Estado Novo.
Segundo o CPDOC:
Composto de 11 artigos, o AI-1 era precedido de um preâmbulo onde se afirmava que, “a revolução, investida no exercício do Poder Constituinte, não procuraria legitimar-se através do Congresso, mas, ao contrário, o Congresso é que receberia através daquele ato sua legitimação. Além de conceder ao comando revolucionário as prerrogativas de cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos e deliberar sobre a demissão, a disponibilidade ou a aposentadoria dos que tivessem ‘atentado’ contra a segurança do país, o regime democrático e a probidade da administração pública”, o AI-1 determinava em seu artigo 2º que dentro de dois dias seriam realizadas eleições indiretas para a presidência e vice-presidência da República. O mandato presidencial se estenderia até 31 de janeiro de 1966, data em que expiraria a vigência do próprio ato”.
Até lá em Poços de Caldas a gente soube que era golpe, ainda que viesse dourado pela mídia como um programa de salvação nacional.
No dia 10 de abril, a mesma junta militar divulgou a relação de 102 nomes de pessoas destituídas de seus direitos políticos. Entre eles, João Goulart, o ex-presidente Jânio Quadros, o secretário-geral do proscrito Partido Comunista Brasileiro (PCB) Luís Carlos Prestes, os governadores depostos Miguel Arrais, de Pernambuco, o deputado federal e ex-governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola, o desembargador Osni Duarte Pereira, o economista Celso Furtado, o embaixador Josué de Castro, o ministro deposto Abelardo Jurema, da Justiça, os ex-ministros Almino Afonso, do Trabalho, e Paulo de Tarso, da Educação, o presidente deposto da Superintendência da Política Agrária (Supra) João Pinheiro Neto, o reitor deposto da Universidade de Brasília Darci Ribeiro, o assessor de imprensa de Goulart Raul Riff, o jornalista Samuel Wainer e o presidente deposto da Petrobras, marechal Osvino Ferreira Alves. A extensa lista incluía ainda 29 líderes sindicais, alguns deles bastante conhecidos, como o presidente do então extinto Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), Clodsmith Riani, além de Hércules Correia, Dante Pellacani, Osvaldo Pacheco e Roberto Morena, 122 oficiais foram também expulsos das forças armadas.
No dia seguinte, o Marechal Castello Branco foi apresentado ao Congresso como candidato a presidente da República. Questionar, que haveria de?
“O resumo está muito bom, mas faltou algo que me parece essencial e que fez a diferença em relação à análise do então Partidão e à dos dispostos à luta armada. O Partidão centrava sua ação na tese de que, sob pressão, a burguesia nacional engrossaria a esquerda e assumiria a hegemonia de uma revolução nacional-desenvolvimentista.
Eu dizia que a pressão sobre a burguesia nacional a levaria a juntar-se à reação, algo que ela resistia até ali. Quanto aos defensores da luta armada, eu acabara de sair do movimento urbano ligado âs Ligas Camponesas, depois de verificar, juntamente com Carlos Araújo, ex-marido da Presidenta Dilma, que se tratava de um  blefe sem  nenhuma organização séria à altura das provocações e ameaças que fazia.
Um dia, advertíamos, a reação vai pagar para ver e não vai ver nada. E não viu mesmo. O golpe de 64 foi ridículo como combate político posto em confronto com a efervescência “revolucionária” até 31 de março. Deu 1 de abril”.  

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