quinta-feira, 28 de setembro de 2017

SOBRE QUEM GANHOU COM O GOLPE (PRIMEIRA PARTE)

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Num momento em que dirigentes brasileiros - após anunciarem ao mundo dezenas de itens privatizáveis - com entusiástico apoio midiático patrocinam leilões de centrais elétricas e áreas petrolíferas (alternativas 'providenciais' para a geração de recursos necessários à cobertura do rombo nas contas públicas), deparamo-nos com interessante abordagem sobre articulações geopolíticas que repercutiram/repercutem sobre a realidade brasileira. A ela, então.


Quem ganhou com o golpe? Parte I: o papel do Wilson Center

Por Miguel do Rosário

No site do Brazil Institute, departamento temático subordinado ao poderoso Wilson Center, um think tank público-privado sediado em Washington DC, anuncia-se que, na próxima sexta-feira 29 de setembro de 2017, haverá um seminário para discutir as eleições brasileiras em 2018.
Os conferencistas foram escolhidos entre os velhos amigos da casa: além do moderador e anfitrião Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, os convidados serão Persio Arida, Sergio Fausto e Carlos Eduardo Lins da Silva.
Persio Arida é um desses tucanos de penas de ouro que sempre gostou de viver perigosamente. Após a passagem pela presidência do BNDES, entre 1993 e 1995, Arida foi o primeiro presidente do Banco Central do governo FHC. Ficou apenas cinco meses no cargo. Saiu pelas portas dos fundos, por causa de acusações – nunca provadas – de que teria vazado informações sobre mudanças na política cambial para o amigo Fernão Bracher, que tinha um banco de investimento, o BBA.
A experiência negativa, ou outras razões, parece ter decidido Arida a não mais voltar ao setor público. Anos depois, Arida se tornaria sócio de Daniel Dantas no Opportunity, onde ganha seus primeiros milhões de dólares. O sucesso financeiro, porém, é empanado pela operação Satiagraha, que leva Daniel Dantas à prisão e vale um indiciamento de Arida pela Polícia Federal. Felizmente, para ele, a operação é anulada, com auxílio luxuoso do ministro Gilmar Mendes.
Arida voltaria a ter dores de cabeça com a justiça durante a operação Lava Jato. Andre Esteves, seu sócio num novo projeto, o banco BTG, seria preso por algum tempo e ele, Arida, teve que assumir a gestão da empresa.
Hoje Arida trabalha na Blavatnik School of Government, uma universidade privada, sediada em Londres, criada com recursos de um oligarca russo do setor de petróleo, que chegou a ser o homem mais rico de Londres, e que também recebe fundos de corporações petrolíferas, como Exxon Mobil, ou de magnatas do setor, como Charles Koch, da Koch Industries.
Sergio Fausto tem o prazer de ser presidente do Instituto Fernando Henrique Cardoso, entidade que sempre foi vista, ao contrário do que acontece com o Instituto Lula,  com benevolência pela justiça brasileira, apesar do pequeno escândalo provocado um pouco antes de sua criação. FHC, num dos últimos dias de seu governo, reuniu grandes empresários no Palácio do Planalto, para arrecadar fundos para o instituto que planejava criar. A reunião vazou para um grande jornal e provocou incômodo em setores da opinião pública. Nada além disso.
Carlos Eduardo Lins e Silva, ex-editor chefe da Folha, colaborador ativo e membro do Brazil Institute, goza de um confortável emprego como consultor da Fapesp, órgão de pesquisa do governo de São Paulo.
Sotero, o diretor do Brazil Institute, tem uma biografia mais apagada, mas será um dos personagens mais constantes em nossa série.
Os seminários do Brazil Institute tornaram-se muito badalados desde que ele foi fundado, em 2006. O presidente Lula lá esteve, por exemplo, em 2009, para receber o prêmio anual da instituição. A foto, encontrada no relatório anual de 2009/10, tirada no dia 21 de setembro de 2009, mostra Lula ao lado de outros Vips, como o nosso conhecido Eike Batista, presidente do grupo OGX, e do CEO da Exxon Mobil, Rex W. Tillerson.
Eram tempos de lua de mel entre o império e aquele exótico líder sul-americano, que gozava de popularidade assombrosa no mundo inteiro, a ponto de ser chamado, em abril daquele mesmo ano, num encontro do G20 ocorrido em Londres, de “o cara” pelo presidente Barack Obama.

Rex W. Tillerson não posa ao lado de Lula, evidentemente, por afinidade ideológica. Tillerson é um disputado doador para o Partido Republicano e a Exxon tem sido, há muitos anos, uma das principais financiadoras de think tanks de direita nos Estados Unidos.
Sua presença no Wilson Center também não é gratuita. A Exxon é importante doadora do instituto, a ponto do próprio Tillerson ganhar um prêmio de “corporação do ano” do Wilson, em 2010.
Nomeado secretário de Estado por Trump, Tillerson hoje é o segundo homem mais poderoso do governo. Nas partes seguintes desta série, voltaremos a falar de Tillerson e de seus interesses no Brasil.
A foto é inofensiva e o presidente Lula tinha um charme especial para seduzir autoridades do outro lado do espectro ideológico que ele, pertencente a um partido de esquerda e oriundo do movimento sindical, representava.
Os conselheiros políticos de Lula, porém, se é que ele os tinha, deveriam ter ficado um pouco mais desconfiados sobre o papel que o Wilson Center iria desempenhar na silenciosa mas brutal estratégia de dominação simbólica que sempre caracterizou a relação entre Brasil e Estados Unidos.
O Brazil Institute, criado em 2006, mostra a que veio em maio de 2011, quando organiza um seminário reunindo a cúpula do Wilson Center, incluindo aí a sua presidenta, Jane Harman, sobre a qual também falaremos um pouco mais adiante.  Juízes e juristas americanos se fazem presentes, junto com vários ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil. Curiosamente, nenhum juiz da Suprema Corte americana participou do evento, talvez por entenderem que sua atuação deveria permanecer discreta.
A data escolhida para o seminário, chamado Judicial Dialogues, obedecia uma calculada agenda política, conforme se pode ler no prefácio do documento divulgado após o evento. Trecho inicial:
(…) Com o STF prestes a presidir um inédito processo de compra de votos no Congresso, a participação de juízes e acadêmicos compara conhecimentos sobre o indiciamento de políticos em crimes de corrupção em ambos os países.
É um tanto constrangedor que, em maio de 2011, uma instituição vinculada ao governo de outro país tenha decidido promover um encontro “judicial”, onde uma Ação Penal que ainda seria julgada, em novembro daquele mesmo ano, é exposta como se não houvesse dúvidas sobre ela – e com a presença dos ministros que iriam julgar!
Keith Rosenn, professor na Faculdade de Direito na Universidade de Miami, faz uma menção direta ao julgamento da Ação Penal 470, na mesa em que participou também o ministro Ricardo Lewandowski. Rosenn cita o depoimento de Roberto Jefferson como se tratasse de uma revelação incontestável:
Em 2005, um deputado (…) revelou que assessores do presidente Lula estava pagando mensalmente quantias a membros do congresso, em troca de seu voto. (…) Até agora, ninguém foi para a prisão por essa atividade criminosa.
Ora, para quem acompanhou aquele processo, sabe que a afirmação do americano é irritantemente imprecisa. Houve distribuição de sobras de campanha, mas os pagamentos não eram mensais, e jamais foi provado que se destinavam a pagar por votos. A observação sobre ninguém ter sido preso é simplesmente leviana, visto que o caso sequer havia sido julgado.
A Polícia Federal tinha publicado uma denúncia um mês antes do seminário.
Tirando os juízes, o único jurista brasileiro convidado para o evento foi Joaquim Falcão, que mais tarde ficaria conhecido como principal porta-voz em favor das narrativas midiático-judiciais que deram forma à Ação Penal 470.
A partir desta data, a questão da justiça se tornará um dos principais focos do Brazil Institute. Em outubro de 2013, por exemplo, a instituição organiza um seminário para falar sobre o significado e as implicações do “Mensalão, o maior processo de corrupção do Brasil”. Os convidados brasileiros são, como sempre, operadores do direito com opinião favorável à narrativa predominante: neste caso, o jurista Oscar Vilhena e o juiz Marcelo Cavali.
Em 2014, o Wilson Center tenta mostrar um pouco de imparcialidade e organiza alguns poucos seminários sobre as perspectivas eleitorais e econômicas no Brasil.
Em 2015, porém, os seminários voltam a se alinhar à oposição. O site do Brazil Institute republica diversos artigos hostis à presidenta e não mostra, em momento nenhum, que havia um movimento significativo de brasileiros, incluindo juristas famosos, que denunciava um golpe de Estado.
Dois dias depois do golpe do dia 17 de abril de 2016, o Institute Brazil organiza às pressas um seminário a distância, por telefone, com o mesmo pessoal da casa, mas com uma convidada nova, Monica de Bolle, “enfant terrible” do pensamento neoliberal brasileiro, hoje residindo em Washington e trabalhando no Peterson Institute for International Economics, que, como quase todos os centros de produção de inteligência neoliberal, é financiado principalmente por corporações privadas, incluindo a Chevron e a Exxon Mobil.
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Para entender melhor o papel do Wilson Center nas estratégias geopolíticas do governo americano, é interessante falarmos agora de dois personagens centrais na instituição: Anthony Harrington, presidente do Brazil Institute e Jane Hartman, a presidente do Wilson Center.
É aqui também que a nossa história começa a ficar mais perigosa.
Harrington é um homem importante nos Estados Unidos, além de multimilionário. Ele foi o fundador da Telecom USA, que se tornou a quarta maior empresa americana de ligações à distância, antes de sua fusão com a MCI. Trabalhou em diversas outras corporações importantes e foi membro sênior e consultor internacional da Hogan Lovells, uma das maiores firmas de lobby dos Estados Unidos, com muitos serviços prestados às grandes petroleiras norte-americanas, como Koch Industries, Chevron e Exxon. Harrington por fim se tornou CEO da Albright Stonebridge Group LLC, uma das principais consultoras de geopolítica e comércio exterior do mundo. Outra firma de lobby.
Sua ligação com o Brasil se deu porque foi embaixador no Brasil de 1999 a 2001.
Harrington trabalhou ainda, de 1994 a 2000, durante os dois mandatos do presidente Bill Clinton, como membro do comitê de inteligência da presidência da república (Advisory Board’s committee of Intelligence Oversight Board), uma posição que lhe permitia supervisionar todas as atividades dos serviços de inteligência vinculados ao governo dos Estados Unidos.
Ou seja, enquanto foi embaixador no Brasil, Harrington exercia, simultaneamente, uma função altamente graduada na poderosa comunidade de inteligência de seu país.
Considerando que Harrington acumula ainda o título de presidente emérito do Conselho de Negócios Brasil – Estados Unidos (US-Brazil Business Council), fica mais fácil entender como lhe seria fácil, e útil, usar a influência que o Wilson Center conseguiu consolidar sobre as mais altas autoridades judiciais do Brasil, que não parecem ter jamais problemas de agenda quando se trata de prestar contas ao Tio Sam, para fazer valer os interesses das corporações norte-americanas.
Algumas semanas depois do impeachment ser aprovado na Câmara dos Deputados, uma comitiva de empresários americanos veio ao Brasil, a convite do Conselho de Negócios Brasil – EUA, aí incluindo vários executivos da Chevron, para “visitar o governo Temer” .
Uma reportagem de Glenn Greenwald, David Miranda e Andrew Fishman, publicada no dia seguinte à votação do impeachment, informa que o senador Aloysio Nunes, um dos líderes do novo governo formado imediatamente após o afastamento de Dilma, tinha viajado aos Estados Unidos na mesma semana. Ainda segundo a matéria do Intercept, um dia depois do impeachment, Nunes participou de um encontro organizado pela firma de lobby Albright Stonebrigde Group (sim, a mesma firma que é presidida por Anthony Harrington, presidente do Brazil Institute). Contatada, a Albright Stongebrigde confirmou o encontro com o senador brasileiro, que mais tarde se tornaria ministro de Relações Exteriores do governo Temer, mas acrescentou que o conteúdo da reunião, ou as empresas e autoridades que dela haviam participado, não seriam publicizados.
Os números do Banco Central para os investimentos diretos no Brasil, no acumulado de janeiro a agosto deste ano, mostram que os Estados Unidos, e quase que só eles, aumentaram fortemente suas compras de empresas brasileiras. Infelizmente, não são investimentos em indústria ou infra-estrutura, mas somente em serviços, sobretudo nas áreas de energia elétrica, água e transporte, aproveitando-se dos programas de privatizações em curso no governo Temer.
Enquanto os investimentos da China no Brasil recuaram 70% este ano, por exemplo, os investimentos dos EUA no país cresceram 153% de janeiro a agosto.
                            (Clique na ilustração para ampliá-la)
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Jane Harman, presidente do Wilson Center, como quase todos os executivos graduados no comando da instituição, também é profundamente ligada à comunidade de inteligência dos Estados Unidos. Segundo a biografia na página do Wilson, ela é membro do Comitê de Política de Defesa, do Comitê de Política Externa do Departamento de Estado, e do Comitê do Departamento de Segurança Interna (Homeland). Ou seja, ela também é uma capo das capos dos espiões.
E ela parece ter entendido muito bem o sentido dos seminários judiciais do Brazil Institute. Quando Sergio Moro inaugurou uma nova série de palestras sobre o tema (foto no início do post), após o impeachment, a própria Jane Harman veio prestigiar, fazendo o discurso de abertura. Harman agradece o “ótimo trabalho” de Paulo Sotero, diretor do Brazil Institute, cujos esforços ajudaram a entregar aos Estados Unidos, de bandeja, um país inteiro. Um país fragilizado, desarmado, confuso, desorientado, e por isso mesmo incapaz de defender seu patrimônio, suas empresas, públicas ou privadas, seu mercado, os quais podem, agora, ser facilmente conquistados, subjugados, dominados, pelo imperialismo americano.
O embaixador e lobista Anthony Harrington também fez questão de compor a mesa de Sergio Moro.
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Na próxima parte da série (2ª parte: graças ao Brasil, o petróleo volta a brilhar no palco da economia americana), eu vou mostrar como o golpe no Brasil foi a salvação das refinarias norte-americanas e, de certa forma, da própria economia daquele país.
O petróleo parou de ser um peso exagerado na balança comercial dos EUA. Ao invés disso, os EUA passaram a exportar grandes quantidades de derivados de petróleo, de maneira que a participação desses produtos nas exportações totais dos EUA passam de menos de 2% para quase 10% nos últimos anos. O crescimento das exportações americanas para o Brasil é particularmente impressionante. A exportação de óleo diesel dos EUA para o Brasil em 2017 cresceu 185% em volume, na comparação com a média dos anos de 2011 a 2015 (antes do golpe).
(Para continuar a leitura - e explanação, em vídeo, a cargo autor do post -, clique AQUI).

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