quarta-feira, 7 de junho de 2017

A GLOBO E SUA ESCOLHA DE SOFIA


"Talvez a pergunta que mais intriga o mundo político brasileiro hoje é por que o Grupo Globo abandonou Michel Temer, levando com ele a coalizão de poder que a própria Globo ajudou a criar ao longo do processo do golpe judicial/parlamentar contra Dilma Rousseff. De fato, trata-se de uma pergunta vital ao entendimento do atual momento da grave crise política, econômica e social por que o país passa hoje, cujos primórdios remontam às manifestações de junho de 2013, e que foi potencializada para além de qualquer controle institucional pela Operação Lava Jato e seus desdobramentos que parecem beirar o infinito.

Mais ainda, a intrigante pergunta, de resposta quase impossível, mas que merece ser tentada, pode ter imbricado tanto os destinos daquela organização de comunicação e de Michel Temer e seu governo que apenas um desses dois conjuntos de personagens centrais da atual cena política brasileira poderá sobreviver: Temer, com a perda da presidência da República; a Globo, com graves prejuízos à sua credibilidade jornalística e possíveis perdas financeiras.
Essa história tem seu início no final da tarde do dia 17 de maio, quando o jornalista Lauro Jardim, principal colunista político de O Globo, tornou pública a delação premiada de Joesley Batista, obtida pela Procuradoria Geral da República e homologada pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF. Jornalisticamente o que se seguiu já está na história da imprensa brasileira e será ainda objeto de muitos estudos e análises, seja pela academia, seja pelo mundo jornalístico: William Bonner, Renata Vasconcelos, Merval Pereira, Renata LoPrete, Cristiana Lobo, Eliane Cantanhede, Gerson Camarotti, Andréia Sadi – só para ficar nesses profissionais do jornalismo televisivo da Globo -, tiveram que ocupar o vídeo atônitos, titubeantes – Bonner chegou a chamar Michel Temer de ex-presidente -, visivelmente desinformados, tentando dar conta de uma história que era de conhecimento há muitos dias de um profissional da empresa em que todos trabalhavam.
É provável que Lauro Jardim não tenha sido o único jornalista a ter conhecimento prévio da delação; é provável que ele, ao aprofundar a investigação sobre o assunto, tenha se valido de mais e melhores fontes no judiciário e no ministério público – mérito dele; é provável que ele tenha adiantado o que tinha para, pelo menos, duas pessoas da empresa para a qual trabalha; é provável que Jardim, por estar na frente de outros, ou outras jornalistas, tenha obtido das suas fontes o compromisso de ser o único a receber cópias das gravações de Batista e de Ricardo Saud comprometendo de uma forma aparentemente inquestionável Michel Temer, Aécio Neves e Rodrigo Rocha Loures; é provável que ele tenha obtido das suas fontes, além do material da delação, a garantia de ser avisado do momento certo para publicá-lo; é provável que a decisão de publicar tenha tido a participação, além das duas pessoas com quem Jardim já conversara em sua empresa, de pelo menos mais uma. Tudo isso é provável e, dado o contexto do fazer jornalístico, pode ter acontecido muito provavelmente assim.
Ou, alterando um pouco o cenário, pode ter sido também que Jardim tenha sido a segunda, ou mesmo a terceira pessoa da Globo a saber o que estava prestes a acontecer, recebendo a missão de, com todo o sigilo possível, acompanhar o assunto, até receber o sinal verde de publicá-lo. Afinal, se alguma autoridade pública neste país quiser que alguma coisa repercuta com muito impacto na sociedade, ela sabe que seu caminho será sempre a Globo. E terá sido essa autoridade quem levou o assunto àquela pessoa da Globo que precisaria ser a primeira a saber. A mesma pessoa a quem caberia a responsabilidade última de dizer a Jardim: publique tudo e surpreenda até mesmo seus próprios colegas.
Mas, nada disso responde à pergunta inicial: por que a Globo decidiu abandonar, ou, dito de outra forma, decidiu derrubar Michel Temer.
Em verdade, e aqui vai a resposta prometida acima, a Globo poderia até ter preferido não ter sido a destinatária do furo – fosse pela competência do seu colunista, fosse pela preferência a ela dada pela autoridade que queria vazar a informação -, mas uma vez que o furo chegou até ela, e chegou embasado por evidências já validadas pelo MPF e pelo STF, não seria jamais possível deixar de publicá-lo. Porque se não o fizesse, a autoridade interessada o levaria até outro destinatário, e, aí, os prejuízos seriam possivelmente maiores. O maior deles: tornar-se, mesmo sem querer, fiadora de um governo condenado à desgraça, ou, pior, tornar-se caudatária do furo jornalístico dado por algum dos seus concorrentes.
Diante dessa escolha de Sofia, a Globo jogou Michel Temer às feras da Lava Jato e, ao fazer isso, tornou-se refém da sua própria decisão jornalística: Temer tem que cair."



(De Murilo César Ramos, post intitulado "Ponto de vista: a Globo e sua escolha de Sofia", publicado no Jornal GGN - AQUI.
Ramos é pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação - LaPCom -,  da Universidade de Brasília.
A leitura dos comentários permite constatar o interesse que o assunto desperta, o que, convenhamos, não causa a mínima estranheza. Os comentários seguem a mesma direção, e duas vertentes se formam: a primeira, acompanha o entendimento do analista acima, a segunda vai mais longe: aos EUA. Aleatoriamente, escolhemos duas opiniões em sentido único:
.De Jura: "Simples. A Globo é e sempre foi uma criação americana, desde os tempos da Time-Life. A ordem veio de fora e de cima, para limpar o terreno - inclusive afastando os narcos - e deixar a área limpa para eles elegerem o melhor candidato pra eles.
Acrescente-se que a PGR serve ao mesmo senhor, fez acordos exclusivos por lá e a própria JBS se acertou e mudou pra lá antes!
Jardim não teve que investigar nada. Foi enviado como um escrivão para colher um depoimento.
Isso está claro há muito tempo. Só não vê quem não quer."
.De H. C. Coelho: "É isso. Tenho a mesma convicção - não igual à da Lava Jato, que só serve para condenar depois de não encontrar provas e encontrar milhares de informações de que não houve crime, que o acusado preferido é inocente.
Entregaram a Globo, mas ganharam a JBS e o mercado de carne da China e da Rússia. A Globo perto deste ganho é fichinha e sempre foi dócil e humilde com eles. E se a Globo por acaso apresentasse resistência, como deve ter apresentado alguma, pequena, eles concluiriam: podemos deixar o Marin e o genro do Havelange falar, e aí...; a Globo aderiu de pronto.
O resto da mídia e o Boechat, por pobre exemplo, ficaram fora do "furo" e, putos, receberam a resposta: quem são vocês? E, pelo choro, receberam ordens de continuar atacando o LULA, na ladainha de sempre. E audiência de 1% não conta."
A situação anda tão nebulosa, que a gente se põe a lembrar de um consagrado mecanismo inserido nas provas escolares, em que uma determinada pergunta comportava uma entre as opções oferecidas: 'a' - tal solução; 'b' - tal solução; 'c' - tal solução; 'd' - todas estão corretas; 'e' - todas estão incorretas. No caso dos comentários acima, especulações à parte, a alternativa 'd' parece a cabível).

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