PEC do Teto e o apagão midiático que atinge o país
Por Keila C. Gonçalves Rosa
Na última segunda-feira, dia 24 de outubro, aconteceram várias manifestações em diversas capitais e cidades do país, como Brasília, Fortaleza, Belo Horizonte, Porto Alegre, Angra dos Reis, Ouro Preto etc[1]. Os protestos eram contra uma Proposta de Emenda à Constituição – PEC 241. A proposta, que foi elaborada pelo Governo Federal, já foi aprovada pela Câmara dos Deputados e agora tramita no Senado como PEC 55, quer que os gastos do governo sejam corrigidos, no máximo, pelo percentual da inflação do ano anterior pelas próximas duas décadas, fato que deixou muita gente preocupada. A proposta é adotada como Novo Regime Fiscal, considerado pelo atual Presidente da República, Michel Temer, como uma medida capaz de solucionar a crise econômica que atinge o país.
A relevância do assunto é refletida na quantidade de debates públicos (protagonizados pela população), nas manifestações populares e, mais ainda, nas paralisações e ocupações em massa realizadas em diversas partes do país[2]. Nota-se, diante das discussões, que se trata de um tema demasiadamente significativo para a população e, no entanto, não suficientemente importante para tornar-se notícia para os grandes grupos de comunicação do Brasil. Não pelo menos quando se trata de atos contrários à PEC 241.
O tema vem sendo amplamente discutido na internet por agentes sociais, especialistas e educadores, por meio das redes sociais, blogs e canais de mídias alternativas, principalmente. A proposta do Governo Federal os preocupa por se caracterizar em medida que atingirá direitos sociais já conquistados, principalmente os que se relacionam com saúde e educação.
Diversas mobilizações acerca de atos contrários à proposta – PEC 241 – têm acontecido diariamente e são organizadas por diferentes frentes populares como Povo Sem Medo, União Nacional dos Estudantes (UNE), Frente Brasil Popular, sindicatos, dentre outros. Para o dia 24 de outubro estavam previstas várias manifestações. A maioria divulgada pelas redes sociais como Ato contra #PECdoFIMdoMUNDO. Apesar de inúmeras manifestações ocorrerem nesta data, no final do dia, o assunto foi praticamente “ignorado” pelos principais veículos de comunicação do país.
A busca por notícias no dia seguinte (25) sobre manifestações nas capas dos principais jornais impressos como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e O Globo foi frustrante. Nada se falava a respeito. Já nas páginas internas, apenas O Globo, na página 24, trazia uma pequena nota com uma foto seguida de cinco linhas de texto. 53 palavras foram utilizadas para dar conta da notícia sobre o protesto contrário à PEC 241 que aconteceu no Rio de Janeiro e que fechou uma de suas mais importantes vias de trânsito da cidade, a Av. Rio Branco. Não por acaso, a notícia estava dentro do mesmo espaço físico do jornal onde se enalteciam as negociações para votação da PEC no Congresso Nacional (ver Figura 1).
Sobre as demais manifestações no resto do país, nenhuma palavra. Blackout, apagão! A esperança de ter mais notícias logo se voltou para a tela da TV. O Jornal Nacional, da TV Globo, é referência em notícia e audiência. Se algo importante acontece, lá é noticiado. Mas também nada foi citado, o que revela a pouca importância conferida pelo programa aos acontecimentos contrários à PEC 241, revelando muito acerca dos critérios de noticiabilidade com que se pauta. O jornal Bom dia Brasil e o Jornal da Globo, ambos igualmente da Rede Globo, da mesma forma nada noticiaram.
Na busca ainda por alguma informação sobre as manifestações contra a PEC 241, eis que, no portal G7, da Rede Record, segunda no ranking de audiência no país, surgiu uma notícia informando que um grupo de 20 pessoas protestava em frente à casa do Presidente da Câmara dos Deputados, onde se oferecia um jantar a outros parlamentares, para tratar da votação que poderia aprovar a referida PEC e que ocorreria no dia 25 de outubro de 2016[3].
A manifestação, no entanto, que ocorria, por exemplo, logo ali perto, em frente ao Congresso Nacional, com a participação de milhares de pessoas, foi ignorada – ou melhor, obnubilada, seria o termo mais apropriado – pelos veículos da mídia mainstream. Em poucas palavras: os acontecimentos contrários à PEC 241 têm sido nitidamente evitados pelos grandes veículos. Por que será que isso ocorre? Vale a reflexão, para aqueles que ainda acreditam na imparcialidade e na boa índole dos grandes e tradicionais veículos de comunicação.
Por outro lado, diante das possíveis manipulações da realidade pela grande imprensa, uma das soluções para manter-se informado e ainda tornar públicos os acontecimentos que pautam a vida em sociedade tem sido o uso da internet. O ambiente virtual tem se revelado um novo espaço público capaz de ampliar as vozes dos menos favorecidos (pelo menos por enquanto). Especificamente, podem ser ressaltados, para tais fins, os canais alternativos da imprensa livre ou independente, como Mídia Ninja, GGN, 247, Brasil de Fato, fóruns online, e páginas de movimentos sociais.
Fugir ou ignorar os conglomerados tradicionais da mídia brasileira tem sido o caminho para evitar os apagões midiáticos e suas pseudo-imparcialidades. Buscar novas formas para obter informações, como na internet, é hoje o percurso alternativo para encontrar uma realidade sobre a qual é preciso ter consciência. Outros mundos, outras formas de pensamento, não incluídos no discurso hegemônico da mídia nacional, existem e podem ser encontrados nesses canais alternativos.
É insensato privar-se de notícias frente à hegemonia factual de veículos como Globo, Veja, Folha, Estadão, Record etc. Os mesmos que atualmente, por sinal, contam com generosa verba publicitária do Governo Federal[4], pouco alertarão sobre os fatos que são contrários aos seus interesses, ideologias e acordos políticos.
Não é mero acaso que o governo Temer tenha aumentado os repasses de verbas publicitárias para todos esses meios. Essa é a realidade. Precisamos descortinar as verdades e interferir nas mudanças impostas de cima para baixo pelos representantes que se encontram em um poder transitório, mas que estão tomando atitudes que podem atingir a vida de muitos de forma permanente.
Notas
[1] Informações sobre estas manifestações foram divulgadas pelo coletivo Mídia Ninja. Disponível em https://ninja.oximity.com/article/M%C3%ADdia-NINJA-acompanha-mobiliza-1 Acesso em 25.10.16.
[2] Segundo a UNE já são mais de 1000 escolas e 80 Universidades ocupadas em protesto contra a Pec 241. Dados disponíveis em http://www.une.org.br/Acesso em 25.10.16. Reportagem do jornal El País (recurso digital), de 25 de outubro de 2016, confirma os números.
[3] O protesto em frente à casa do presidente da Câmara dos Deputados também foi notícia em outros poucos portais da internet, como Estadão Online. Não havia qualquer referência a outras manifestações contra a PEC 241 que aconteceram no mesmo dia e horário.
[4] De acordo com a revista Carta Capital, nº 924, a verba de publicidade do Governo Federal foi remanejada após Temer assumir a presidência. Neste interim alguns veículos contaram com um acréscimo significativo no repasse das verbas, como a Rede Globo com 24,4%, a Uol – Folha de S.P com 78,1%, a Abril 624,3% e editora Globo com 586,4% de aumento. Pp. 20-23.
(Fonte: Jornal GGN - AQUI).
Keila C. Gonçalves Rosa é pesquisadora e mestre em Comunicação e Sociedade pela UnB
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