O antifascista que 'criou' a história do filme Casablanca
Por Jota A. Botelho
O ANTIFASCISTA E GUERRILHEIRO RANDOLFO PACCIARDI - Em seu livro autobiográfico, Pacciardi narrou seu encontro com o escritor norte-americano Ernest Hemingway, naquela época correspondente da Guerra Civil Espanhola, e com sua companheira Martha Gellhorn: "Em um momento de repouso da Brigada convidamos alguns jornalistas e escritores estrangeiros presentes em Madrid. Fazia as honras da casa o poeta Alberti que nos animou com as suas improvisações poéticas facilmente cativantes, como uma paródia de 'Cucaracha'. (...) Hemingway apareceu com uma jornalista de rara beleza, Martha Gellhorn, que é também correspondente em outros jornais americanos". Em uma carta de sua correspondência, intitulada 'Cuernavaca, 1950', Gellhorn escreve: "O tempo que eu amei Ernest - e eu realmente amei - foi por causa de Pacciardi: nós nos encontramos em Valencia com roupas civis, o governo havia dissolvido as Brigadas Internacionais, deixando-o sem dinheiro e documentos, sem um futuro. Pacciardi retornaria à França, apátrida e na penúria, o coração estava partido, mas não se lamentou, ele não disse uma palavra. De repente senti Ernest chorando, encostado na parede - eu nunca o tinha visto chorar - mas chorava por Pacciardi, como se o odiasse qual a um rival no amor". Posteriormente, Gellhorn se inspirou em Pacciardi para o protagonista do romance 'The heart of another' e o reviu novamente como Ministro da Defesa, em Roma, depois da guerra.
Pacciardi ficou alguns meses em Nova York (1942), e recebeu um telefonema do diretor Michael Curtiz, prestes a filmar o filme Casablanca, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, com um convite para ver as cenas e aconselhar sobre a atmosfera e os personagens. Pacciardi aceitou, sobretudo pela semelhança da história do personagem de Victor Laszlo e sua esposa (Ingrid Bergman no filme), com a que ele realmente viveu em 1941, autorizando - anos mais tarde - o Secolo d'Italia a especular que o filme foi inteiramente inspirado na figura do antifascista italiano. Todavia, Giuseppe Loteta, que tinha recolhido as memórias de Pacciardi, mesmo incluindo o 'conselho' deste para as filmagens de Hollywood, negou categoricamente esta hipótese. (1)
Mas eis a dúvida que vamos tirar com Sebastião Nery, na Tribuna da Internet.(2)
A VERDADEIRA HISTÓRIA DE "CASABLANCA"
Nunca uma mulher foi tão bela no cinema como Ingrid Bergman em "Casablanca". Nunca, no cinema, uma canção saiu tão maravilhosa de um piano quanto "As time goes by" dos dedos do negro Sam. Nunca um olhar foi mais fascinante na história do cinema do que o de Ingrid Bergman para Humphrey Bogart, no "Rick" de Marrocos.
Pois essa história houve. Não bem assim, mas quase assim. O dono dessa eterna história de amor e guerra, resistência e liberdade, que fez de Casablanca um dos três mais citados em todas as listas dos melhores filmes, existiu e o conheci senador. Morreu em Roma em abril de 1991, com 92 anos.
O filme, todos o vimos. Um tcheco, Victor Lazlo, guerrilheiro, líder antinazista, caçado por Hitler na Europa inteira, chegou à Casablanca com a mulher, para conseguirem passaportes e fugirem, porque Marrocos ainda era francês, embora os alemães, ocupando a França, também lá estivessem.
INGRID BERGMAN
O tcheco vai com a mulher, a luminosa e doce Ingrid Bergman, ao cassino para um encontro, atrás de passaportes falsos. No piano, um negro. A mulher de Lazlo o reconhece: "Sam, toque aquela canção". Ele diz que o patrão proibiu. Ela insiste, de repente aparece o dono do cassino, Rick, o elegante Humphrey Bogart, cigarro nos dedos, e manda: "Toque".INGRID BERGMAN
Ele toca "As time goes by" ("Enquanto o tempo passa"). Os dois tinham sido namorados em Paris, até a ocupação alemã, quando fugiram, cada um para seu lado, e agora ela era a mulher do líder tcheco. Tiros, mortes, invasão do cassino, uma arrepiante "Marselhesa" cantada de pé.
Depois de noites desesperadas, acabam os dois, o tcheco e a mulher, fugindo para Lisboa em um velho avião, com passaportes arranjados por Rick, que, ajudado por um oficial francês, matou o comandante alemão, que foi ao aeroporto impedir a fuga. No cassino, Sam tocava "As time goes by".
O GUERRILHEIRO
Esse é o filme. Na vida real, foi um pouco diferente, mas também fascinante. Randolfo Pacciardi (nasceu em 1889) jornalista, advogado e guerrilheiro, não era tcheco, era italiano. Em 1923, interrompeu um comício de Mussolini na Praça Veneza, e o já quase ditador o chamou de "advogadozinho idiota".
Quando Mussolini tomou o poder, Pacciardi entrou na luta, foi para Paris. Em 36, estourou a Guerra Civil espanhola, com Hitler e Mussolini apoiando Franco. Pacciardi foi para a Espanha, fundou a Brigada Garibaldi, com André Malraux, Hemingway, o brasileiro Apolônio de Carvalho e outros.
O Partido Comunista espanhol, que comandava a luta contra Franco, deu à Brigada Garibaldi a missão de ir a Barcelona matar os trotsquistas e anarquistas, que também lutavam contra Franco, mas Stalin queria aproveitar a guerra para liquidá-los. Pacciardi negou-se a cumprir a ordem e foi combater Hitler na França. De lá, seguiu para a África (Argélia) para se encontrar com de Gaulle. E acabou em Marrocos com a Ingrid Bergman, dentro de um filme.
COM DE GAULLE
Perseguido pelos alemães e italianos, Pacciardi internou-se em um hospital de Marrocos, para se operar, embora não estivesse sentindo nada. O médico negou-se a operá-lo e acabou descobrindo tudo. Era francês, amigo do comandante francês, levou Pacciardi para casa, arranjou-lhe um passaporte falso (ele era Renné Pigot) e o embarcou no navio português Serpa Pinto.
No navio, ele reencontrou, também fugindo dos alemães, e também com passaporte falso, uma antiga namorada da juventude em Paris, agora mulher do também antinazista, Mendes France, mais tarde primeiro-ministro da França, e que lutava na resistência com De Gaulle. Em Nova York, Pacciardi conheceu Michael Curtiz, diretor de cinema de Hollyood, contou-lhe sua rocambolesca história. Curtiz chamou um roteirista e nasceu "Casablanca".
De Gaspari, Saragat e Pacciardi
O SENADOR PACCIARDI
Acabada a guerra, Pacciardi volta à Itália, funda o jornal La Voce Republicana, ajuda a fundar o Partido Republicano, elege-se para a Assembleia Constituinte e com Saragat torna-se vice-presidente do Conselho, no governo democrata-cristão de De Gaspari. E ministro da Defesa de 1948 a 1953.
Togliati e o Partido Comunista italiano não lhe perdoaram jamais por se ter negado a cumprir na Espanha as ordens de Stalin para eliminar os anarquistas e trotsquistas, aliados deles. Fizeram uma campanha terrível contra Pacciardi, acusando-o de "traidor" e "vendido aos Estados Unidos".
Para Togliati (como Agildo Barata para Prestes), Pacciardi era um "bandido, lacaio da CIA". Quando Berlinguer, líder do Partido Comunista Italiano, começou o eurocomunismo, os comunistas reviram o que diziam de Pacciardi e, no seu enterro, ele já era um "herói da Pátria, da liberdade".
Em 1990, em Roma, o conheci já velhinho, senador vitalício, com 91 anos e lançando as memórias, "Cuore da Battaglia", na qual conta a história de Casablanca.
(1)Tradução aos trancos e barrancos, em curiosidades, do site Wikiwand - Randolfo Pacciardi.
(2) Nos meus arquivos havia este artigo de Sebastião Nery, que foi publicado na Tribuna da Imprensa, em 18/11/2005, e que me inspirou este post.
(2) Nos meus arquivos havia este artigo de Sebastião Nery, que foi publicado na Tribuna da Imprensa, em 18/11/2005, e que me inspirou este post.
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