segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

OS 120 ANOS DO BARÃO DE ITARARÉ


Por Mara L. Baraúna

Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, Aporelly ou Barão de Itararé (Rio Grande, 29 de janeiro de 1895 — Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1971)

Aparício era filho de uma índia charrua e de um pai que era um homem truculento e de poucas palavras.

Nascido numa carruagem, em Rio Grande, interior do Rio Grande do Sul, pois a mãe decidiu ter o filho na casa dos pais em Pueblo Vergara, no Uruguai, para onde viajou em uma carruagem num dia muito chuvoso e, em consequência, uma roda teve o aro quebrado. O próprio Torelly contou, bem humorado: "Com todo aquele barulho, nada mais natural que eu me apressasse a sair para ver o que se passava".

(Quando Aparício tinha) dois anos de idade, a mãe, Dona Maria Amélia Brinkerrhoof, se matou desfechando um tiro de revólver na cabeça, aos 18 anos. Esta seria a primeira das muitas tragédias com mulheres que enfrentaria.

Depois da orfandade, passa a viver na fazenda do avô, no Uruguai, retornando aos cuidados do pai, João da Silva Torelly, cinco anos depois.

Aos nove anos foi para o internato Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo, colégio dirigido por austeros jesuítas alemães. Como aluno, não se saiu mal, mas não demorou muito a se rebelar contra a rigidez da educação e, claro, fez isso a seu modo: com humor. Em 1909, aos 14 anos, apesar do ambiente repressivo, escreveu seu primeiro jornal satírico, Capim Seco, e sofreu sua primeira ameaça de prisão. É que a matéria de capa era uma gozação com o padre-reitor.

Ingressa no curso de Farmácia, mas se transfere para o de Medicina, em Porto Alegre. Abandonou o curso no 4ª ano, pois preferia frequentar o Clube dos Caçadores, uma mistura de cabaré e casa de jogo, mesmo andando sempre na pindaíba. Ao pai de uma namorada, que o acusou de não ter futuro, disse que futuro ele tinha, o que não tinha era presente.

Aparício faz uma série de conferências pelo interior quando conhece sua primeira esposa, Alzira Alves, casamento de pequena duração, mãe de seus filhos Arly, Ady e Ary.

Por essa época publicou poemas e artigos em diversas revistas e passou a se dedicar exclusivamente ao jornalismo.

Em 1918, morando em Porto Alegre, cria dois semanários de humor: O Chico e O Maneca.

Sofreu um derrame em 1918, em suas férias na fazenda de um tio. Em busca de um clima mais quente que lhe amenizasse a paralisia de um dos lados do corpo, “tomou um Ita no sul” e chegou ao Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em 1925, com cem contos de réis, que logo tratou de perder no jogo, tendo de ir procurar emprego.

Apresenta-se a Irineu Marinho, diretor de O Globo, e alega ser capaz de fazer de tudo: "desde varrer o chão até dirigir o jornal, mesmo porque não há muita diferença".

Em 1926, trocou O Globo pelo A Manhã, de Mário Rodrigues, pai de Nelson Rodrigues, onde tinha uma coluna: “Amanhã tem mais”. No mesmo ano, no dia 13 de maio, criou o jornal A Manha. O jornal logo virou independente, sob a batuta onisciente de “Nosso querido diretor”, como Aporelly se referia a si mesmo.

A Manha propôs um tipo de humor mais moderno que o de revistas como Careta, Fon Fon e Malho, embora tenha recebido suas influências. O jornal circulou até fins de 1935, quando o Barão foi preso por ligações com o Partido Comunista Brasileiro, então na clandestinidade.

Uma característica que vai apresentar-se recorrente desde então, e que também parodia a grande imprensa nas entrelinhas de sua sátira, é a relação estabelecida com grandes personalidades políticas, que passam a incorporar o quadro funcional d’A Manha. A mais marcante e duradoura destas relações deu-se com Vaz Antão Luís, referência ao presidente Washington Luís, na primeira fase do jornal. Como redator-chefe d’A Manha, Vaz Antão era um subordinado do “nosso querido diretor”, mas por acumular também a função de presidente da República, gerava por vezes uma relação conflituosa, em meio à qual o periódico também se assumia como “órgão oficial” do governo. Logo, por meio dos “subordinados”, o proprietário d’A Manha tinha poder de “interferir” na política nacional.

Historicamente considerado pioneiro em conjugar humor e crítica política, Barão de Itararé nasce como pseudônimo em 1930. De início denominado Duque de Itararé, rebaixa o título de nobreza "como prova de modéstia". O nome seguido do epíteto - "Barão de Itararé, o Brando" - antecipa, aliás, suas características literárias. O artigo e o substantivo se unem em um cacófato, sugerindo se tratar de um verbo com sentido escatológico. Já Itararé refere um episódio histórico brasileiro: na cidade de mesmo nome se dá uma violenta batalha contra os gaúchos que, acompanhando Getúlio Vargas, subiam ao Rio de Janeiro para tomar o poder. A Revolução aconteceu sem que tenha sido necessária, contudo, nenhuma luta armada.

Em 1934, com a companhia de Aníbal Machado, Pedro Mota Lima e Osvaldo Costa, cria o Jornal do Povo. Nos dez dias em que durou, o jornal publica em fascículos a história de João Cândido, um dos marinheiros da revolta de 1910. Em represália, Torelly foi sequestrado e espancado por oficiais da marinha alinhados com os integralistas. Após isso retorna à redação e afixa uma placa na porta: "Entre sem bater".

Participa da fundação da Aliança Nacional Libertadora, e em 9 de dezembro de 1935, é preso. Depois de um período na Polícia Central e no navio presídio Pedro I, que ficava ancorado ao largo da Baía de Guanabara (quando deixa crescer a barba, “uma barba 100 de Pedro II cultivada a bordo de Pedro I”, como costumava dizer), é transferido para a Casa de Detenção, onde ficaria até dezembro do ano seguinte. Lá vai para o Pavilhão dos Primários onde teria a companhia de Hermes Lima, Eneida de Moraes, Nise da Silveira e Graciliano Ramos (Nota do blog Domacedo: leia AQUI texto de Graciliano em 'Memórias do cárcere'). Durante o Estado Novo (1937 - 1945), é preso sucessivas vezes, por períodos menos extensos.

Em 1935, morre Zoraide, sua segunda esposa, com que se casou em 1926.

                                O Barão no traço de Nássara.

Livre em 1936, já ostentando a volumosa barba que cultivaria até o fim da vida, ele retomou o jornal por um curto período, até que viesse nova interrupção, ao longo de todo o Estado Novo (1937- 45).

(O jornal A Manha...) Voltaria em (...) 1959. Distribuído nacionalmente, era uma explosão de vendas. O “único quintaferino que sai aos sábados”, segundo Aporelly, “não é uma publicação que sai no dia certo, mas em certos dias...” além do que não podia “submeter-se às imposições da folhinha”.

Em 1936 casa-se com Juracy, sua terceira esposa, que falece em 1940. Ela foi a mãe de Amy Torelly.
Foi candidato em 1947, a vereador do Distrito Federal, com o lema "Mais leite! Mais água! Mas menos água no leite!", sendo eleito com 3.669 votos, o oitavo mais votado do PCB, que conquistou 18 das 50 cadeiras. Porém em janeiro de 1948 seus vereadores foram cassados: "um dia é da caça... os outros da cassação", anunciou A Manha. Seu mandato foi combativo e irreverente. Segundo o então senador Luiz Carlos Prestes, “o Barão não só fez a Câmara rir, como as lavadeiras e os trabalhadores. As favelas suspendiam as novelas para ouvir as sessões que eram transmitidas pela rádio”.

Depois que A Manha deixou de circular, o Barão de Itararé, associado ao diagramador e desenhista paraguaio Andrés Guevara, edita em São Paulo foi viver em São Paulo e ele lançou três Almanhaques  (almanaques de A Manha), com textos tirados das edições do jornal mais o material que produziu para outras publicações e algum escrito novo. Foram eles: Almanhaque para 1949, Almanhaque para 1955 - Primeiro Semestre e Almanhaque para 1955 - Segundo Semestre.

Em 1955, casa-se com sua quarta esposa, Aída Costa, que ateou fogo às vestes na Praia do Flamengo, em 1965.

No final dos anos 1950, o humorista foi deixando o humor de lado e passou a se interessar por uma velha paixão, a ciência, e pelo esoterismo. Andou às voltas com estudos sobre a filosofia hermética, as pirâmides do Antigo Egito e a astrologia, campo no qual desenvolveu certo “horóscopo biônico”.
Em 1963, viajou para Pequim, a convite do governo chinês, passando por Praga e Moscou.

Seu afastamento da vida pública e o mergulho do país no clima da Guerra Fria podem ter contribuído para o início da decadência, sua e do seu jornal.

Recluso, encastelou-se ao final da vida num apartamento no bairro carioca de Laranjeiras, com livros do chão ao teto, como relembra Remy Gorga, Filho, que lá esteve em 1969. “Parecia que aquelas torres de livros iam nos soterrar a qualquer momento.”

Em 1971, em 27 de novembro, um sábado, aniversário do levante comunista que motivara sua prisão nos anos 30, Apporelly morreu dormindo em sua cama, aos 76 anos.

O "herói de dois séculos", como ele se autodenominava, parodiando Garibaldi, "o herói de dois mundos", chegava assim ao fim, juntamente com uma era.

Mais recentemente, seu espírito crítico influenciou a criação do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, lançado em 14 de maio de 2010, no auditório do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, que reúne jornalistas progressistas e lutadores sociais, comprometidos com a democratização da mídia no Brasil.

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